Jesus, etc.
(e marquem na agenda: show deles em outubro, aqui em Toronto)
domingo, 30 de agosto de 2009
Freud na cabeça
Por uma série de coincidências, nas últimas semanas me deparei com várias coisas relacionadas ao Freud. Por mais inusitado que isso possa parecer, quanto mais eu li sobre Freud e psicanálise, mais eu achei partes do trabalho dele que podem iluminar coisas relacionadas a direito e desenvolvimento (que é o tópico central da minha pesquisa). Resolvi então escrever sobre o assunto aqui, pra testar minhas idéias antes de submetê-las ao rigoroso -- e pouco amigável -- crivo acadêmico.
A idéia fundamental da psicanálise é o tratamento de doenças mentais pela fala. Freud descobre a criação do método analisando o caso de sua paciente Anna O., que sofria de alucinações histéricas, sonambulismo, e se recusava a beber água. Depois de desabafar energeticamente, Anna voltou a beber água e o distúrbio desapareceu. Com o caso de Anna, Freud percebeu que ao expressar pensamentos opressores e lembranças traumáticas o paciente estava trazendo para o consciente coisas que estavam no subconsciente (ou talvez no inconsciente). E nesse exercício o paciente se cura. Ao concluir isso, Freud abandonou seu método anterior de hipnose. A hipnose dava a ele acesso ao inconsciente do paciente, mas não surtia efeito. A idéia básica é que não adianta falar para o paciente qual o problema. Para que a terapia tenha algum efeito, o próprio paciente precisa passar por esse processo de trazer o que está no insconsciente para o consciente. O que a gente chama de psicanálise é basicamente o mapeamento desta estrutura mental e o conjunto de métodos que o Freud desenvolveu para acessá-los e ajudar o paciente a fazer o mesmo.
(Nota para os desavisados: estou falando de psicanálise, não de psicoterapia, psicólogos e todo e qualquer tipo de tratamento em que a pessoa vai para "discutir seus problemas" e, às vezes, receber conselhos. Prometo compartilhar com vocês meus preconceitos e pré-conceitos com esse tipo de coisa em uma outra oportunidade.)
Como isso se liga com direito e desenvolvimento? Para quem não sabe, direito e desenvolvimento é uma área que tenta promover crescimento econômico e aprimoramentos nos índices de sociais como educação e saúde países mais pobres (diplomaticamente chamados de "países em desenvolvimento"). Onde entra o direito na história? O direito entra na tentativa de promover tudo isso através de reformas no sistema jurídico.
E como direito e desenvolvimento se liga com psicanálise? A forma como o pessoal que trabalha com direito e desenvolvimento tenta promover reformas é similar à hipnose do Freud. Com frequência, as reformas acontecem porque instituições multilaterais como o Banco Mundial oferecem uma bolada pra países pobres para promoção de reformas jurídicas, que eles chamam de boa governança. Ou seja, eles chegam lá, falam "seu problema é esse", e indicam o remédio. O Jeffrey Sachs chega a descrever esse trabalho de promover desenvolvimento como similar ao trabalho do clínico geral (veja o livro dele, modestamente entitulado "O fim da pobreza"). O pessoal dos países pobres até implementa as reformas, mas eles não sabem o que estão fazendo, ou o que estão tentando mudar, e por vezes nem enxergam qualquer problema ali. É como se Freud oferecesse uma bolada pra Anna O. beber água. Ela ia beber na frente dele, pegar o dinheiro, e continuar sua vida sem beber água fora do consultório. Eu acho que promover boa governança deveria envolver um processo similar à psicanálise, que é um processo de fazer o próprio paciente enxergar o problema para poder lidar com ele.
