Na semana passada, o ministro da Ciência e Tecnologia Aloizio Mercadante anunciou que o governo vai criar um programa para atrair talentos brasileiros que estão no exterior. A idéia é que, ao voltar, esses cidadãos possam contribuir para o desenvolvimento do país. Alguns dias antes, a Folha já havia noticiado a criação de programas na mesma linha, entitulado “Governo cria programas para repatriar profissionais brasileiros”. Considerando a importância da mão de obra qualificada, da inovação científica e do desenvolvimento tecnológico para o crescimento econômico, o objetivo desses programas parece acertado, a princípio. O problema é como alcançá-lo.
A revista inglesa The Economist indicou em matéria de 06/01/2011 (“Go south, young scientist”) que o governo brasileiro tem a seu favor uma reputação acadêmica cada vez mais respeitável: (i) produz-se duas vezes mais doutorados (10.000 por ano) no Brasil do que há duas décadas atrás; (ii) entre 2002 e 2008 a produção de artigos científicos brasileiros aumentou de 1.7% para 2.7% do total de artigos produzidos no mundo; (iii) o país é o líder mundial em pesquisa sobre doenças tropicais, bioenergia e botânica; (iv) gasta-se 1% do PIB em pesquisa, o que representa quase o dobro da média gasta em outros países da América Latina; (v) os cientistas brasileiros estão colaborando cada vez mais com cientistas estrangeiros (atualmente 30% dos artigos de autoria de cientistas brasileiros tem um co-autor estrangeiro). Além disso, nos últimos anos, os fundos para pesquisa foram reduzidos nos Estados Unidos e na Europa, o que cria um momento favorável para atrair ao país jovens talentos em geral - e brasileiros em particular.
Todavia, atrair brasileiros que optaram por sair do país não é uma tarefa tão fácil. Segundo a reportagem da FSP, “Mercadante acredita que o Brasil seria um destino atraente para brasileiros hoje no exterior se forem oferecidos salários de nível mundial e excelentes condições de trabalho e pesquisa na área de ciência e tecnologia”. Oferecer um salário compatível com aquele oferecido no exterior é um bom começo, mas é preciso definir o que seriam exatamente essas “excelentes condições de trabalho”. Frequentemente, essas pessoas decidiram deixar o país porque encontraram no exterior um ambiente mais propício para pesquisa acadêmica e melhores condições de vida. Seria possível criar condições semelhantes no Brasil, como quer Mercadante? Como fazê-lo?
As universidades públicas brasileiras estão, em muitos casos, afogadas em brigas políticas contra-producentes, ineficiências administrativas e falta de profissionalismo. Isso cria obstáculos significativos para a produtividade acadêmica e representa um custo difícil de contrabalançar, mesmo com atraentes benefícios financeiros. Portanto, “criar excelentes condições de trabalho” exigiria reformas significativas nas nossas instituições de ensino e pesquisa. Sem instituições funcionais e pesados investimentos, programas de estímulo ao retorno de pesquisadores correm o risco de se tornar apenas mais uma fonte de desperdício de recursos públicos. Por exemplo, se tais programas oferecerem apenas melhores salários, e não fizerem um processo seletivo cauteloso, pode ser que o governo acabe investindo uma quantia significativa de dinheiro para atrair apenas aqueles profissionais que não tinham perspectiva de ter uma carreira no exterior e voltariam ao país de qualquer forma, com ou sem benefícios.
Outro risco é que o governo de fato consiga atrair quem iria ficar no exterior, mas esses iniciariam suas carreiras aqui para logo depois deixar o país. Segundo a The Economist (06/01/2011), ainda que os salários de pesquisadores jovens já sejam relativamente competitivos no Brasil, o mesmo não é verdade para pesquisadores mais experientes e renomados. Além disso, as universidades públicas não têm flexibilidade para negociar salários caso um pesquisador receba uma oferta mais atraente de outra instituição. Ou seja, é possível que nossos jovens talentos estejam em breve recebendo ofertas tentadoras de universidades no exterior e não há nada que os diretores das faculdades brasileiras possam fazer para convencê-los a ficar no país.
Reformas institucionais são um processo amplo e demorado. Ou seja, não vão acontecer nos “próximos seis meses”, que é o prazo que o ministro estabeleceu para a implementação dos tais programas para atrair talentos brasileiros no exterior. Uma possível solução seria criar o que eu chamo de ‘institutional bypass’, ou uma “ponte de safena institucional” . Ao invés de tentar mudar as instituições universitárias e de pesquisa que atualmente apresentam problemas, o governo deveria criar novas instituições. Essas novas instituições poderiam ser focadas apenas em pesquisa, o que as tornaria mais atraentes para os pesquisadores no exterior, já que lhes permitiria produzir pesquisa acadêmica num centro de excelência sem precisar dar aulas e/ou dar conta de funções administrativas, como ocorre atualmente nas universidades brasileiras. Além disso, por serem instituições novas, elas poderiam ter uma estrutura administrativa e de governança desprovidas dos problemas e vícios das instituições que existem atualmente no Brasil. No âmbito das ciências sociais, há alguns modelos. A Índia, por exemplo, criou nas últimas décadas 27 institutos de pesquisa autônomos, apartidários e financiados pelo governo. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) seria o que temos de mais próximo desse modelo no Brasil. Por isso, a criação de novas instituições de pesquisa talvez seja uma opção mais promissora, se estamos de fato preocupados em atrair verdadeiros talentos e mantê-los no país para promover desenvolvimento.
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