Meu primo M. me mandou um texto sobre a origem da caipirinha. O autor, Marco Antonio Batan, argumenta que o cocktail surgiu em Santos (clique aqui para baixar o PDF). Confesso que eu tinha me entretido mais com as figuras do que com o texto em si, quando resolvi fazer uma busca na internet sobre o assunto. Para minha surpresa, o tal do Batan deixou de esclarecer que o texto dele busca acabar com um mito bastante difundido. Muitos acreditam que a capirinha teria surgido no interior de São Paulo. Basta fazer uma pesquisa no google (digite caipirinha + origem) e você verá que vários sites indicam que a origem da bebida é incerta, mas acredita-se, por causa do nome, que a mesma tenha sido criada na roça. O Batan tenta provar o contrário.
Valorizei mais o texto quando vi que tratava-se de uma tese controversa. Entretanto, a decisão do autor de não indicar que o texto dele tentava corrigir a idéia errônea que veiculava pela internet (e sabe-se lá aonde mais), para mim, foi um erro. O texto enterra a sete palmos o grande valor de toda a pesquisa. O Batan deveria ter começado dizendo "vim aqui colocar os pingos nos Is". Afinal, o início de qualquer texto acadêmico é sempre o mesmo: há uma tese circulando por aí e quero provar aqui ela está errada. E quanto mais difundida for a tese, mais relevante torna-se seu texto. Ou seja, a primeira pergunta que um acadêmico faz ao ler um texto é: porque isso é relevante? E a resposta vem, em grande parte, da idéia de que a maioria das pessoas ou um grupo ínfimo de acadêmicos que são experts no assunto pensa o contrário. Em suma, na cabeça de uma acadêmico explicar uma coisa que já sabemos é como chover no molhado.
Há, além disso, um outro problema. As imagens do Batan são de tirar o chapéu, mas ao invés de ficar admirando as mesmas, eu fiquei em vão procurando a citação depois da história sobre os rapazes que pediram uma caipirinha no interior e quase foram parar na cadeia. Afinal, como posso averiguar a veracidade se não sei qual a fonte? Se tem uma coisa que a gente aprende no mundo acadêmico é que as pessoas inventam coisas dentro da cabeça delas e apresentam para você como se fosse um fato real (eu, por exemplo, faço isso sempre aqui no blog). Na falta de pílulas contra esse tipo de desvio comportamental, a academia criou a nota de rodapé. Ou seja, você não pode dizer que um fato aconteceu a não ser que indique onde o mesmo está documentado. E a citação tem que ser completa, com data, local de publicação, nome completo do autor, editora e o diabo a quatro. Isso garante que qualquer um que ache que aquilo é uma lorota, possa verificar. Por isso que eu posso colocar minhas lorotas no blog, mas não nos artigos que mando pra publicação...
Por fim, o Batan perdeu uma grande oportunidade de concluir o texto indicando que há outros temas que poderiam gerar o mesmo tipo de pesquisa. Descobri no google, por exemplo, que a origem do brigadeiro também é super incerta. Uns dizem que o doce surgiu no pós-guerra, dada a escassez de acúcar e leite fresco para fazer doces, sendo popularizado em uma campanha presidencial na qual o Brigadeiro Eduardo Gomes concorreu (apesar de distribuir o doce gratuitamente para os eleitores, ele perdeu a eleição para o Dutra -- ou seja, os tempo eram outros!). Outros argumentam que uma senhora de minas criou o doce, que tornou-se o favorito do Brigadeiro e foi então popularizado com a campanha eleitoral. Um argentino amigo meu colocou mais lenha na fogueira ao tentar me convencer que o pão de queijo foi criado no Paraguai. Corri para o google e, de novo, descobri mais uma fonte de incerteza. Enfim, só a questão da origem dos quitutes nacionais dariam um livro inteiro pro Batan.
Enfim, já estava eu pronta para escrever um email para o Batan, com sugestões editoriais para o texto, exigências de informações detalhadas para as notas de rodapé, e uma lista de potenciais futuras pesquisas quando notei que talvez esse seja apenas meu olhar acadêmico sobre um texto que não tem qualquer pretensão científica. Cheguei à conclusão de que as "lentes acadêmicas" através das quais eu vejo o mundo estavam interferindo no que deveria ter sido uma leitura descontraída e supostamente relaxante de um texto despretensioso. Afinal, fora da academia as pessoas se entretem com um texto sem ficar se questionando sobre a importância do argumento central ou buscando notas de rodapé. Se dependesse de nós, acadêmicos, o jornal que você recebe diariamente em casa ia ter umas 500 páginas... Isso explica porque a quantidade de pessoas que lê jornais é significantivamente maior que a que lê publicações acadêmicas. Depois de me lembrar disso, decidi deixar o Batan em paz e deletei o email.
Mas se alguém tiver uma chance de dar um toque no Batan, por favor avisem ele que a dignidade nacional está em jogo com a questão do pão de queijo. Se ele puder se dedicar um pouquinho a esse assunto -- mesmo substituíndo as notas de rodapé por figuras belíssimas -- nosso orgulho agradece. Afinal, mais do que o petróleo, o pão de queijo é nosso!
2 comentários:
Também achei que cabia mais rigor, que ele havia subestimado o impacto da coisa. E também quero saber o que mais ele fez no projeto Rondon, além de beber em cada porto, que barbaridade. Vou assuntar, pode ficar tranquila.
Achei uma testemunha ocular e auricular da história da caipirinha de Piracicaba: o meu pai. Estava lá. Há outros, vivos ainda, que testemunharam. A versão é sólida!
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