Normalmente as pessoas acham que psicanálise é aquele tratamento em que você coloca toda a culpa na mãe (ou no pai, dependendo do caso). O complexo de édipo é provavelmente a idéia mais popular de Freud, e só reforça esse tipo de esteriótipo. É verdade que a infância tem um papel central na psicanálise, mas isso ocorre, segundo Freud, porque grande parte da nossa identidade é definida por conflitos do inconsciente. O inconsciente, por sua vez, é constituído por traumas e desejos reprimidos na infância. Portanto, uma parte do exercício é fazer uma "arqueologia da alma", ou seja, voltar à infância e reavaliar os eventos que fazem parte do seu inconsciente. Nesse exercício, o paciente muda seu passado e, portanto, o modo como lida com o presente. Como diz Contardo Calligaris, em "Cartas a um Jovem Terapeuta, "não é porque os eventos da infância sejam mais marcantes que os de hoje, mas porque os eventos de hoje tomam relevância e sentido a partir de nosso passado e, portanto, da nossa infância."
Em um artigo que escrevi recentemente com um colega, eu analiso como o passado cria obstáculos para reformas de boa governança. Uma das formas como o passado afeta reformas é a criação de hábitos, crenças e valores que ficam arraigados na sociedade e são difíceis de mudar. Quando você cria uma nova instituição (como um judiciário independente), ela pode acabar sendo totalmente disfuncional se as pessoas que trabalham dentro desta instituição já incorporaram a idéia de que todo mundo é corrupto e ninguém obedece regras, por exemplo. Por isso que a estratégia do Banco Mundial tem sido em grande parte um fracasso -- eles não percebem que mudar instituições não vai ser muito efetivo se não conseguirmos também mudar valores, hábitos e a cultura da sociedade. O problema é como fazer isso. Acho que um exercício similar à psicanálise, no âmbito coletivo, poderia produzir isso. Ou seja, precisamos voltar ao nosso passado, entender onde e porque criamos esse hábito de não obedecer regras e de achar que todo mundo é corrupto, e a partir daí tentar mudá-lo.
Ainda não sei ao certo como fazer isso. Mas prometo compartilhar com vocês minhas idéias, conforme elas forem evoluindo. Preciso investigar, por exemplo, Lacan. O Foucault sacaneou muito a psicanálise, dizendo que terapeutas eram pessoas que "alugavam seus ouvidos", mas ele tinha muita deferência pelo trabalho do Lacan e dedicou uma boa parte da "História da Sexualidade I" para discutir (ainda que sem fazer referência direta) as idéias centrais da psicanálise Lacaniana. Depois de ler Lacan, talvez eu desenvolva uma teoria lacaniana do desenvolvimento. Me aguardem!
A idéia fundamental da psicanálise é o tratamento de doenças mentais pela fala. Freud descobre a criação do método analisando o caso de sua paciente Anna O., que sofria de alucinações histéricas, sonambulismo, e se recusava a beber água. Depois de desabafar energeticamente, Anna voltou a beber água e o distúrbio desapareceu. Com o caso de Anna, Freud percebeu que ao expressar pensamentos opressores e lembranças traumáticas o paciente estava trazendo para o consciente coisas que estavam no subconsciente (ou talvez no inconsciente). E nesse exercício o paciente se cura. Ao concluir isso, Freud abandonou seu método anterior de hipnose. A hipnose dava a ele acesso ao inconsciente do paciente, mas não surtia efeito. A idéia básica é que não adianta falar para o paciente qual o problema. Para que a terapia tenha algum efeito, o próprio paciente precisa passar por esse processo de trazer o que está no insconsciente para o consciente. O que a gente chama de psicanálise é basicamente o mapeamento desta estrutura mental e o conjunto de métodos que o Freud desenvolveu para acessá-los e ajudar o paciente a fazer o mesmo.
(Nota para os desavisados: estou falando de psicanálise, não de psicoterapia, psicólogos e todo e qualquer tipo de tratamento em que a pessoa vai para "discutir seus problemas" e, às vezes, receber conselhos. Prometo compartilhar com vocês meus preconceitos e pré-conceitos com esse tipo de coisa em uma outra oportunidade.)
