Escrito no dia 14/01/2011
Cheguei na India a noite, cansada de uma viagem de 14 horas. Só deu tempo de dormir algumas horas, antes do início da conferência. Portanto, minhas primeiras impressões do país não foram sofisticadas e profundas, afinal, entrei no hotel, dormi, acordei, tomei café, e fui para a conferência. Mas ainda assim vou dividir ela com vocês, só para a viagem não passar em branco.
A Índia tem um pouco de tudo que encontrei em outros lugares que visitei, exceto que é tudo um pouco mais exagerado. Por causa do terrorismo, há seguranças com metralhadoras em todos os lugares possíveis e imagináveis, incluindo os hotéis. Tive a sensação de estar de volta na Colômbia, onde a ameaça de terrorismo exige o mesmo tipo de medida. Porém, o Colombiano que estava na conferência confessou que até ele ficou assustado com o fato de que temos que passar nossas malas e bolsas pelo raio-X para entrar no hotel. Nesse quesito, segundo ele, a India bateu a Colômbia.
Assim como na Inglaterra (ou talvez eu deveria dizer por causa da Inglaterra), aqui dirigi-se do lado direito do carro. Quando estive em Londres, tive alguns momentos de paúra ao achar que o táxi estava entrando na contramão em certas ruas. Aqui tive exatamente a mesma sensação, com o agravante que os motoristas dirigem feito uns loucos. Imagine a sensação de que o cara está entrando na contramão combinada com a certeza de que ele vai colidir com alguém. A tudo isso junta-se a falta absoluta de uso de espelhos retrovisores. Aqui apenas se usa buzina. Portanto, se alguém está mudando de faixa, o sujeito simplesmente começa a jogar o carro para a outra faixa, e apenas pára de faze-lo se ouve uma buzina. Da mesma forma, alguém ultrapassando outra pessoa enfia a mão na buzina, para se certificar que o outro está devidamente informado que alguém está passando. O problema é que é tanta buzina ao mesmo tempo que eu não tinha menor idéia de onde a buzina estava vindo e para quem era direcionada. Tive que respirar fundo várias vezes no trânsito aqui…
Assim como a Itália, aqui come-se maravilhosamente bem. Consolida-se mais uma vez a tese de N. de que é preciso essa desorganização e espontaneidade para se fazer comida boa. Sim, sim, definitavemente o caso da Índia. A diferença aqui é a quantidade insana de pimenta que eles colocam na comida. Fiquei sabendo que eles maneiram quando a comida está sendo preparada para estrangeiros, mas ainda assim foi a comida mais apimentada que comi na vida. Um pouco menos de pimenta e seria perfeita. Outra coisa que eu gostei aqui é que eles comem muito iogurte e muita banana. Como eu basicamente vivo a base de iogurte e banana, eu era a pessoa mais feliz do mundo quando no intervalo da conferência encontramos uma mesa com café, biscoitinhos, banana e iogurte.
O trânsito aqui é tão ruim quanto o de São Paulo, e quando você sai corre risco de ficar preso por um período considerável de tempo. Em uma tentativa de reduzir um pouco a intensidade do tráfego, construíram em Delhi o que eles chamam de roadring, que é o equivalente do nosso rodoanel em São Paulo. A diferença principal, todavia, é que, apesar dos caminhões terem sido retirados do meio da cidade, a confusão aqui não se resume a carros e motos: aqui também tem riquixás, tuctucs e bicicletas no meio da muvuca, o que complica significativamente a situação.
Uma outra coisa que me impressionou foi a modernidade e sofisticação do aeroporto. Deixou todos os aeroportos que visitei antes no chinelo, exceto pelo aeroporto em Beijing. E a razão para tanta sofisticação é a mesma nos dois casos: Beijing fez suntuosas reformas para sediar as olimpíadas, e Delhi fez o mesmo para sedir os jogos do CommonWealth. Resultado, um aeroporto maravilhoso. Impressionante mesmo. A principal diferença entre eles é que a India deu um toque mais pessoal nas reformas, e encheu o aeroporto de símbolos da cultura do país. No início do post coloquei a imagem que se tem quando se sai do avião para passar pela imigração.
A única coisa que me pareceu única da India é a cultura de servilidade que existe por aqui. Depois de morar tanto tempo fora, é sempre estranho chegar no Brasil e observar o quanto de servilidade existe na nossa cultura: a empregada servindo a comida e retirando os pratos, a garçonete trazendo uma reles xícara de café expresso, etc. Na India, todavia, o nível de servilidade deixa o Brasil no chinelo. No hotel, por exemplo, há um exército de pessoas no lobby aparentemente fazendo nada. Daí você faz cara de que precisa de alguma coisa – não precisa falar nada, é só fazer cara de… -- e aparece alguém na sua frente perguntando o que você quer. Se você estiver procurando pelo banheiro, te levam até lá. Se você quiser saber onde pode tomar água, pedem pra você sentar e trazem água em uma bandeija. Carregar suas próprias malas? Nem pensar! Eu não consegui sequer carregar minha bolsa. Como boa brasileira, achando que ia ser roubada, eu segurei firme minha bolsa, onde estavam minha carteira e documentos. Nada feito. Parecia para eles um absurdo que eu estivesse fazendo qualquer esforço pra fazer qualquer coisa. Muito estranho e desconfortável a situação, devo confessar.
Bom, por enquanto é isso. Vou ter um dia livre quando a conferência terminar. Daí que vou poder ver do que a India é feita, de verdade.
2 comentários:
É, parece que estamos diante de um Museu de Arte Moderna. Muito bonito !
“Madame tem suas escravas – duas, três, seis ou oito, conforme o infeliz esposo abrir a bolsa. Essas criadas negras nunca podem arredar-se da imediata proximidade de sua severa dona. Devem entender-lhe e até interpretar-lhe o olhar. Seria demais exigir que a senhora, fosse ela mulher de um simples vendeiro, se sirva ela mesma de um copo d’água, ainda que o jarro esteja junto dela sobre a mesa. É tão doce poder tiranizar! De cozinhar e lavar, nem se fale: para semelhante trabalho Deus criou os negros ...”
Carl Seidler, Dez anos no Brasil, p.101 – citado por Laurentino Gomes em “1822”.
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