sábado, 18 de setembro de 2010

O sapo e o desenvolvimento: conversas com uma socialista

Já perdi a conta de quantas vezes eu saí da depilação pensando em posts excelentes para o blog. A minha depiladora era uma economista na antiga União Soviética e estava morando na Bósnia quando a guerra eclodiu. Foi aí que ela veio para o Canadá. Assim que a conheci, perguntei porque ela não tinha virado uma economista por aqui. A resposta dela foi: porque eu só entendo do regime socialista, não fui educada pra entender o capitalismo. E assim tivemos nossa primeira conversa interessante: ela me explicando o sistema socialista, do ponto de vista de uma economista. 

Essa primeira conversa foi seguida de muitas outras, sobre a economia e o regime político de Cuba (para onde ela frequentemente viaja de férias), sobre conflitos étnicos (e a perspectiva dela sobre as causas da guerra na Bósnia), sobre o mercado imobiliário em Toronto (e todas as dicas de uma economista socialista que foi bem sucedida em adquirir um imóvel aqui), e sobre os prós e contras de ser um imigrante no Canadá. Todas mereciam um post, mas a última conversa que eu tive com ela foi particularmente interessante. 

Estávamos conversando sobre cultura, e eu estava perguntando pra ela se ela não achava que os países desenvolvidos eram mais ricos porque eles tinham uma cultura que valorizava o cumprimento das regras, a pontualidade, o profissionalismo, etc. E a resposta dela foi: eu não sei. Às vezes eu tenho a impressão que as coisas aqui são tão certas e previsíveis porque a cultura deles não lida muito bem com crises, com o inesperado. Por exemplo, quando alguém compra um imóvel aqui, os riscos que a pessoa considera são o banco central aumentar o juros em 1%, o mercado imobiliário ter alguma crise e os preços caírem um pouco, etc. Esse pessoal não conseguiria comprar imóveis se os riscos que eles tivessem enfrentando fossem, por exemplo, ter que abandonar a casa e fugir para outro país porque eclodiu um conflito étnico, ou porque um ditator resolveu confiscar sua propriedade da noite para o dia. Portanto, disse ela, às vezes eu acho que é uma cultura que, na verdade, têm muitas limitações. 

E daí ela deu um exemplo que, segundo ela, ilustra muito bem a diferença das culturas. É o história dos sapos e do leite. Dois sapos estavam brincando perto de uma tigela de leite e caíram lá dentro. O leite era muito escorregadio e eles não conseguiam sair. Um dos sapos se desesperou: - Vamos morrer! Vamos nos afogar! Não vamos conseguir sair daqui!

O outro sapo, muito calmo, respondeu: - Calma. Continue nadando. A gente vai dar um jeito. 
- Que jeito? Perguntava o outro, desesperado. - Não há como sair daqui! De tanto gastar sua energia berrando e se desesperando, o sapo ficou sem forças para nadar e acabou morrendo afogado. O outro, ainda que não conseguisse vislumbrar uma solução para o problema, continuou nadando. Lá pelas tantas, o leite virou manteiga, ficou menos escorregadio e ele conseguiu sair. 

A história me lembrou desse trecho, do filme Finding Nemo:


 





Enfim, o ponto dela é que a desorganização, a falta de planejamento, e a desordem talvez não ajude os países subdesenvolvidos a ficarem mais ricos, mas também é o que evita que eles caiam no buraco nos momentos de crise. Quando a gente parece não ter forma de sair da tigela de leite, é a resistência e perseverança e nossa capacidade de continuar nadando, ainda que não pareça haver uma saída, que nos salva. Basta olhar para os países em desenvolvimento pra ver. A fome na África, os conflitos étnicos ao redor do mundo e as peripécias dos líderes políticos na América Latina (que confiscam poupanças do dia pra noite) estão todos aí para provar nossa capacidade de "continuar nadando". 

