sábado, 10 de outubro de 2009

PDA, Paqueras e Pessoas Impessoais

Todo dia eu acordo e ligo o rádio para ouvir a previsão do tempo, as notícias do dia, e um programa de entrevistas. Assim, enquanto eu me visto, eu consigo saber qual a temperatura lá fora para sair adequadamente vestida (porque pode estar um sol de rachar e menos 25 graus...). Enquanto eu coloco o bule no fogão e os ovos na frigideira, eu consigo me informar das notícias do dia, para não chegar na faculdade sem saber que eclodiu a terceira guerra mundial (como aconteceu comigo no atentado de 11 de setembro de 2001 nos EUA).E me entretenho com algum assunto interessante enquanto termino de tomar meu café da manhã.

Na última quinta-feira, depois da previsão do tempo e das notícias,
começou o programa de entrevistas, que tratava da nova moda entre os jovens adolescentes de Toronto: se cumprimentar com um abraço. O programa mostrava a discussão em torno do assunto, com pais e educadores contra ("mandamos eles para escola para estudar, não pra ficar abraçando outros jovens..."), jovens a favor (ainda que os socialmente desajustados não gostassem muito da idéia) e médicos indecisos (alguns estavam preocupados com a adoção dessa nova moda diante da epidemia do vírus H1N1, enquanto outros consideravam que os hormônios produzidos durante o abraço ajudam a reduzir o stress).

Depois de entrevistar todo esse pessoal, a apresentadora do programa começou a listar as regras que governam a etiqueta em torno do abraço no Canadá (e imagino que nos Estados Unidos também), que são as seguintes:

1. regra dos 20 cm: suas mãos devem ser colocadas 20 cm acima da cintura da pessoa que vc está abraçando (senão acho que o abraço fica muito sensual pro gosto deles...)

2. regra dos 3 segundos: a partir do momento que o abraço começar, conte três segundo e encerre o abraço (será que isso é tempo suficiente pra começar a produzir os hormônios?)

3. regra da cabeça: mantenha sua cabeça sempre à esquerda da cabeça da pessoa que vc vai abraçar (para evitar que o abraço se transforme em um beijo...) e mantenha ela erguida durante o abraço (nada de checar se a pessoa colocou perfume hoje porque isso é invasão de privacidade!).

4. tapinhas: é recomendado que homens usem o tapinha nas costas (pra sinalizar que apesar da demonstração de afeto, ainda são mucho machos...)

Curiosamente, as regras não foram objeto de discussão no programa. Acho que se assume que são universalmente aceitas por aqui e talvez o pessoal do rádio só tivesse tentando educar os imigrantes desinformados como eu, que saem por aí abraçando todo mundo durante 5 ou 6 segundos...

Mas se ter essas regras já soa estranho pra qualquer brasileiro, deve soar mais esquisito ainda ter uma discussão pública sobre adolescentes se abraçando. Isso merece um esclarecimento: o debate só está acontecendo por que há uma outra regra - no PDA. PDA é a abreviação de Public Demonstration of Affection. A melhor tradução da regra seria: é proibida qualquer demonstração de afeto em público. E, de fato, aqui as pessoas não dão beijos de língua na rua, como elas frequentemente fazem no Brasil (em especial no Rio). Sempre que eu vejo um casal andando de mãos dadas, eu digo pra mim mesma: aposto que são brazucas (e 95% das vezes eu estou certa).

Vocês devem estar se perguntando: mas o que é aceito? A resposta é: muito pouco. Em ocasiões sociais você apenas aperta a mão das pessoas quando for apresentado(a). Depois disso, provavelmente você nunca mais vai encostar naquela pessoa. Ou seja, um aperto de mão de vezes em quando pode, mas nada de beijos, abraços e chamegos de qualquer natureza, em qualquer ocasião. Ou seja, tem uma quinta regra na lista que eu apresentei: evite sempre que puder.

Portanto, para os canadenses, um bando de adolescentes se abraçando na escola de manhã seria o equivalente a alunos de segundo grau ou de cursindo chegarem de manhã para assistir aula, tirarem a roupa, e começarem a transar ali mesmo no corredor, todos ao mesmo tempo. Tenho certeza que isso ia gerar um debate no Brasil...

