Dado esse histórico, teria sido uma surpresa para qualquer um me encontrar correndo hoje de manhã com o pessoal do meu clube de corrida. Quando saí de casa as oito da manhã a temperatura dos termômetros era de menos dezesseis graus. Porém, o vento estava tão forte que a sensação térmica era de menos vinte sete graus. Sim, eu corri durante mais ou menos uma hora ao ar livre nessa temperatura. Acreditem se quiser...
É obvio que correr no frio não é algo que você começa num dia como hoje. É um processo progressivo de adaptação. No meu caso, eu não parei de correr na rua desde que a temperatura começou a esfriar e fui, portanto, me ajustando progressivamente à temperatura. Mas mais importante do que isso, foi uma lição que aprendi com minhas colegas do clube de corrida:
- Não existe mau tempo, o que existe é equipamento ruim.
Traduzindo: os canadenses passaram as últimas décadas desenvolvendo as mais sofisticadas tecnologias para sobreviver a essas temperaturas indecentes. E uma parte desse pessoal dedica sua vida a desenvolver tecnologias para corredores. Isso significa que, se você comprar o equipamento adequado, você não vai passar frio. E o equipamento, conforme eu vim a descobrir, tem toda uma complexa ciência por trás. Por exemplo, a roupa que está em contato direto com seu corpo tem uma função muito importante: retirar todo seu suor da sua pele e levar ele para bem longe. Se você usa uma blusa qualquer, o suor congela, e em contato com a sua pele não só vai fazer você passar frio como também pode causar uma queimadura. Em cima disso, vem uma roupa que deve deixar o ar circular, para que você não comece a produzir calor enquanto você tá correndo e sofra de superaquecimento, tenha desidratação, e corra o risco de sofrer um colapso no meio da corrida. Ou seja, tão importante quando ficar quente é manter o corpo frio. Se você colocar uma blusa de lã e gola rolê provavelmente você vai ter problemas com calor, não com o frio da corrida.... Por fim, por cima de tudo, vem a camada quebradora de vento (windbreaker). Essa roupa é a que garante que a ventania que abaixa a temperatura em dez graus não vai atingir diretamente seu corpo (e consequentemente te esfriar drastricamente).
Ou seja, em nome da ciência, hoje eu sai de casa com isso:

Vale notar que a blusa em contato direto com meu corpo é a mesma que os astronautas usam quando fazem viagens espaciais. Ou seja, não tiver problema nenhum na corrida. E notem que há duas calças porque tem também uma calça quebra vento (assim como o casaco azul claro).
Mas vocês devem estar se perguntando o que fazer com o rosto. É. Essa é uma área complicada. As meninas do clube de corrida me ensinaram a passar vaselina no rosto, para a pele não queimar em contato com o ar. Além disso, eu corro com um gorro na cabeça, cobrindo as orelhas, e com um cachecol de corrida (que é esse negócio verde na foto, entre meu gorro e minhas luvas). Até onde eu sei, a vaselina funciona, pois meu rosto chegou são e salvo ao final da corrida.
O problema maior, que eu descobri hoje, são os fluídos. Por alguma razão que eu desconheço, seu nariz escorre de uma maneira pornográfica quando está frio, e seus olhos lacrimejam como se alguém tivesse morrido. Não há como controlar isso. Acontece. E acontece durante toda a corrida. O pessoal da tecnologia, ao invés de inventar algum tipo de substância que evite o processo, deu uma outra solução para o problema: colocaram lenços portáteis nas luvas:

Como vocês podem ver, o dedão tem um tecido poroso que absorve líquidos com facilidade. Portanto, quando você está imersa em fluídos, você esfrega a luva na cara... Sim, eu sei que a tecnologia deixou a desejar nesse ponto... Acho que a única coisa que eu posso fazer é recomendar que vocês nunca apertam a mão de um corredor com luvas quando estiverem visitando o Canadá.