Acho que concordo com ela que nem tudo é negativo nessa cultura. Na verdade, acho que essa falta de planejamento também é o que produz comida e música boa, pois essas são coisas que você precisa experimentar, dar uma chance para o acaso e não desistir quando tudo não deu certo e parece que a coisa não tem mais solução. Mas ainda fico me perguntando se não podemos achar um meio termo. Daí, ao contrário do que diz o ditado, "we can have our cake [or our delicious food], and we can eat it too [specially the poor of the poor]".   

3 comentários:

Doce Bárbara disse...

Mariana,

Eu também acho que os países desenvolvidos perdem em um quesito: eles ntrem fé cega na lenda de que é possível algo ou alguém dar certo. Isso é irritante por duas razões ( ao menos):
1. eles sempre acham que a vida ( o projeto, o país...) deu certo e isso implica necessariamente que exista um estado contraposto, o "deu errado" , que é também necessariamente altero : você é que deu errado.
2. Se existe o dar certo e, por incrível que soe, eles realmente acreditam que exista alguma possibilidade de algo ou alguém dar certo univocamente, quando não dá- what a surprise!- são pegos de calças curtas e pedem pra sair ou apelam.

E eu não vejo qual é a graça na brincadeira de alternar entre a posição de a fracassada-é-você ou a de ser deixada falando sozinha ou ainda, relegada à argumentos apelativos, se eu sei de antemão que não existe ninguém que deu, dá ou dará mais certo do que eu. então, pra mim, é melhor não brincar com este pessoal. Gosto mais de quem descobre mais cedo a verdade universal: whatever, whoever, wherever: you'll fail.

Beijos

Doce Bárbara disse...

Mariana,

Eu também acho que os países desenvolvidos perdem em um quesito: eles ntrem fé cega na lenda de que é possível algo ou alguém dar certo. Isso é irritante por duas razões ( ao menos):
1. eles sempre acham que a vida ( o projeto, o país...) deu certo e isso implica necessariamente que exista um estado contraposto, o "deu errado" , que é também necessariamente altero : você é que deu errado.
2. Se existe o dar certo e, por incrível que soe, eles realmente acreditam que exista alguma possibilidade de algo ou alguém dar certo univocamente, quando não dá- what a surprise!- são pegos de calças curtas e pedem pra sair ou apelam.

E eu não vejo qual é a graça na brincadeira de alternar entre a posição de a fracassada-é-você ou a de ser deixada falando sozinha ou ainda, relegada à argumentos apelativos, se eu sei de antemão que não existe ninguém que deu, dá ou dará mais certo do que eu. então, pra mim, é melhor não brincar com este pessoal. Gosto mais de quem descobre mais cedo a verdade universal: whatever, whoever, wherever: you'll fail.

Beijos

Theresa miedema disse...

I'm not sure that I fully grasped the entirely of the post. (Google Translate has its limitations and my Portuguese is somewhat limited, of course.) Still, I think that it is important to note that Canada in many ways juxtaposes certainty (peace, order and good government) with uncertainty imposed upon us by nature. It is difficult to appreciate this uncertainty in a modern, urban centre like Toronto. However, any farmer in this country can tell you about what is like to be at the mercy of something you cannot control. It is not as dramatic as having the state confiscate all your property or experiencing ethnic conflict. Nevertheless, having your entire crop destroyed in a violent 15 minute hailstorm still is devastating. I've seen what such a storm can do to animals, fields, and property and it is amazingly destructive.

Fishermen, I think, are equally exposed to the uncertainties of nature. Their livelihood depends on finding the fish and not being killed by storms in the process.

The Canadian arts are full of exploration of how our geography and nature impact us -- and the theme is often resignation, mixed in with survival. Just read the entire "Prairie dust bowl" genre of CanLit (truly a depressing part of our cultural inheritance!). A lot of the Confederation poets wrestle with survival and nature, too.

Meanwhile, back here in modern Toronto, we worry about being on time, interest rates, and "to do" lists. I'm not sure which is more unsettling: that feeling you get before the hail storm hits, when the birds have stopped singing, the air is heavy, and you can see the black clouds rolling -- literally rolling -- across a huge Prairie sky .... or constantly looking at your watch because you have so much to do and so little time in which to do it. I guess either are preferable to living under the constant threat of death and disease.