domingo, 20 de dezembro de 2009

O que não fazer em Nova Iorque

Comentei com várias pessoas que estava vindo para Nova Iorque. A resposta, invariavalmente, era:

- Vai fazer compras?
- Não. Não vou fazer compras.

Quem me conhece sabe que eu não sei fazer compras. Eu não entendo muito o processo e tenho pouca paciência para ficar muito tempo dentro de lojas. Em geral, quando eu preciso comprar algo, eu saio de casa com um objetivo: preciso comprar uma blusa de gola alta marrom porque a blusa que eu tenho furou. Eu procuro a blusa em duas lojas, no máximo, e se o preço for razoável eu faço a compra, resolvo o problema, e volto pra casa. Enfim, eu não entendo muito essa coisa de sair para fazer compras e entendo muito menos essa idéia de vir para Nova Iorque fazer compras.

Portanto, estou em Nova Iorque mas não tinha planos de passar em uma única loja. Mas eu perdi minhas luvas. E está frio aqui. Fui obrigada, portanto, a sair para comprar luvas. E decidi ir na Macy's, que fica a duas quadras do meu hotel. E foi então que eu descobri que todo mundo que estava em Nova Iorque estava fazendo compras. A Macy's é uma loja de departamento com oito andares. A loja é gigantesca. E eu mal conseguia me mover lá dentro, de tanta gente.

Já que eu estava lá e precisa das luvas, decidi tentar entender um pouco melhor a lógica dessa experiência obscura que é fazer compras. Tudo começou com a tentativa de achar onde ficam as luvas. Andei feito uma barata tonta pela loja durante meia hora sem nem sequer chegar perto de algo que poderia parecer uma luva. Depois de meia hora, desisti e resolvi perguntar. Me mandaram para o quinto andar. Cheguei lá, rodei o andar inteiro, não vi sinal algum de luvas, e fui obrigada a perguntar de novo. Me mandaram para o primeiro andar. Andei mais um bocado, e achei as luvas.

A essa altura, estava um pouco irritada, mas me resignei a tentar entender esse processo e tirei minha lição número 1: peça informação, não espere que seja acurada, e aproveite as voltas inúteis que você vai ter que dar dentro da loja para alguma outra finalidade (imagino que qualquer outra pessoa já ia ter chegado na seção de luvas carregando duas blusinhas e um cachecol).

Na seção de luvas, um novo desafio: ao invés de achar três tipos de luvas para escolher, como eu esperava, encontrei uma seção de luvas que era divida em duas partes. Uma parte era luvas de lã e a outra era de luvas de couro. Cada uma delas deveria ter ao menos 100 pares diferentes de luvas para se escolher. Havia luvas de todos os tamanhos, tipos, estilos, forros, marcas, e preços. Além disso, havia uma quantidade insana de mulheres zigzagueando as estantes experimentando luvas, discutindo com a amiga qual luva ela gostava mais, e olhando discretamente para as roupas que as outras mulheres estavam usando. Eram só mulheres porque a seção de luvas para homens ficava em outra parte da loja...

Fiquei perdida. Eu tinha perdido uma luva preta de couro. Portanto, eu consegui reduzir minhas opções de 100 pares para provavelmente 50 (excluindo as de couro marrom), mas daí eu não sabia o que fazer. Comecei a seguir discretamente duas mulheres para ver como elas escolhiam as luvas. Elas experimentavam uma luva, daí falavam alguma coisa do tipo "essa marca não é boa" -- e vinha uma história de uma amiga que teve uma luva dessa e blá,blá,blá. Daí experimentavam outra e não gostavam do estilo, diziam "não cai bem", a amiga discordava, e elas discutiam por cinco minutos o "caimento" da luva. Daí paravam 10 minutos para fazer fofoca sobre alguém que eu desconhecia. Voltavam a experimentar. Achavam uma linda, mas era muito cara. Levavam o par na mão, pra pensar sobre o assunto, enquanto experimentavam outras. E elas conseguiram ficar nesse processo durante uns 40 minutos, até que uma virou para a outra e falou olha que cinto lindo, apontando para a seção do lado. As duas sairam dali sem nenhuma luva e sem me dar qualquer informação útil para fazer minha escolha (exceto a coisa da marca ruim, assumindo que a história é acurada...).

A essa altura, minha paciência tinha acabado. O que era uma experiência antropológica já estava virando um pesadelo. Para me acalmar, decidi tirar minha lição número 2: compras é algo que se faz acompanhado, para tornar o processo menos entediante, e para ter alguém para consultar, ainda que -- de novo -- as informações sejam absolutamente inacuradas.