Para quem estáse perguntando porque a luva da direita tem apenas três dedos, a resposta: tecnologia para lidar com o inverno. Essas são as chamadas luvas-lagosta (lobster gloves), porque eu pareço de fato uma lagosta quando estou usando elas. E eu me sinto uma lagosta, porque eu não consigo segurar quase nada com isso. Mas há uma razão para todo esse sofrimento: como os dedos são quentes, eles se esquentam mais se ficam juntos. Se você separa os dedos como na luva da esquerda, cada dedo tem que se esquentar por si próprio e o trabalho fica mais difícil. Portanto, as luvas-lagosta deixam cada dedo com um irmãozinho para eles ficarem quentes.
Vale notar que eu saí com ambas as luvas hoje, a luva-lagosta por cima da luva normal, e ainda assim que não estava sentindo a ponta dos meus dedos no final da corrida. Porém, isso ocorre porque além de estar frio minha circulação periférica é péssima, e o pessoal da tecnologia de corrida não consegue resolver todos os problemas do mundo, aparentemente....
Mas voltando aos fluídos: eu estava dizendo que quando você corre no frio seu rosto expele fluídos descontroladamente. Hoje, todavia, estava tão frio que os fluidos congelavam antes de você conseguir limpar. Eu notei isso quando olhei para uma das meninas e tinha uma lágrima congelada cobrindo a bochecha inteira dela. Daí eu olhei para outra, e os cílios dela estavam todos brancos. E no final da corrida foi a minha vez: me disseram que todo meu suor tinha saído pelo meu gorro e congelado, de maneira que meu gorro estava coberto com uma camada branca de gelo. E a mesma coisa com meu rosto. Segundo elas, eu parecia o papai noel adolescente, quando a barba ainda estava nascendo...
Confesso que no final da corrida a última coisa com a qual eu estava preocupada era minha aparência. O café quentinho que tava me esperando na lanchonete onde nos encontrarmos no final parecia infinitamente mais importante. Mas, da próxima vez, vou com meu gorro de sequestradora, para garantir que eu pareço uma marginal perigosa e não o bom velhinho! Afinal, aparência não é quase nada para quem está tentando se proteger do inverno canadense, já que o quesito elegância desaparece por completo da sua lista de prioridades, mas não custa nada cuidar desses detalhes importantes que podem afetar minha imagem pública...
3 comentários:
Well done, Prado. Excellent summary of the trials and tribulations of running in a Canadian winter. By the way, we ran 7.13km (4.46 miles) today. Long enough for your water bottles to freeze shut!
I particularly liked that you noted the good old Canadian adage about running and the weather: "Não existe mau tempo, o que existe é equipamento ruim." Precisely! Really, the only thing left to say is, "Baby, it's cold outside!" Then again, that may be implied by the reference to the -27C wind chill. Or by the City of Toronto's Extreme Cold Weather Alert. Or by the polar bears and penguins I saw wandering around on Yonge Street after the run.
There is one last Canadian winter running experience that you have not yet had: running on the ice and snow. We haven't had a major storm before a run yet, so you haven't had to contend with ice and snow on our routes. But fear not. I have confidence in Canadian weather and I am sure you will not miss out on the experience of skidding down sidewalks. But don't worry. We have technology and equipment for dealing with snow and ice on sidewalks: strap on a pair of Yaktrax (http://www.yaktrax.ca/en/index.htm) and you will be just fine.
Don't worry about how wearing a pair of Yaktrax will affect your image. First, we all wear them. Second, when you are wearing all those layers, a balaclava, and running mitts with frozen snot on them, there is not much more damage that little rubber and metal coil traction devices attached to your shoes can do to your reputation. Besides, once you strap on a pair of YakTrax, you will officially have completed the metamorphsis into a Canadian runner. It's like a butterfly coming out of its cocoon, except the butterfly in this case will be wearing multiple layers of moisture-wicking, insulating and wind-breaking clothing, a balaclava, a toque, gloves, lobster-gloves (with frozen snot on the thumbs), and, of course, Yaktrax. Nice.
See you on the roads!
Cheerio
tm
... e eu, aqui, procurando uma roupa adequada para os 40 graus da sala de ginástica de nosso condomínio!
These gloves with the handkerchief: I have a pair of fashion (not sports) gloves which are made of similar material all over. I don't think they are meant as a hand-fitting handkerchief, but in many emergency situations I used them as one anyway (and put them in wash, of course).
n
Postar um comentário