quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Estamos só afundando num poço de problemas?

Voltar para o Brasil é como voltar para uma zona de guerra. O noticiário da hora do almoço começa repleto de notícias sobre mortes e perdas materiais causadas pelo temporal em São Paulo na quarta-feira. Quando termina essa notícia, entra o comercial. Respiro fundo, me perguntando como o governo deixou a cidade chegar nessa situação calamitosa. Enquanto isso, espero por algo mais esperançoso no quadro seguinte. Daí vem a notícia de uma turista alemã de 22 anos assassinada a quatro tiros depois de um sequestro no Recife. Entrevista com o delegado: estão investigando o marido. Penso comigo: sério? Em uma das cidades com um dos mais altos índices de homicídios per capita do mundo a polícia começa a investigação pelo marido? Seria engraçado, se não fosse trágico.

Tópico seguinte? Carnaval. Algo mais ameno, penso. Doce ilusão. O apresentador divulga o saldo de mortes nas estradas durante o feriado: entre 0h de sexta-feira e meia-noite da quarta-feira ocorreram 3.233 acidentes com 143 mortes e 1.912 feridos. Isso inclui um motoqueiro que eu vi na pista contrária da rodovia imigrantes, na vinda pra Santos na quarta-feira de manhã. E como se não bastasse o número assustador, o apresentador acrescenta o mais recente acidente (que não entrou na estatística do carnaval porque aconteceu hoje): um acidente com ônibus em Niterói matou todos os ocupantes, incluindo uma criança de 10 anos. O ônibus bateu em um poste e explodiu. O único sobrevivente conseguiu escapar pela janela.

A essa altura, já desisti de respirar fundo e estou me perguntando como que as pessoas conseguem viver nessa realidade sem se perguntar como deixamos a coisa chegar nesse ponto. Me dá a impressão de um país anestesiado. Para alguém que vem de fora, tudo isso choca. Para quem vive aqui e vê isso todos os dias, já faz parte da realidade. Deixou de chocar. Deixou de incomodar. Deixou de ser aberração e passou a ser parte do cotidiano. Que fazer? No final do noticiário toma-se outro café, acompanhado de um bom quitute. Afinal, há coisas boas no país: come-se e bebe-se aqui como no paraíso.

Mas eu pergunto se a culinária é a única coisa que nos resta. Será? Não há sequer uma única coisa que possa reavivar minha (pequena) esperança de que dias melhores virão? Saí em busca de algo que pudesse me reanimar. Encontrei? Não sei. Tudo depende da interpretação. Apresento minha lista, mas vou deixar que meu leitor avalie por si mesmo.

Meu conselho: se você não for brasileiro e/ou não estiver anestesiado, antes de ler, respire fundo (ou tome uma dose de uisque).

1) O governador (afastado) do Distrito Federal e mais cinco pessoas estão presas por se envolverem em um esquema de corrupção. Isso significa que tem pelo menos um jornalista que acha mais importante limpar o governo que ganhar uma bolada pra mentir, e temos cortes superiores que não se dobraram diante da politicagem clientelista e corrupta que domina alguns entes da federação (pelo menos até o presente momento...).

2) Estão oferecendo proteção do governo para um dos criminosos envolvidos no assassinato do João Helio. O assassino era menor na época do crime, e foi colocado em uma instituição para jovens e crianças (ao invés de ir para a cadeia). Teve que ficar numa ala separada, devido às ameaças de morte. Agora ele completou 18 anos e, com sua saída, o estado teme que ele seja morto. Portanto, o governo vai garantir proteção à sua vida. Isso significa que ainda temos Estado de Direito, e ainda que algumas pessoas se comportem como se o Brasil fosse o velho oeste, o Estado (com a ajuda de uma ONG) está tentando mostrar que isso aqui não é terra de ninguém. Até que se promulgue leis dizendo que vigora o "olho por olho, dente por dente" ou que temos pena de morte no país, essas condutas precisam e devem ser coibidas.

3) Há um programa para incentivar leitura na prisão. O programa começou com um projeto piloto de uma ONG em um presídio feminino e fez tanto sucesso que agora é financiado pelo governo e foi copiado em várias outros presídios do Estado. (O texto, infelizmente, só está acessível para assinantes da Folha, mas tem informações sobre o programa na internet). Acho que isso mostra que a sociedade civil está mais preocupada com a idéia de que presídios devem promover a recuperação e reabilitação dos indivíduos para integrá-los na sociedade, e o Estado está subscrevendo a isso, oficialmente reconhecendo as iniciativas bem sucedidas.

Enfim, estamos aos poucos chegando mais perto do que se chama o Estado de Direito. São passos de formiga, mas acho que todas essas três notícias são razões para mantermos a esperança. Meu leitor poderia argumentar, todavia, que nosso sistema político não está evoluindo tanto quanto nosso sistema legal. As políticas públicas (promovidas pelo poder executivo) para prevenir acidentes nas estradas, inundações catastróficas, escândalos de corrupção inacreditáveis, e um nível de violência urbana acima de qualquer limite aceitável não existem (ou se existem, é como se não existissem). Para chegar a essa conclusão, basta ver o noticiário.

Minha resposta? Acho que mesmo na área de políticas públicas há motivos para esperança. E aqui também eu encontrei um item para a lista. Depois de eu tanto reclamar sobre as pessoas fazendo xixi nas ruas do Rio, e depois de outros reclamarem junto comigo, o governo do Rio decidiu fazer alguma coisa: começou a prender quem estivesse fazendo xix na rua e ao mesmo tempo ofereceu condições para que os mijões cumprissem com a lei. Mijódromos holandeses para homens foram instalados em toda a cidade.

Ou seja, ainda há razões para se ter esperança. Não muita, mas há. E para manter sua esperança, ajuda bastante não ler o jornal ou assistir o noticiário...


Um comentário:

Maria Regina disse...

Oi Mariana:
Discordo do ítem dois.
A proteção a esse sujeito que fez o que fez em liberdade e ainda cometeu delito dentro do Abrigo onde cumpria reclusão pode ser legal , mas é uma afronta ao cidadão comum que trabalha, paga impostos e que, muitas vezes necessita de segurança , não tem.
Explico: Em janeiro , uma mulher foi assassinada pelo ex-marido, depois de ter prestado queixa e feito BO na delegacia mais de 5 vezes. Alguém ofereceu proteção?

Beijos
Mãe