Hoje se comemora aqui no Canadá o aniversário de uma decisão judicial muito importante: no dia 18 de outubro de 1929 o Privy Council (a corte britânica para as colônias) decidiu que as mulheres são pessoas. Antes da decisão, a lei que governava o Canadá, chamada British North America Act tinha uma provisão dizendo que as mulheres não eram consideradas pessoas para efeitos de direitos e privilégios. Não ser uma pessoa no sentido jurídico do termo significa que uma mulher não pode, por exemplo, se tornar uma juiza, concorrer para cargos eleitorais, ou ser uma funcionária pública. Graças a um grupo de mulheres conhecido como "Famous Five", a decisão da Suprema Corte Canadense -- segundo a qual as mulheres não eram pessoas -- foi revertida pelo Privy Council e desde então as mulheres são consideradas pessoas no Canadá.
Mas se tornar "pessoas" foi apenas o primeiro de muitos obstáculos. Esse fim de semana eu tive o prazer de conhecer (e bater um longo papo) com a Sylvia Ruegger, que representou o Canadá na primeira maratona olímpica feminina. Até 1984 (!) as mulheres não podiam correr maratonas nas olimpíadas, mas isso não impediu a Sylvia de treinar para a maratona e estar pronta pra competir quando a primeira maratona aconteceu. A história da vida dela é fascinante.
E nessa primeira maratona vencer não era tudo: para muitas corredoras, o mais importante era terminar. O melhor exemplo foi a corredora suiça Gabriela Andersen-Schiess que recusou atendimento médico, apesar de estar sofrendo de insolação e desidratação, porque ela queria cruzar a linha de chegada (vale a pena ver o vídeo). Ela chegou 20 minutos depois da primeira colocada e -- surpreendentemente -- não ficou em último lugar na prova.
E hoje em dia, depois de se tornarem "pessoas", e de conquistarem o direito de correr maratonas, as mulheres ainda têm que lidar com obstáculos. Hoje reencontrei uma amiga que fez o doutorado comigo em Yale. Durante o almoço, ela me contou que o marido dela se opôs veementemente à decisão dela de voltar a estudar. Ela não teve dúvidas: se divorciou e mergulhou de cabeça na tese. Hoje ela dá aula nos Estados Unidos e estava em Toronto esse fim de semana para apresentar um de seus artigos numa conferência. A área de especialidade dela é Women and African American Studies.
Apesar de todas as conquistas formais que aparecem nas decisões judiciais, nas leis e nas bandeiras das ativistas, um grande número de mulheres ainda cede a esses obstáculos invisíveis, como oposição dos maridos. Ou seja, apesar de todas as conquistas, minha amiga ainda representa uma minoria. Ela é o equivalente da corredora suiça no plano acadêmico: apesar da perda, do desgaste físico e emocional, era importante pra ela cruzar aquela linha de chegada. E ela simplesmente juntou todas as forças que ela tinha pra chegar lá.
Por tudo isso, fica aqui o meu muito obrigada a todas essas mulheres que, como diz a Emily Murphy (uma das "Famous Five"), não têm medo de serem chamadas de queimadoras de sutiãs, ou de qualquer outro nome, e estão prontas para sair pro mundo e lutar.
"We want women leaders today as never before. Leaders who are not afraid to be called names and who are willing to go out and fight. I think women can save civilization. Women are persons."
- Emily Murphy - 1931
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