sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Cada um tem a ciclovia que merece

Há algumas semanas, um vídeo feito por um ciclista em Toronto virou febre na internet (ao menos aqui em Toronto). O video mostra como a ciclovias da cidade são frequentemente ocupadas por veículos de todo tipo (polícia, caminhões entregando cerveja, taxis e carros privados), que dão uma "paradinha" forçando os ciclistas a entrar na faixa de automóveis para seguir seu caminho. 



Resposta dos paulistanos para o ciclista canadense? 

- Sabe de nada inocente. Você acha que tem um problema? Veja isso: 


(foto tirada por um usuário do facebook em São Paulo no dia 20 de agosto de 2014). 

E a resposta do paulistano que usa twitter para o ciclista canadense? #firstworldproblems.

Pois é, cada um com a ciclovia que merece. 

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sábado, 9 de agosto de 2014

O troco e a racionalidade

- Deu 27,80, senhora.
- Tá aqui, trinta. Pode ficar com o troco.
- Não, minha senhora. Pega o troco. 

E em questão de segundos o sujeito sacou duas moedas de um real e duas de dez centavos. Estiquei a mão pensando: santo deus, lá vou eu voltar com um saco de quinhentas moedas pra Toronto de novo. 

- Com dez trocos desses, as senhora paga outra corrida. 

O ponto do taxista é muito válido. Na verdade, é uma das primeiras lições de qualquer curso de educação financeira: de pouco em pouco a galinha enche o papo. Aprendi isso em um curso em Toronto, na aula do muffin. A instrutora mostrou o preço de um muffin no Starbucks (uns Ca$2,50), e calculou quanto uma pessoa gastaria se comesse um por dia, de manhã de segunda a sexta-feira (5 x 2,50 = 12,50 por semana; ou 50 reais por mês) num período de 10 anos (52 semanas x 50 reais = 2600 por ano). E era uma quantia significativa. Tipo uns 25.000 dólares. 

Lição do dia? Ao invés de ficar esperando ganhar na mega-sena, é melhor começar a contar as pequenas economias que se pode fazer no dia-a-dia, tipo não comer muffin no Starbucks e não deixar o taxista com o troco. (Confesso que não sei se você pode comprar um muffin com o troco que o taxista não aceitou - precisamos consultar um especialista).

Feliz com a idéia de que a população brasileira está começando a se familiarizar com princípios básicos de administração financeira, desço do táxi. Entro no avião e começo a revisar minhas notas de aula: "O agente racional auto-interessado busca maximizar sua utilidade individual". Essa é a premissa básica da aula que eu precisava dar assim que saísse do avião e ali estava eu, me deparando com uma situação que não parecia se encaixavar naquele modelo de racionalidade. 

Se o taxista fosse um agente racional auto-interessado, teria embolsado o troco e agradecido. Portanto, como explicar para meus alunos que o modelo era válido? Seria o taxista irracional? Talvez eu pudesse inventar uma história de que era um hippie dirigindo um carro pelas ruas de São Paulo. Exceto que hippies em geral não são muito bons com princípios básicos de educação financeira - afinal, a filosofia deles é não se importar com dinheiro...

O taxista paulistano não era o primeiro a me deixar com um grande problema intelectual para resolver. Um carioca, uma vez, fez algo ainda mais inexplicável.

- São R$22,20. 

Dei R$25 pra ele. 

- A senhora não tem troco?
- Não tenho. Se o senhor não tiver troco, pode ficar com os R$25.

Ele imediatamente sacou a nota de 5 reais e esticou o braço insistentemente para devolvê-la. 

- Não, não, minha senhora! A senhora fica com os 5 reais.
- Por que? perguntei confusa.
- Ora, porque é a senhora que vai perder mais dinheiro. Eu só perco R$2,20. A senhora ia perder R$2,80 se me deixasse com o troco. 

Um era um hippie com educação financeira e o outro era o justiceiro do troco. Se alguém não tem troco, fica com a diferença quem ia perder mais dinheiro. Afinal, a outra partilha seria injusta, não? O problema dessas histórias é: como convencer meus alunos a acreditar em um modelo baseado em uma premissa de racionalidade, quando tem tanto louco no mundo?

A resposta, ao meu ver, é simples (apesar de eu ter demorado muito tempo para formulá-la...). A utilidade individual não se limita a ganhar mais dinheiro. Cada um tem uma utilidade diferente. Alguém que quer ser rico valoriza mais o dinheiro que outras coisas. Esse pegaria o troco. Mas o taxista paulistano claramente valoriza algo mais do que o dinheiro. Talvez mostrar o conhecimento dele de educação financeira seja mais importante para ele do que ficar com dois reais. Talvez o taxista carioca valorize mais a justiça do que a acumulação de riqueza. Portanto, ambos estavam maximizando sua utilidade individual e estavam portanto se comportando como agentes racionais auto-interessados. 

Eu tinha acabado de salvar minha aula quando me ocorreu que a explicação poderia ser outra. Talvez ambos os taxistas tivessem ficado com o orgulho ferido de "receber esmola" de uma mulher jovem. Afinal, isso feriria o orgulho de qualquer machista. Portanto, a utilidade que ambos poderiam estar preservando ali era a superioridade dos homens sobre as mulheres. Um comportamento perfeitamente racional para cada um deles, mas bastante prejudicial para a sociedade como um todo. Portanto, já ficava ali o ponto de conexão com a próxima aula: a versão descritiva (o mundo é assim) e a versão normativa (o mundo deveria ser assim) do modelo. 
 
Só espero que algum dia alguém escreva um livro sobre como as vezes há mais coisas a se aprender dentro de táxis do que dentro das universidades...