Como isso se liga com direito e desenvolvimento? Para quem não sabe, direito e desenvolvimento é uma área que tenta promover crescimento econômico e aprimoramentos nos índices de sociais como educação e saúde países mais pobres (diplomaticamente chamados de "países em desenvolvimento"). Onde entra o direito na história? O direito entra na tentativa de promover tudo isso através de reformas no sistema jurídico.
E como direito e desenvolvimento se liga com psicanálise? A forma como o pessoal que trabalha com direito e desenvolvimento tenta promover reformas é similar à hipnose do Freud. Com frequência, as reformas acontecem porque instituições multilaterais como o Banco Mundial oferecem uma bolada pra países pobres para promoção de reformas jurídicas, que eles chamam de boa governança. Ou seja, eles chegam lá, falam "seu problema é esse", e indicam o remédio. O Jeffrey Sachs chega a descrever esse trabalho de promover desenvolvimento como similar ao trabalho do clínico geral (veja o livro dele, modestamente entitulado "O fim da pobreza"). O pessoal dos países pobres até implementa as reformas, mas eles não sabem o que estão fazendo, ou o que estão tentando mudar, e por vezes nem enxergam qualquer problema ali. É como se Freud oferecesse uma bolada pra Anna O. beber água. Ela ia beber na frente dele, pegar o dinheiro, e continuar sua vida sem beber água fora do consultório. Eu acho que promover boa governança deveria envolver um processo similar à psicanálise, que é um processo de fazer o próprio paciente enxergar o problema para poder lidar com ele.
Normalmente as pessoas acham que psicanálise é aquele tratamento em que você coloca toda a culpa na mãe (ou no pai, dependendo do caso). O complexo de édipo é provavelmente a idéia mais popular de Freud, e só reforça esse tipo de esteriótipo. É verdade que a infância tem um papel central na psicanálise, mas isso ocorre, segundo Freud, porque grande parte da nossa identidade é definida por conflitos do inconsciente. O inconsciente, por sua vez, é constituído por traumas e desejos reprimidos na infância. Portanto, uma parte do exercício é fazer uma "arqueologia da alma", ou seja, voltar à infância e reavaliar os eventos que fazem parte do seu inconsciente. Nesse exercício, o paciente muda seu passado e, portanto, o modo como lida com o presente. Como diz Contardo Calligaris, em "Cartas a um Jovem Terapeuta, "não é porque os eventos da infância sejam mais marcantes que os de hoje, mas porque os eventos de hoje tomam relevância e sentido a partir de nosso passado e, portanto, da nossa infância."
Em um artigo que escrevi recentemente com um colega, eu analiso como o passado cria obstáculos para reformas de boa governança. Uma das formas como o passado afeta reformas é a criação de hábitos, crenças e valores que ficam arraigados na sociedade e são difíceis de mudar. Quando você cria uma nova instituição (como um judiciário independente), ela pode acabar sendo totalmente disfuncional se as pessoas que trabalham dentro desta instituição já incorporaram a idéia de que todo mundo é corrupto e ninguém obedece regras, por exemplo. Por isso que a estratégia do Banco Mundial tem sido em grande parte um fracasso -- eles não percebem que mudar instituições não vai ser muito efetivo se não conseguirmos também mudar valores, hábitos e a cultura da sociedade. O problema é como fazer isso. Acho que um exercício similar à psicanálise, no âmbito coletivo, poderia produzir isso. Ou seja, precisamos voltar ao nosso passado, entender onde e porque criamos esse hábito de não obedecer regras e de achar que todo mundo é corrupto, e a partir daí tentar mudá-lo.