E as regras norte-americanas não páram aí. Há regras também para a paquera (dating) que eu descrevi em uma crônica, em 2006. Escrevi a crônica quando ainda estava nos EUA, mas fiquei sabendo hoje que as mesmas regras se aplicam ao Canadá...

Divirtam-se!



Paquera é que nem jabuticaba?

Um estudioso do sistema judiciário brasileiro declarou certa vez que o Ministério Público é que nem jabuticaba: só tem no Brasil. Algo indica que a paquera, do jeito que a conhecemos, também não fica muito atrás em termos de brasilidade. Algo tão natural para todos que vivem no Brasil, a paquera se torna um bicho de sete cabeças quando transplantada para os Estados Unidos. Precisariamos de uma comparação mais global para ver se chega a ser de fato um caso de jabuticaba, mas acho que abaixo vocês encontrarão alguns indícios a favor dessa tese.

Um amigo meu que está estudando nos EUA chegou para mim esses dias furioso: tinha conhecido uma menina que estudava exatamente o que ele estudava. Marcaram um café, conversaram muito, e ele ficou com vontade de conversar mais. Dali a uma semana, mandou um e-mail para a menina perguntando se ela queria sair para tomar uma cerveja. A resposta veio curta e grossa: isso é um “date”? Gostaria de te avisar que sou lésbica. Ele, educadamente, respondeu que não era um “date”, só um repeteco da conversa inicial, que tinha sido muito interessante. Marcaram então um outro café e depois disso nunca mais se viram.

Meu amigo tinha acabado de experimentar diretamente o sistema de paquera norte-americano. As intenções são declaradas de antemão. Não se sai para tomar bebidas alcóolicas, dançar, e se divertir com alguém a não ser que haja intenções de se consumar o ato na sequência.

Um outro amigo, que já tinha mais experiência no assunto, esclareceu que existiam regras. Por exemplo, a conta é paga pelo homem. Se a menina se oferecer para pagar a conta, significa que ela não quer nada com você. Da mesma forma, há uma regra para o tempo que deve se aguardar até retornar a ligação. Ligar no dia seguinte ao encontro é colocar tudo a perder. Demorar muito para ligar também. Enfim, sem saber os códigos de antemão, fica difícil para qualquer brasileiro ser bem sucedido no sistema norte-americano.

O primeiro amigo, que ficou só nos cafés, ficou indignado com essa institucionalização da paquera. O argumento dele era que sem a dúvida, a incerteza, aquela coisa no ar, não tinha graça. Para quê declarar em alto e bom som que isso é um “date” e que há pretensões sérias de envolvimento sexual e/ou amoroso, quando a graça de todo o processo está em enfrentar ou de criar o risco de ter algo a mais ali do que uma simples conversa? Sem isso, toda a sutileza de interpretar o jogo de sinais se esvai e a paquera se torna um contrato formal no qual se diz: a partir do momento em que você aceitar o convite para tomar cerveja você está ciente das minhas segundas intenções e está declarando que você também tem segundas intenções com relação a mim. Sem segundas intenções, não rola cerveja nenhuma. Enfim, no sistema de paquera norte-americano a regra é: nada de incertezas no ar.

Até certo ponto, meu amigo tem razão. Mas eu acho também que há alguns benefícios no sistema norte-americano. Falo isso por experiência própria. Recentemente tive que organizar um evento no Rio de Janeiro e ao lidar com gerentes de restaurantes, administradores de hotéis, organizadores de eventos, donos de empresas de transporte, e agências de turismo ficava sempre em dúvida se o calor humano e a receptividade carioca eram assim tão proeminentes, ou se havia segundas intenções no ar. Consultei um amigo carioca para tirar a dúvida, e saber quando eu deveria me ofender e esclarecer que os termos da relação eram profissionais, e quando eu deveria ficar agradecida com a gentileza e atenção e simplesmente me orgulhar de ter uma país com um povo tão aberto e receptivo. Meu amigo carioca me disse que provavelmente não dava para traçar uma linha: eles estavam todos tentando ser receptivos e calorososos, mas sempre deixando aberta a porta para “algo mais”.

