sexta-feira, 23 de abril de 2010

Diários de uma diabética - Parte 1

Há um ano fui diagnosticada como diabética. A surpresa não foi tanto descobrir que eu tinha a doença - eu tinha predisposição desde os treze anos de idade - mas sim descobrir quão pouco eu sabia sobre a doença. Cresci com um pai diabético. Por causa disso, achei que eu tinha bastante familiaridade com a dieta a seguir e como controlar meus níveis de açúcar. E como eu tinha predisposição, sempre fui alertada sobre os sintomas de doença por médicos, pais e todo tipo de pessoa que resolvia desempenhar o papel de educador de vez em quando. Apesar de tudo isso, tanto a doença quanto todas as descobertas que se seguiram foram grandes surpresas.

Decidi ir ao médico porque minha cabeça tinha parado de funcionar. Minha memória foi indo aos poucos para o brejo até o ponto em que, ao chegar em casa à noite, eu não fazia a menor idéia do que tinha acontecido no meu dia. Era um grande esforço lembrar, e ainda assim o registro era cheio de buracos. Minha concentração se esvaiu aos poucos também. Ler foi ficando cada vez mais difícil e exigia cada vez mais tempo.

O ápice desse processo de perda de mémória e concentração foi um dia em que cheguei no escritório de manhã, abri minha caixa de emails e comecei a responder um email urgente. Dai eu me distrai com alguma outra coisa -- não sei se o telefone tocou ou se alguém entrou na minha sala -- e eu fui ler um livro. Uma hora e meia depois, eu volto para o computador e encontro a mensagem de email aberta, escrita até a metade, e abandonada à sua própria sorte. E eu não me assustei porque achei que tinha terminado. Eu me assustei porque a mensagem simplismente tinha se esvaído da minha cabeça e durante aquela uma hora e meia foi como se ela não existisse. Foi nesse dia que eu decidi ir ao médico.

Cheguei no médico com um sintoma e um pedido: meu cérebro parou de funcionar, e eu preciso dele de volta. Como eu tinha passado recentemente por um divórcio, achei que estava com depressão e sugeri que talvez essa fosse a fonte do problema. Ele perguntou se eu estava bebendo muita água, se tinha perdido peso, e se tinha notado alguma outra alteração. Sim, eu tinha. Eu estava tendo câimbras quando corria. E de fato eu estava bebendo mais água e tinha perdido um pouco de peso. Mas nada que tivesse chamado minha atenção. O diagnóstico veio no mesmo dia, com um exame de sangue.

Foi aqui que eu descobri que meu cérebro funciona a base de açúcar. Como meu corpo não estava conseguindo absorver o açúcar, tinha parado de funcionar. A mesma coisa com meu corpo. Apesar de eu comer a mesma quantidade de comida, meu corpo não estava absorvendo o açucar, o que explicava a perda de peso. E as câimbras vinham do fato de que meus músculos também estavam sem energia.

Porque eu não notei os outros sintomas e só me toquei quando meu cérebro parou de funcionar? Acho que a principal razão é que eu presto mais atenção no meu cérebro do que no resto do meu corpo (eu certamente uso mais ele). Além disso, a perda de peso e a quantidade de água que eu estava bebendo não eram grandes o suficiente para levantar suspeitas. Sempre achei que eu iria beber uma quantidade absurda de água quando estivesse com a doença. Minha médica ainda perguntou se eu não estava fazendo muito xixi. Falei que estava, mas pensei que era mais uma coisa de família. Como a mulherada da minha família sempre corre para o banheiro na primeira oportunidade, achei que eu só estava chegando na idade de fazer parte de troupe....

As pessoas me perguntam porque eu desenvolvi a doença. Acho que não dá para ignorar o fato de que eu tenho predisposição genética. Ou seja, outra pessoa, com uma vida idêntica à minha, mas sem meus genes, provavelmente não teria ficado diabética. Mas uma série de fatores contribuiram para que a doença se manifestasse mais cedo no meu caso. O primeiro é estresse. Minha endocrinologista me explicou que nosso corpo não evoluiu muito nessa área, e nossos hormônios ainda respondem a estímulos estressantes da mesma forma como respondiam os hormônios dos homens das cavernas. Portanto, quando eu tenho um prazo para mandar um paper para uma conferência, meu corpo interpreta aquilo como "tem um urso te ameaçando e você precisa correr para salvar sua vida". Resultado? Meu corpo joga um montão de açucar no meu sangue. E eu não uso o açúcar porque não estou correndo do urso. Ao contrário, estou sentada na frente de um computador usando, basicamente, meus dedos e meu cérebro. E por mais que eu pense, elocubre e imagine coisas nesse processo, meu cérebro não consegue consumir toda aquela quantidade de açucar (papers são assustadores às vezes, mas nada que se compare a um urso...). Quando esse processo se repete muitas vezes, o corpo acaba ficando resistente ao açucar e deixa de absorver ele. E, acreditem, foram muitos papers e prazos nos últimos anos...

E o estresse não veio só do trabalho. Recentemente saiu uma pesquisa questionando essa idéai de que casar faz bem pra saúde. Vários estudos mostram que pessoas casadas vivem mais, têm menos doenças, etc. Essa pesquisa mostrou, entrentanto, que pessoas divorciadas têm mais problemas de saúde que pessoas solteiras. Ou seja, não é qualquer casamento que faz bem, meu bem.

Mas o estresse sozinho não fez todo o serviço. Descobri que eu tenho um outro problema, chamado Síndrome do Ovário Policístico (PCOS) que deixa todos meus hormônios absolutamente fora de controle. Essa síndrome aumenta o risco de diabetes. Como a danada encaracolou meu cabelo no ano passado, eu não duvido nada que ela tenha também dado sua contribuição para a doença.

Por fim, maus hábitos alimentares. Eu confesso: eu comia muito doce, tinha refeições fora do horário, e tinha uma dieta com muito pouca coisa para me orgulhar. Tem uma hora que seu corpo diz:

- Chega. Não aguento mais fazer todo o serviço aqui. Você vai ter que fazer uma parte do serviço agora.

Foi quase como se eu fosse casada com alguém e passasse o dia inteiro na frente da TV tomando cerveja. Um dia a pessoa entrou em greve e deixou a casa ficar em um estado de completa e total anarquia, além de me deixar sem comida. Só me restou levantar, começar a arrumar a casa, fazer as compras e cozinhar. E foi isso que eu fiz.

Um comentário:

Marcelo disse...

O diabetes (tipo 2) é realmente uma síndrome de resistência aos efeitos da insulina ditos "centrais" (leia-se, no fígado), e "periféricos" (nos tecidos gorduroso e muscular), em que, após algum tempo, há falência relativa na produção do próprio hormônio (pelo pâncreas).
A causa é comida demais e ruim, e exercício de menos, somente assim a predisposição genética se atualiza. Aos cerca de 20% que definitivamente não estão gordos, e que portanto não se encaixam
na teoria, oferecemos uma segunda "doença" ad hoc, alguma forma genética de lipodistrofia, que os impede de engordar, mas isso ainda não é conhecimento firme. Acho que você, correndo e comendo direitinho como está, vai tirar de letra esse problema.