Decidi então por um fim aquela sofrimento, comprar uma luva qualquer, que não era muito cara, mas também não era muito vagabunda e parecia bastante apresentável. Fui para o caixa na esperança de sair da loja o mais rápido possível. Mas quando cheguei lá, descobri que sair dali tão cedo era uma doce ilusão. As filas eram gigantescas. E ninguém parecia ter pressa, já que eles colocam uma série de produtos ao longo da fila, para as pessoas considerarem mais algumas aquisições enquanto aguardam. Daí eu descobri que eu era a única pessoa na fila com um único item. Todas as pessoas na minha frente e atrás de mim eram mulheres (provavelmente porque eu estava na seção feminina da loja) e estavam levando várias peças. E elas interagiam entre si, trocando informações sobre o que tinham comprado, as promoções que tinham achado, etc. E tudo isso acontecia entre estranhos. Algumas tentaram interagir comigo, mas como vocês podem imaginar, eu não tinha grandes dicas para dar, e não estava muito interessada em saber da grande promoção de casacos no sétimo andar, ou das botas maravilhosas no quarto andar. As conversas foram, portanto, curtas.

Depois de meia hora na fila, tentar sair da loja foi como tentar sair do metrô na estação da Sé. Tive que me esgueirar por entre milhares de pessoas, pedindo licença, e dando uns empurrãozinhos de vez em quando. A porta de saída era uma via de mão única, com pessoas entrando sem parar. Tive que me jogar contra a corrente e lutar pelo meu direito de sair daquele inferno (nesse momento eu juro que eu já estava tendo um ataque de claustrofobia). Qaundo eu finalmente consegui sair, respirar aquele ar congelante e sentir aquela temperatura de menos cinco graus batendo no meu rosto foi a melhor sensação do dia.

Tirei aqui minha lição número 3: o processo de fazer compras não acaba quando você decide. Ele acaba quando você consegue sair da loja. Enquanto você estiver dentro do estabelecimento, pode ter certeza que eles vão usar alguma estratégia para fazer você continuar "fazendo compras" e, ainda que a loja não se encarregue, os estranhos ao seu redor darão conta do recado.

Andei alguns quarteirões para desanuviar e tentar entender porque eu não consigo apreciar essa coisa chamada "fazer compras". Cheguei a algumas conclusões. Primeiro, as informações não estão catalogadas e organizadas em algum lugar, para que você possa tomar uma decisão informada. Desde achar as luvas até escolher uma é um processo que exige que você peça informações que estão dispersas e disagregadas no universo. Ou seja, eu ia adorar se tivessem um mapa da loja indicando onde ficam as luvas. Além disso, eu ia adorar um manual na seção de luvas explicando nível de proteção (até qual temperatura cada luva aguenta), qualidade do couro, como as luvas mais longas se diferem das mais curtas, etc. E ficar perguntando para outras pessoas, que provavelmente vão te dar informações erradas, não é a melhor forma de procurar essas informações.

Além disso, ficar provando luvas só é divertido se você consegue ter um processo não linear de pensamento. Ou seja, você experimenta a luva, lembra de uma história, comenta com sua amiga, experimenta outra luva, pensa que ela combina com a maioria das suas roupas, daí você vê um cinto e se distrai um pouco na seção de cintos para depois voltar na seção de luvas. Acho que isso explica porque as pessoas gostam de sair acompanhadas para fazer compras. Quem tem um processo linear entra na loja com um objetivo, e quer definir os critérios para tomar decisão. Ficar indo e voltando, experimentando, conversando sobre outros assuntos, e ao mesmo tempo ficar de olhos em outras potenciais aquisições (com o agravante de que não se tem qualquer informação sobre os produtos) é um processo muito ineficiente para quem pensa de maneira linear. E, se o processo demorar mais de meia hora, passa de ineficiente para irritante.

Enfim, ainda preciso aprender a pensar de maneira não linear antes de voltar a Nova Iorque para fazer compras...



Um comentário:

Anônimo disse...

Not sure what this is an indication of, but once I read "looking for gloves, sent to 5th floor" I was screaming in my head, "nooooooo! it's the first floor!"

Here you go.

Your experience sounds horrifying. I was chocking with panic once I reached the end of the post. Yes, shopping must be approached strategically esp in big stores with lots of options and people.

N