domingo, 23 de dezembro de 2012

Muito maduro da minha parte

Depois de incitar meus leitores a fazer um balanço acurado de fim de ano (vide post anterior), segue meu próprio balanço - ou o melhor que pude fazer dadas as circunstâncias. 



Ouvir recentemente a frase “Muito maduro da sua parte”. Como a mesma foi dirigida a mim em tom jocoso, decidi prestar mais atenção nas minhas atitudes. Despois de viajar para New Haven para celebrar dez anos de formada e depois de completar 35 anos de vida (muito bem vividos!), achei que era hora de procurar por sinais de maturidade. Queria reunir evidências suficientes para provar que meu interlocutor estava errado. 

Primeiro, descobri eu não gosto mais de filmes “cabeça”.  Sabe aqueles filmes que tem uma narrativa mas não acontece muita coisa? Cenas lindas, diálogos ininteligíveis (ou a completa falta deles) e um final que deixa você pensando “hein?!”. Teve uma época da minha vida que eu adorava tudo isso. Usava o “hein?!” como plataforma para alguma reflexão ininteligível (e provavelmente pouco inteligente) do significado do filme, da intenção do diretor e, se houvesse bastante álcool, era um pulo passar dali para qualquer questão metafísica. Mas esse ano assisti Somewhere, o novo filme da Sofia Copola. Tinha gostado do filme anterior dela, Lost in Translation. Mas o novo filme definitivamente me deixou com um gosto amargo de “hein?!” na boca. Não parti para considerações de nenhum tipo. Apenas pensei: “lá se foram duas horas da minha vida que eu nunca mais vou conseguir recuperar”. Para evitar esse tipo de frustação, ao invés dos filmes cabeça, hoje em dia me delicio com Vida de Inseto. E com certeza antes do fim do ano vou assistir a Vida de Pi:



Segundo, antes eu só lia o caderno Mais! da Folha de S. Paulo. Coisas supostamente ilustradas e debates filosóficos. Pra que se preocupar com coisas mundanas, se podemos filosofar? Hoje passo longe do Mais! e fico me perguntando porque há pessoas no mundo que ficam perdendo tempo com esses debates filosóficos quando a gente tem tanto problema pra resolver no país. Basta ler o primeiro caderno. Alguém pode argumentar que é preciso se divertir também, e isso é um tipo intelectual de diversão. Desculpe, mas hoje em dia prefiro me divertir com as crônicas do Antônio Prata no caderno cotidiano, e quando estou com mais paciência, vale até o Michael Keep. Se estou em um clima "papo sério", leio a Piauí de cabo a rabo. O caderno Mais!, em contraste, não conta mais como diversão ou informação pra mim. Os intelectuais de plantão que me excomunguem, mas não é divertido, nem informativo e muito menos útil. Então, de antemão, eu preservo meus valiosos minutos sem ler o caderno, pra não ficar com a mesma sensação que tive ao terminar de ver o filme de Sofia Copola. 

Terceiro, houve um tempo em que eu só comprava livros, e apenas pedia livros de presente. Foi uma fase. Acredito hoje que foi uma fase idiota. Mas a gente tem que fazer idiotices pra aprender as coisas na vida. Ainda bem que eu percebi a idiotice antes de gastar todo meu dinheiro com livros. Eles ocupam espaço, envelhecem na sua estante e não são bem aproveitados. Hoje em dia eu primordialmente uso livros de bibliotecas, ou leio e passo pra frente, pra alguém que vá aproveitá-los mais do que minha estante. Os intelectuais virão dizer que o que importa na biblioteca de alguém não são os livros que você leu, mas os que você não leu. Quem disse isso? Umberto Eco? Não lembro agora. Mas discordo. Os livros que você não leu só te oprimem. Eles te lembram do dinheiro que você gastou (ou da oportunidade que perdeu de pedir um presente melhor) e do fato de que você sequer desfrutou deles, depois de tanto tempo. Quantas outras coisas poderiam ter sido consumidas (e devidamente saboreadas!) no lugar daquele livro? E se você tivesse deixado aquele dinheiro render na poupança então, as possibilidades perdidas se tornam quase infinitas. Por isso substituí os livros por refeições. E a substituição não foi só com meu dinheiro. Estou fazendo isso com o dinheiro dos outros também: estou pedindo a quem quer que queira me dar um presente, uma refeição. Vale tanto jantar no restaurante preferido da pessoa (ou meu, se for o caso) ou mesmo uma boa refeição caseira em qualquer horário. Não sabe cozinhar e não tem dinheiro para me levar pra jantar? Uma caipirinha com bolinho de bacalhau no boteco da esquina é um presente tão valioso quanto qualquer outro. Vejam as inúmeras vantagens: eu desfruto do presente, ele não ocupa espaço, e guardo no meu coração uma excelente lembrança. Aliás tenho mais lembranças de uma boa refeição do que de um livro não lido. 
Acho que tudo isso é sinal de maturidade. Acho que maturidade é saber deixar a vida mais leve, mais simples, menos complicada. Todas as minhas elocubrações intelectuais, regadas por filmes “cabeça”, cadernos Mais! da Folha e pilhas de livros combinavam com meus hormônios fora de controle. Mas um dia a adolescência acaba. E com as espinhas, vão embora também todas aquelas complicações absolutamente desnecessárias da vida. Minha estante está mais vazia, minhas idéias estão mais claras e meu estômago está forrado de coisas boas. Ou seja, acho que amadureci bastante. Ou isso, ou minha terapeuta é incrivelmente competente. Vai saber.  

sábado, 22 de dezembro de 2012

O Problema do Balanço de Fim de Ano

Chega no fim do ano e estamos supostamente todos fazendo balanços. Ano foi bom ou foi ruim? Quando vc começa a tentar responder a essa questão, uma série de outras perguntas aparecem e torna-se inevitável começar a fazer um balanço maior e mais complexo das nossas vidas. Afinal, o ano pode ter sido bom porque estão todos na família bem de saúde e empregados, mas será que estamos de fato felizes? A pergunta é inevitável. E a resposta nem sempre é fácil.

