Mas há, momentos, todavia, em que os Chilenos revelam sua latinidade. Primeiro, tem muita demonstração pública de afeto (i.e. casais de beijando na rua), também conhecida como PDA. Isso talvez passe desapercebido para os brasileiros que estão acostumados com PDA, mas é notório para estrangeiros que vêm de lugares onde as pessoas têm dificuldades de te dar um mero abraço. Também foi notório pra mim, mas não sei se é porque eu já virei estrangeira ou se é porque eu nunca me senti muito confortável com PDA….
Segundo, os taxistas dirigem feito uns loucos. Em geral, as pessoas na América Latina dirigem de maneira mais agressiva que em outros países. Mas os taxistas tem um nível especialmente alto de agressividade. Eles tiram finas de outros carros, correm como uns loucos e não hesitam em passar sinais vermelhos enquanto falam no celular. O pior é que eles fazem tudo isso ainda que você avise que não está com pressa de voltar para o hotel. Eu tinha eleito os taxistas do Peru os piores que eu já tinha encontrado, mas acho que os do Chile estão lá no alto do pódio, junto com os peruanos.
O terceiro sinal da latinidade chilena é que a copa do mundo pára o país. Eu achei que o Brasil dava tanta atenção para a copa porque nosso time é bom. Nós temos alguma razão para acreditar que vamos ganhar o mundial. Nossa seleção é mundialmente famosa e – apesar das infindáveis controvérsias sobre a escalação -- em geral um das favoritas. Ou seja, o Brasil tem uma longa tradição no futebol. Em contraste, o Chile tem um time fraco, que nem sempre se qualifica para a copa. Além disso, nas poucas copas em que eles se classificaram, conseguiram apenas perder ou empatar. Ainda assim, encontrei o mesmo fervor e a mesma paixão pela copa no Chile. A cidade pára para ver o jogo da seleção. Há telões em praças públicas. Todos estão com camisas do time, e as fachadas cheias de bandeiras chilenas. Ou seja, a paixão pela copa vem da latinidade chilena, e não das chances reais do time deles conseguir qualquer conquista efetiva.
E o mais legal da minha visita foi ver essa latinidade chilena no seu pico. Quando cheguei em Santiago no dia 10 de junho, fazia 48 anos (!) que o Chile não ganhava um jogo da copa. Mas isso mudou no dia 16 de junho. Assim que o jogo terminou, o povo tomou as ruas. A principal avenida foi fechada e pessoas com as caras pintadas com as cores da bandeira dançavam, se abraçavam e se beijavam descontroladamente. Os motoristas não ficaram pra trás. O carros ziguezagueavam pelas ruas, com pessoas penduradas nas janelas gritando a plenos pulmões. O barulho era ensurdecedor e a alegria era contagiante, como não pode deixar de ser em qualquer celebração latino americana que se preze.
Observei as comemorações da entrada do hotel, enquanto esperava o motorista que ia me levar para o aeroporto. Como o motorista estava atrasado, passei o tempo conversando com um funcionário. Perguntei se ele estava feliz com a vitória do Chile.
- Não há dinheiro no mundo que poderia ter levantado a moral do nosso país e ter feito o nosso povo reconquistar a autoconfiança e andar de novo de cabeça erguida dessa forma. Depois daquele terremoto, a gente precisava dessa vitória. E eu estou feliz porque acho que veio em boa hora.
Pensei naquela propaganda: “tem coisas na vida que não tem preço. Pra todas as outras existe mastercard”. Mas antes que tivesse tempo de fazer a piada, o funcionário emendou:
- Seu carro chegou, mi corazón.
Depois de ouvir o vocativo, conclui que por mais que o Chile alcance níveis inesperados de desenvolvimento, eles sempre vão fazer parte dessa coisa única e indescritível que é a América Latina.
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