sábado, 22 de dezembro de 2012

O Problema do Balanço de Fim de Ano

Chega no fim do ano e estamos supostamente todos fazendo balanços. Ano foi bom ou foi ruim? Quando vc começa a tentar responder a essa questão, uma série de outras perguntas aparecem e torna-se inevitável começar a fazer um balanço maior e mais complexo das nossas vidas. Afinal, o ano pode ter sido bom porque estão todos na família bem de saúde e empregados, mas será que estamos de fato felizes? A pergunta é inevitável. E a resposta nem sempre é fácil.

De repente, você descobre que, ao invés de ser o astronauta da Nasa que você sonhava ser quando tinha sete anos de idade, você trabalha para a prefeitura carimbando papéis todos os dias. Por um lado, esse emprego na prefeitura paga suas contas, garante a escola dos filhos, e te permite chegar em casa todo os dias as seis da tarde -- a tempo de jantar, brincar com os filhos e assistir a novela. A Nasa, em contrapartida, teria te dado uma vida profissional mais interessante e bem remunerada, mas o tempo para os filhos, para o jantar e para a novela seria certamente sacrificado. E é aqui que a tentativa de fechar o balanço começa a ficar complicada.

Alguns decidem que prefeririam a vida da Nasa, mas como não dá para fazer nada sobre isso agora, deixam a idéia para lá. O problema é que ignorar o sonho e continuar sua vida de funcionário público está cada dia mais difícil, em especial para quem usa a internet. Vejam, por exemplo, essa imagem (disponível no site http://www.baubauhaus.com/image/40062):


Os que frequentam as rede sociais, da mesma forma, são bombardeados diariamente com mensagens como essa abaixo (retirada da Comunidade "My better life" do facebook):

E quando você pensa em quantos anos te restam, quando você faz contas e calcula o seu saldo de vida – mesmo incluindo uns aninhos de “bônus” –, você se dá conta de que, ainda que você viva muito, mas muito mesmo, o fim vai chegar.

Mas, se você tiver embarcado na sua jornada em busca de si mesmo, você vai começar a perceber que não se deve medir o tempo em quantidade, mas sim em qualidade. Só importa a intensidade do que você vive, a profundidade do que você vive. 


Enfim, a internet pergunta na lata: você está vivendo a vida que queria viver? E, mais do que isso, muitos parecem te pressionar para dizer que não. Afinal, não há "profundidade e intensidade" em carimbos da prefeitura, jantar em casa e novela, certo? Bonito mesmo é ir atrás dos seus sonhos, por mais impossíveis que eles sejam, ao invés de se acomodar com o status quo. E para ir atrás dos seus sonhos é preciso coragem, dizem por aí. Ou seja, depois de passar o dia carimbando numa sala sem ar condicionado, comer feijão sem sal, assistir um capítulo ruim da novela e cuidar do seu filho doente, você ainda tem que ouvir de um bando de desconhecidos que você é infeliz e covarde. 

Pois eu estou aqui, usando a internet, para discordar desse povo. Não é preciso "coragem" para sair em busca da felicidade. Para se sair em busca da felicidade, é preciso que o balanço da sua vida esteja no negativo. Só assim a conta da busca fecha no positivo. Se a idéia de se livrar de tudo tem um custo muito alto, a empreitada pode ser desastrosa e há um risco altíssimo de que sua vida fique pior do que estava antes. É natural que o sujeito queira, portanto, assumir menos riscos. Mas quando já está tudo uma merda, não é difícil se embrenhar nessa busca, pois se tem muito pouco a perder. Para quem está no fundo do poço, qualquer mudança é lucro. Portanto, não se trata de coragem, mas sim de quão fudido você acha que você está. 

Para os que acham que eu estou viajando, leiam aqui sobre a Teoria do Prospecto (Prospect Theory) do Daniel Kahneman, um psicólogo que ganhou o prêmio nobel em economia. Ele mostra que a propensão da pessoas a assumir riscos depende do quanto elas tem a perder. Aqueles que tem pouco a perder assumem mais riscos, e aqueles que tem muito a perder assumem menos riscos. Portanto, não são os "corajosos" que decidiram buscar seu verdadeiro eu, ou a felicidade, ou algo diferente do que eles tinham. Nem são os medrosos que ficam acomodados em suas casas assistindo a novela. A propensão a mudar vem da conclusão de que sua vida está uma merda, e não de uma força inata e intrínseca dentro do seu ser.

É aqui que se torna chave, portanto, o balanço de fim de ano. O balanço precisa estar acurado para te dizer quão boa ou ruim anda sua vida e o medo que precisamos enfrentar não é o medo de mudar, mas é aquele medo que nos impede de fazer um balanço verdadeiro. A covardia não acontece porque o sujeito decide preservar a vida que tem, mas sim porque ele decide manipular a contabilidade de fim de ano para fingir que o balanço está positivo, quando no fundo ele sabe que não está. A coragem que se precisa é a coragem de fazer o balanço que avalia de verdade as contas. Portanto, desde que seja verdade, você pode e deve ter o direito de dizer que você está bem com seu emprego na prefeitura, feijão sem sal na companhia da sua família, e relaxar diante da TV no conforto da sua casa, mesmo que o capítulo da novela tenha sido ruim naquele dia. Ou seja, você tem todo o direito de resistir à pressão de ter uma vida profunda, intensa e cheia de significado, como exigem os ditames sociais do facebook.

Em suma, faça seu balanço, lembrando-se do escândalo da Enron: anos e anos de manipulação da contabilidade para gerar falsos resultados positivos podem gerar uma crise de proporções inimagináveis. E para lidar com isso, meu caro leitor, não tem internet. Só terapia mesmo.

P.S. - O livro do Kahneman foi uma das melhores coisas que li nos últimos anos. Recomendo. 

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