Aqui vai meu desabafo: é duro viver (e principalmente trabalhar) assim. Em especial, acho que é particularmente ofensivo para as mulheres. É como lutar contra um monstro invisível: se você tentar reagir, o sujeito pode se ofender e dizer que nunca sugeriu nada de mais, e se você deixar as coisas como estão, as gentilezas e favores vão se intensificando não por causa das suas qualidades profissionais, mas por causa de outras aptidões. Isso me lembra aquele velho dito popular: “se ficar o bicho come se correr o bicho pega”.

Antes que me chamem de feminista, e achem que eu saio por aí queimando sutiãs, deixe-me apresentar um segundo argumento em defesa do sistema norte-americano. Acho que o sistema norte-americano é mais eficiente. Nesse sistema, não se perde tempo com pessoas que não tem interesse em você. A analogia seria uma firma sair entrevistando pessoas para um emprego sem saber de antemão se as pessoas estariam interessadas em ir trabalhar para a firma. Sem essa seleção prévia, perderia-se muito tempo e recursos em algo que poderia gerar muito poucos frutos. O efeito é o mesmo no plano da paquera: perde-se muito mais tempo e recurso no sistema brasileiro que no norte-americano. É claro que nesse último as relações amorosas e sexuais ficam muito mais impessoais (ou institucionalizadas). O ganho, todavia, é que se tem mais tempo para fazer outras coisas.

Enfim, é difícil dizer que uma é melhor que a outra. Acho que ambas tem vantagens e desvantagens. Talvez paquerar no Brasil seja mais interessante por outras razões. Por exemplo, em geral os brasileiros têm mais sex-appeal que os norte-americanos. Isso, todavia, não diz nada sobre nosso ineficiente sistema de paquera. Talvez uma combinação do sex-appeal brasileiro com um pouco da certeza norte-americana fosse uma boa solução para o impasse. Enquanto isso não ocorre, eu sou obrigada (junto com boa parte das mulheres brasileiras) a usar toda diplomacia para fugir das cantadas não declaradas sem ofender sujeitos que não são mal intencionados, mas deixam sempre abertas as portas das segunda intenções.


5 comentários:

Anônimo disse...

Melhor já chegar com o contrato na mão, para eventos dessa natureza!
Os EUA e o Canadá devem ser o paraíso para os advogados.

Anônimo disse...

O flerte lisonjeiro, se o cabra não entender o conceito, está faltando um pouquinho de literatura universal, ou ouvir Cole Porter. Mas a questão geral - o que é lícito pôr ao público de sexo e afeição - é espinhosa também aqui, porque realmente está mudando. Hoje uma técnica de enfermagem estava se debruçando sobre um senhor nos últimos dias, tendando a última veia. Tentei a piada: assim você mata o velho - recebi caretas de reprovação (e não pelo "velho", pois nossa equipe já desencanou do "idoso")

Anônimo disse...

Concordo que o "PDA" no Brasil é por vezes constrangedor.
Concordo também que aqui as gentilezas nem sempre são só gentilezas.
Mas um pouco de espontaneidade não faz mal a ninguém, vai?
Beijos saudosos da sua irmã

Anônimo disse...

Mariana: a cada dia vc se supera. Os textos são ótimas crônicas. Vc deveria considerar a reunião e publicação – estou falando sério.

Incrível a discussão sobre o abraço e as regras de PDA. Só sociedades que já resolveram muitos problemas podem se dar ao luxo dessas coisas. Em uma palavra: isso é frescura. Podem me chamar de latino americano ignorante, mas isso é frescura.

Um abraço, de acordo com as regras canadenses,

Augusto

Mayara disse...

Só tenho a dizer que É OSSOOOO!!! kkkkkk eu adoro os eua, adoro mesmo. mas pra quem foi criado na cultura latina é difícil. Pra eu acostumar com o "personal space" (usado em qualquer situação) foi dureza, teve uma vez que eu senti que tava invadindo o espaço de uma menina sem dó nem piedade rs (sem intenção NENHUMA.... sou hetero kkkkkk, eu era colega dela, fui conversar mais perto normalmente e vi que ela ficou desconfortável, pedi desculpa e dei um passo pra trás, expliquei que não tava acostumada e ela entendeu). Eles são super educados, tem consideração, mas pra fazer amizade de verdade demora um pouco, eles tem que pegar bastante confiança primeiro. Para os latinos parece meio artificial, é outra cultura. Ainda assim o país é muito bom. Beijos