sábado, 17 de novembro de 2012

A fugacidade das abóboras

E já que estamos falando de Halloween (vide post anterior), porque não mencionar que Halloween também é arte? 

O fenômeno acontece no final de outubro: a cidade se enche de abóboras. Estão à venda em todos os lugares, nos mais variados tamanhos, formas e cores (foto em NYC). 


 E daí todas as pessoas da cidade se tornam escultores. Quase todas abóboras são compradas para serem esculpidas (não consumidas) num show de arte que se espalha por toda a cidade (foto em Toronto).
Graças ao casal vinte V. e D. eu tive a feliz experiência de poder esculpir uma abóbora ano passado e esse ano. Só depois de tentar fazer você mesmo é que vc passa a apreciar quão difícil é fazer algo decente (e por isso vou omitir as fotos das abóboras que esculpi). Aqui vai a que eu elegi a melhor abóbora do ano:


E da mesma forma como elas surgiram, elas desaparecem, de um dia para o outro. É como se nada tivesse acontecido: não há o menor sinal de que havia abóboras, halloween e pretensos artistas em todas as casas. E todos voltam às suas vidas pouco ou nada artísticas, esperando pelo Halloween do ano que vem...

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Halloween, Ordem e Progresso

No final de outubro comemoramos (tanto os EUA quanto o Canadá) o Halloween, que foi traduzido no Brasil como dia das bruxas. As celebrações por aqui são das mais variadas, desde de festas a fantasia para os adultos e distribuição de balas para crianças até eventos de rua para a família inteira (veja meu post sobre isso aqui).

Mas em conversa recente com uma amiga, descobri que as pessoas andam importando as comemorações do Halloween para o Brasil. Há quem demonize a globalização por criar uma cultura global homogênea e diminuir a riqueza e diversidade cultural do mundo. No Brasil, esse tipo de crítica embasou uma pequena campanha internética para que, ao invés de celebrar o Halloween, celebrássemos o dia do Saci-Pererê (que é exatamento no dia 31 de outubro). 

Eu não concordo com esse tipo de crítica porque ela assume que culturas são excludentes. Assume que temos que escolher entre uma cultura ou outra, ao invés de conseguirmos conviver com diversidade e pluralidade no mundo. Acho que podemos perfeitamente conviver com ambas culturas e nosso mundo fica, na verdade, mais rico com isso. O cosmopolitismo deveria ser valorizado, não execrado (para uma articulação acadêmica/filosófica dessa idéia, recomendo esse livro).  

Minha amiga, porém, me contou que ficou horrorizada com a forma como o Halloween foi celebrado no Brasil. Hospedada no apartamento em condomínio de luxo da irmã, que tem uma filha, ela disse que a "celebração" era coordenada por um animador de festas, sem a presença dos pais. As crianças, correndo e gritando pelos corredores, batiam de porta em porta para pular como selvagens sobre um saco de balas, numa luta para ver quem conseguia pegar a maior quantidade. E esse retrato da selvageria é exatamente o oposto da forma como o Halloween é celebrado no América do Norte.

Aqui, as crianças vem em grupos de dois ou três, sempre acompanhadas de um adulto ou um adolescente responsável. Diante do saco de balas, as crianças investigam cuidadosamente as opções, pois sabem que podem apenas pegar uma bala do saco. Minha amiga disse que uma vez, quando encorajou uma menina de 5 anos a pegar outra bala, que a menina imediatamente olhou para o pai, pedindo permissão para fazê-lo. O pai indicou para a menina que uma bala era suficiente. Ela agradeceu a oferta e obedientemente se dirigiu à próxima casa, sem choro nem escândalo. Eu também já tive uma experiência assim. Ao mostrar o saco de balas no meu prédio, um menino de 3 anos encheu as duas mãos e foi imediatamente repreendido pelo pai, que mandou ele devolver todas as balas e pegar apenas uma. 

Esse exemplos mostram que o Halloween é usado pelos pais norte-americanos como uma oportunidade para ensinar moderação e auto-disciplina para seus filhos. E essa parte a classe média alta brasileira ignorou. Eles copiaram a fantasia e as balas, mas perderam o ponto principal da celebração: a oportunidade de contribuir com algo valioso para a educação das crianças brasileiras. Halloween é sobretudo um exercício de paciência e moderação.

Não é à toa que os brasileiros ficam surpreendidos com a educação das pessoas na América do Norte. Os carros dão passagem uns para os outros. Os passageiros esperam aqueles que estão desembarcando do metrô antes de entrar. As pessoas fazem fila para entrar em um ônibus, ao invés de se aglomerarem caoticamente na porta, lutando para ver quem consegue entrar primeiro. Essa educação não cai do céu nem surge como mágica. Essa educação existe porque essas pessoas, quando eram crianças, foram treinadas para agir dessa forma. E esse é o ponto que ficou faltando importar para o Brasil. Ou seja, temos atualmente um cosmopolitanismo de uma perna só, e isso está longe de ser uma homenagem ao Saci-Pererê.

Termino com um relato do programa de rádio canadense, que ouvi na manhã do Halloween. O locutor havia chamado um médico para alertar os pais sobre os males do consumo excessivo de açucar. Logo em seguido, ele entrevista um psicóloco para dar dicas de como os pais deveriam administrar o consumo das balas coletadas na noite do Halloween. Aqui, novamente, mais uma oportunidade para ensinar moderação a auto-disciplina para as crianças. O psicólogo sugeriu que os pais estabelecessem uma regra -- apenas uma bala pode ser consumida por dia. E indicou que isso normalmente gera ansiedade, pois as crianças acham que alguém pode sumir com as balas antes que as mesmas sejam consumidas. Para lidar com esse problema, ele sugeriu colocar as balas em um recipiente transparente, em um lugar visível da casa, para que a criança possa verificar diariamente que as balas permanecem lá. Isso ajuda elas a lidar com a ansiedade e facilita o cumprimento da regra do consumo de uma bala por dia. O contraste é claro: enquanto os pais canadenses ouviam essa reportagem (e o nível de audiência do programa é altíssimo), os pais brasileiros assistiam a novela enquanto deixavam suas crianças sob a tutela do animador de festas. 

Enfim, os brasileiros precisam ficar menos deslumbrados com "como tudo funciona" em outros países, e precisam começar a pensar em porque tudo funciona em outros países. É só assim que vamos começar a caminhar em direção a um bom cosmopolitanismo.  
 
P.S. - Peço desculpas aos meus fiéis leitores pelo sumiço. Estou trabalhando em muitos projetos (dois artigos e dois livros) ao mesmo tempo e, quando tempo tempo livre, a última coisa que quero fazer é escrever...