O Canadá é muito parecido com os Estados Unidos em muitas coisas. Grande parte da população canadense fala inglês, os costumes e hábitos são similares (vide meu último post) e mesmo fisicamente é difícil distinguir um americano de um canadense. Mas alguma força divina canadense se irritou com meu post na semana passada e passou a semana inteira me mostrando como os dois países são diferentes em muitas coisas.
Segunda-feira passada celebramos o dia de ação de graças aqui no Canadá. A celebração é idêntica à Americana: prepara-se uma ceia enorme para toda a família, com peru, presunto cozido e muito vinho. É como um Natal sem presentes. A única diferença é que a celebração aqui ocorre duas semanas antes da Americana. A diferença nas datas está ligada ao motivo da festa: o dia de ação de graças é o momento em que os fazendeiros agradecem a colheita do ano e celebram a fartura. Como o inverno aqui começa mais cedo, a época de colheita termina mais cedo e o feriado canadense, portanto, não bate com o americano.
Terça-feira eu estava fazendo pesquisa e me deparei, por acaso, com um livro muito interessante chamado Continental Divide, escrito por Seymour Martin Lipset. O livro mostra como ambos os países são nações de imigrantes, mas enquanto o Canadá se define como um mosaico, os EUA se define como um melting pot. O mosaico respeita diferenças entre os grupos e encouraja a diversidade étnica. Por exemplo, Toronto é composta de vizinhanças com diferentes nacionalidades: a portuguesa, a italiana, a grega, a indiana, a polonesa, etc. Cada uma dessas vizinhanças preserva sua cultura, sua língua e vende produtos importados desses países. Outro exemplo é o fato do governo federal ter reconhecido o francês, lingua de uma minoria francófona concentrada em Quebec, como uma das línguas oficiais, junto com o inglês. Já nos EUA, o melting pot tenta incorporar diferentes grupos em um todo unificado e pouco diferenciado (o que o Lipset chama de assimilation). Ou seja, os imigrantes abandonam suas raízes e adotam o american way of life.
Quarta-feira fui no show do Wilco, uma banda americana que faz o maior sucesso por aqui (os ingressos para o show estavam esgotados!). Na metade do show, o vocalista virou para a platéia e falou que em geral eles intercalam músicas com conversas com a platéia, mas aqui em Toronto não dava para fazer isso porque o show tinha que terminar as 11pm em ponto. Por isso eles estavam tocando sem parar. Daí ele falou: - a gente não está acostumado a ter um horário rígido pra terminar shows, mas aqui em Toronto a gente é obrigado a respeitar os sindicatos...
E, de fato, os sindicatos canadenses são muito fortes e entram em greve, o que raramente acontece nos EUA. Durante o verão, por exemplo, os funcionários da prefeitura entraram em greve e a cidade ficou quase um mês inteiro sem coleta de lixo. As universidades públicas também entram em greve, como o caso da York University, que passou alguns meses em greve no ano passado. Esse tipo de coisa raramente a gente vê nos Estados Unidos. Para vocês terem uma idéia, na universidade todos os professores recebem uma lista, preparada pelo sindicato das secretárias, com as tarefas que fazem parte da função delas. Se eu pedir para minha secretária fazer algo que não está na lista -- como tirar cópias -- ela educadamente tira a lista da gaveta e me diz que aquilo não está incluído. Daí eu tenho que pedir para um assistente de pesquisa tirar as cópias, já que os estudantes não têm sindicato ainda...
Na quinta-feira, o programa matinal de entrevistas no rádio era sobre o sistema de saúde norte-americano. O Obama está tentando convencer o congresso a aprovar uma reforma no sistema de saúde. O plano do Obama é aumentar o sistema público de saúde, seguindo o modelo canadense e britânico. Os grupos contrários à reforma começaram a colocar propagandas na tv, sugerindo que o sistema canadense não funciona. Isso gerou o maior debate pois, segundo os representantes do governo canadense, grande parte das alegações veiculadas na midia americana são infundadas, imprecisas e distorcidas. Até o Michael Moore, que fez um filme sugerindo que o sistema canadense é ótimo, concedeu uma entrevista. Mas o fato é que, diferentemente dos EUA, o sistema aqui é todo público e parece que isso vai continuar ainda por um bom tempo na lista de diferenças entre os dois países, apesar dos esforços do Obama.
Na sexta-feira, eu recebi um email com um link para um site do governo com dados sobre brasileiros vivendo no exterior. Estima-se que 1.5 milhões de brasileiros vivam nos Estados Unidos, e apenas 20 mil no Canadá. Ou seja, os padrões de imigração também são significativamente diferentes entre os dois países. Não sei se os brasileiros preferem os EUA porque eles têm medo de sistemas públicos de saúde e sindicatos, ou se eles simplesmente preferem um inverno que começa mais tarde e termina mais cedo. Independente da razão, acho que quem decidiu emigrar para os EUA não sabe o que está perdendo. Mas isso é uma conversa longa que vai ficar para outro post...
Um comentário:
[Sobre a reforma da saúde norte-americana]
A medicina tal como praticada nos EUA é um motor de conhecimento, um colosso, gera e incorpora tecnologia quase instantaneamente. Mas está ficando impagável, em boa parte pelo dispêndio no cuidado especializado do final da vida, largamente irrelevante. A questão não é apenas estender a cobertura para os que não podem pagar (ampliar o medicaid, por exemplo), mas como desacelerar esse motor, de maneira moralmente aceitável para a sociedade norte-americana.
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