Ainda não sei ao certo como fazer isso. Mas prometo compartilhar com vocês minhas idéias, conforme elas forem evoluindo. Preciso investigar, por exemplo, Lacan. O Foucault sacaneou muito a psicanálise, dizendo que terapeutas eram pessoas que "alugavam seus ouvidos", mas ele tinha muita deferência pelo trabalho do Lacan e dedicou uma boa parte da "História da Sexualidade I" para discutir (ainda que sem fazer referência direta) as idéias centrais da psicanálise Lacaniana. Depois de ler Lacan, talvez eu desenvolva uma teoria lacaniana do desenvolvimento. Me aguardem!
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
Mais um email
dessa vez me recomendaram esse site. Achei genial, com destaque para as seguintes partes:
- Freud dizendo que os Estados Unidos foi um grande erro (em alemão);
- A filosofia de vida "pense pequeno", que tem uma explicação ótima que eu não consigo traduzir;
- E o final, onde imaginei todos os imigrantes juntos dançando cheek to cheek.
- Freud dizendo que os Estados Unidos foi um grande erro (em alemão);
- A filosofia de vida "pense pequeno", que tem uma explicação ótima que eu não consigo traduzir;
- E o final, onde imaginei todos os imigrantes juntos dançando cheek to cheek.
Emails da semana
Essa semana começou e terminou com dois emails muito inspirados:
Segunda-feira, 24 de agosto. Quando o Rio parece São Paulo (garoa e frio), e São Paulo parece Toronto (com temperaturas de um dígito), só se pode esperar que Toronto esteja parecendo o Rio. (E de fato estava: quando recebi o email estava 28 graus e um sol de rachar...)
Sexta-feira, 28 de agosto. Título do email: Educação britânica. Filminho. Comentário: Imagine se fosse no Brasil.
Segunda-feira, 24 de agosto. Quando o Rio parece São Paulo (garoa e frio), e São Paulo parece Toronto (com temperaturas de um dígito), só se pode esperar que Toronto esteja parecendo o Rio. (E de fato estava: quando recebi o email estava 28 graus e um sol de rachar...)
Sexta-feira, 28 de agosto. Título do email: Educação britânica. Filminho. Comentário: Imagine se fosse no Brasil.
quinta-feira, 20 de agosto de 2009
O que estraga o Brasil?
Resultado da enquete que conduzi durante minha última visita ao país:
- "Ah, Mariana, tanta coisa..."
- Os políticos
(mas cada povo tem os políticos que merece, segundo minha vó)
- As pessoas
- O brasileiro
- O Sarney
- O clima
- A falta de educação (tanto no sentido de baixa escolaridade quanto no sentido de falta de bons modos)
- A compra de votos
- Uma mentalidade de que temos que conseguir as coisas com o menor esforço
- A bebedeira
- A violência
- A história
(que nos treinou para ser bestas, segundo um aluno meu)
- O conformismo
- Uma cultura em que não se pode dizer não
- "Ah, Mariana, tanta coisa..."
- Os políticos
(mas cada povo tem os políticos que merece, segundo minha vó)
- As pessoas
- O brasileiro
- O Sarney
- O clima
- A falta de educação (tanto no sentido de baixa escolaridade quanto no sentido de falta de bons modos)
- A compra de votos
- Uma mentalidade de que temos que conseguir as coisas com o menor esforço
- A bebedeira
- A violência
- A história
(que nos treinou para ser bestas, segundo um aluno meu)
- O conformismo
- Uma cultura em que não se pode dizer não
quarta-feira, 12 de agosto de 2009
Uma maravilha de Cuba
Meus leitores têm reclamado que eu só falo mal de Cuba. Teve uma coisa absurdamente maravilhosa durante a viagem e -- para surpresa de todos -- foi relacionada a comida. Em um dos paladares que visitei (restaurantes privados, que sentam somente 12 pessoas e funcionam em casas de familia), eu comi uma das melhores refeicoes da minha vida. O lugar chama La Guarida. Eu voltaria a Cuba só pra comer a sobremesa deles de novo!
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