De repente, você descobre que, ao invés de ser o astronauta da Nasa que você sonhava ser quando tinha sete anos de idade, você trabalha para a prefeitura carimbando papéis todos os dias. Por um lado, esse emprego na prefeitura paga suas contas, garante a escola dos filhos, e te permite chegar em casa todo os dias as seis da tarde -- a tempo de jantar, brincar com os filhos e assistir a novela. A Nasa, em contrapartida, teria te dado uma vida profissional mais interessante e bem remunerada, mas o tempo para os filhos, para o jantar e para a novela seria certamente sacrificado. E é aqui que a tentativa de fechar o balanço começa a ficar complicada.

Alguns decidem que prefeririam a vida da Nasa, mas como não dá para fazer nada sobre isso agora, deixam a idéia para lá. O problema é que ignorar o sonho e continuar sua vida de funcionário público está cada dia mais difícil, em especial para quem usa a internet. Vejam, por exemplo, essa imagem (disponível no site http://www.baubauhaus.com/image/40062):


Os que frequentam as rede sociais, da mesma forma, são bombardeados diariamente com mensagens como essa abaixo (retirada da Comunidade "My better life" do facebook):

E quando você pensa em quantos anos te restam, quando você faz contas e calcula o seu saldo de vida – mesmo incluindo uns aninhos de “bônus” –, você se dá conta de que, ainda que você viva muito, mas muito mesmo, o fim vai chegar.

Mas, se você tiver embarcado na sua jornada em busca de si mesmo, você vai começar a perceber que não se deve medir o tempo em quantidade, mas sim em qualidade. Só importa a intensidade do que você vive, a profundidade do que você vive. 


Enfim, a internet pergunta na lata: você está vivendo a vida que queria viver? E, mais do que isso, muitos parecem te pressionar para dizer que não. Afinal, não há "profundidade e intensidade" em carimbos da prefeitura, jantar em casa e novela, certo? Bonito mesmo é ir atrás dos seus sonhos, por mais impossíveis que eles sejam, ao invés de se acomodar com o status quo. E para ir atrás dos seus sonhos é preciso coragem, dizem por aí. Ou seja, depois de passar o dia carimbando numa sala sem ar condicionado, comer feijão sem sal, assistir um capítulo ruim da novela e cuidar do seu filho doente, você ainda tem que ouvir de um bando de desconhecidos que você é infeliz e covarde. 

Pois eu estou aqui, usando a internet, para discordar desse povo. Não é preciso "coragem" para sair em busca da felicidade. Para se sair em busca da felicidade, é preciso que o balanço da sua vida esteja no negativo. Só assim a conta da busca fecha no positivo. Se a idéia de se livrar de tudo tem um custo muito alto, a empreitada pode ser desastrosa e há um risco altíssimo de que sua vida fique pior do que estava antes. É natural que o sujeito queira, portanto, assumir menos riscos. Mas quando já está tudo uma merda, não é difícil se embrenhar nessa busca, pois se tem muito pouco a perder. Para quem está no fundo do poço, qualquer mudança é lucro. Portanto, não se trata de coragem, mas sim de quão fudido você acha que você está. 

Para os que acham que eu estou viajando, leiam aqui sobre a Teoria do Prospecto (Prospect Theory) do Daniel Kahneman, um psicólogo que ganhou o prêmio nobel em economia. Ele mostra que a propensão da pessoas a assumir riscos depende do quanto elas tem a perder. Aqueles que tem pouco a perder assumem mais riscos, e aqueles que tem muito a perder assumem menos riscos. Portanto, não são os "corajosos" que decidiram buscar seu verdadeiro eu, ou a felicidade, ou algo diferente do que eles tinham. Nem são os medrosos que ficam acomodados em suas casas assistindo a novela. A propensão a mudar vem da conclusão de que sua vida está uma merda, e não de uma força inata e intrínseca dentro do seu ser.

É aqui que se torna chave, portanto, o balanço de fim de ano. O balanço precisa estar acurado para te dizer quão boa ou ruim anda sua vida e o medo que precisamos enfrentar não é o medo de mudar, mas é aquele medo que nos impede de fazer um balanço verdadeiro. A covardia não acontece porque o sujeito decide preservar a vida que tem, mas sim porque ele decide manipular a contabilidade de fim de ano para fingir que o balanço está positivo, quando no fundo ele sabe que não está. A coragem que se precisa é a coragem de fazer o balanço que avalia de verdade as contas. Portanto, desde que seja verdade, você pode e deve ter o direito de dizer que você está bem com seu emprego na prefeitura, feijão sem sal na companhia da sua família, e relaxar diante da TV no conforto da sua casa, mesmo que o capítulo da novela tenha sido ruim naquele dia. Ou seja, você tem todo o direito de resistir à pressão de ter uma vida profunda, intensa e cheia de significado, como exigem os ditames sociais do facebook.

Em suma, faça seu balanço, lembrando-se do escândalo da Enron: anos e anos de manipulação da contabilidade para gerar falsos resultados positivos podem gerar uma crise de proporções inimagináveis. E para lidar com isso, meu caro leitor, não tem internet. Só terapia mesmo.

P.S. - O livro do Kahneman foi uma das melhores coisas que li nos últimos anos. Recomendo.