Eu cresci ouvindo as lindas histórias de migração dos pássaros que moravam no hemisfério norte, quanto o inverno se aproximava. Tive, inclusive, minha própria experiência migratória: há duas semanas, consegui viajar para um workshop na Flórida, onde a temperatura de 25 graus positivos foi um grande alívio para os 15 graus negativos que eu deixara para trás. E o fato de que havia golfinhos nadando na baía que banhava o resort me fez esquecer de quão ruim é a comida naquele lugar.... Enfim, seja pela lógica, seja por experiência própria, é difícil pensar em alguma razão para não migrar para terras com temperaturas mais amenas durante o inverno.
Quando me mudei para o Canadá, descobri que não eram apenas os pássaros que migravam durante o inverno. Os aposentados seguiam na mesma direção, passando de quatro a seis meses do ano ao sul da fronteira com os Estados Unidos. Muitos vão para o México, onde os dólares da aposentadoria canadense combinada com a desigualdade de renda, permite a eles viver uma vida para lá de confortável. Ao fim do inverno, voltam para suas raízes, descansados, bronzeados e prontos para enfrentar a curta primavera e o longo verão canadense. Não os culpo. Na verdade, meu plano é fazer exatamente o mesmo quando me aposentar. Exceto que meu destino será a cidade maravilhosa, ao invés do México.
Mudei esse ano para Cambridge, e estou morando em uma casa, cercada de pássaros que me acordam cantando todas as manhãs. Sempre usufrui da melodia assumindo que a mesma iria acabar assim que chegasse o inverno. Mas me enganei. Quando o inverno chegou, para minha surpresa, os pássaros insistiram em ficar. Acordo todas as manhãs ouvindo o alvoroço deles no quintal da vizinha (que parece prover algum tipo de alimentação diária para os que decidiram ficar na cidade), independente de quão baixa esteja a temperatura. Todos os dias ainda acho estranho encontrar aqueles pássaros todos por ali -- pombas, pardais e mais uma séries de outras espécies. Passo várias manhãs tentando entender como eles sobrevivem durante o inverno e porque diabos eles não migraram. Mas quem sou eu para questionar a sabedoria da mãe natureza, ou as evidências científicas do aquecimento global? Se estão ali, devem saber o que estão fazendo, pensava eu.
Hoje de manhã, todavia, eles pareciam particularmente agitados. Pareciam pressentir que havia algo de errado. E estavam certos. Uma tempestade de neve gigantesca, que promete entrar para a história como uma das maiores já vistas na Nova Inglaterra, se aproximava da cidade. Enquanto eu observava o alvoroço particularmente alvoroçado hoje de manhã, eu pensava na diferença entre eu e eles. Desde terça-feira, estou recebendo emails da administração da universidade alertando sobre a tempestade que chegaria na sexta-feira. Na quarta-feira, todas os eventos e aulas de sexta-feira foram cancelados. Recebemos um email aconselhado-nos a trabalhar em casa. Mas o alerta veio mesmo na quinta-feira. Harvard, que é famosa por não cancelar aulas e manter a universidade aberta no matter what, declarou que as aulas e atividades na tarde de sexta-feira (mas não na manhã, vale notar) estavam canceladas. E quando Harvard cancela alguma coisa, é porque o bicho vai pegar!
Enquanto eu estava sendo alertada desde terça-feira sobre tudo isso, os pássaros estavam lá, acordando em plena sexta-feira para descobrir que era tarde demais para tentar migrar para qualquer lugar com um clima minimamente mais decente. Enquanto eu tive alguns dias para enfrentar as longas filas no supermercado, comprando tudo que pudesse me manter viva durante alguns dias (no caso de falta de água e/ou luz, ou diante da impossibilidade de sair de casa ou de encontrar algum estabelecimento comercial aberto), os pássaros estavam lá, fazendo o que talvez fosse a última refeição da vida deles. Em contraste com as manhãs em que eu tomei meu café refletindo sobre a resistência desses animais ao inverno, hoje eu segurava minha xícara, olhando pela janela, desolada com o triste destino que a vida iria dar a todos aqueles que tinham tomado a decisão equivocada de não migrar nesse inverno.
Saí para correr as 8am, antes da neve começar a cair, mas quando a ventania já estava marcando sua presença. Não foi a corrida mais agradável do mundo (o vento deixa a temperatura ainda mais fria), mas eu precisava passar um tempo fora de casa. Não faz muito tempo, o furacão Sandy atingiu Boston e nos deixou todos presos dentro de casa durante um dia inteiro. E eu lembro que naquele dia eu entendi o conceito de cabin fever. Ficar muito tempo trancado dentro de casa é uma ótima forma de deixar alguém maluco. Eu quase perdi as estribeiras. Portanto, depois do furacão Sandy, eu decidi que, se havia o risco de eu ficar trancada em casa até sábado a tarde, eu precisava passar ao menos uma hora ao ar livre para respirar ar fresco e carregar minhas baterias mentais.
Quando voltei, uma hora e meia depois, a neve tinha começado a cair e o vento estava ainda mais forte. E os pássaros estavam ainda mais alvoroçados. Um casal de Blue Jays chamava atenção. O Blue Jay é o pássaro azul na foto que coloquei no início do post. Ele dá nome ao time de baseball de Toronto e, por isso, tenho um apego especial a eles. O casal de Blue Jays, junto com um Pica-Pau (a quem tenho um apego por causa do desenho animado), fazem parte do grupo que se reune na frente da minha janela todas as manhãs para alegramente celebrar sei lá o que. Mas hoje, quando cheguei em casa, eles voavam sem rumo de uma árvore a outra, sem saber o que fazer. Os pardais, em um grupo super numeroso, estavam igualmente perdidos, mas ao invés de voarem de uma árvore a outra, iam do chão para a árvore e da árvore de volta para o chão.
Quando saí do banho, os pássaros tinha desaparecido. E os carros também. Não havia uma alma viva na rua. Estamos, desde então, todos os humanos, enfurnados em casa, tentando de alguma forma não ficar com cabin fever (ainda bem que existe internet!). E eu, pessoalmente, estou torcendo para que os pássaros estejam bem e protegidos em algum lugar. Seria muito triste ver sair o sol que sai depois de uma tempestade como essa (a manhã depois do furacão Sandy foi uma das manhã mais bonitas que eu já vi) e não ouvir aquele alvoroço alegre que passou a ser parte de todas as minhas manhãs. E seria mais triste ainda pensar que tudo isso aconteceu só porque os pássaros não tem acesso a internet...
2 comentários:
Belo texto!
Muito lindo! A família até ficou preocupada com vida dos passarinhos , depois das fortes nevascas!....Continuam por aí?
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