Estou há meia hora de pé, no meio de Ipanema, acenando para os táxis que passam. Hora do rush, todos com passageiros. De repente, um taxista pára na minha frente, desce do táxi e pergunta aonde estou indo. Para o aeroporto, respondo. Ele fica parado por cinco segundos, como se refletindo se valia a pena ir para o aeroporto ou não. Daí ele abre o porta-mala do carro e enquanto coloca minha mala, pergunta se eu tenho Nextel.
Enquanto especulo se o cara quer me dar algum calote, fico preparada para tirar a mala do carro e desistir da corrida, ainda que aquela talvez fosse a minha única opção de ir ao aeroporto naquele momento. Mas em dois segundos mudo de idéia. Numa reação quase instintiva, desisto de recuar e vou para o ataque:
- O senhor não tem celular?
Pergunta legítima, penso. Afinal, desde a época da privatização, as linhas de telefone móveis se tornaram acessíveis e quase todos os brasileiros. Portanto, a maioria das pessoas em grandes centros urbanos, como o Rio, tem celular. A resposta dele me assegura não é um esquema para engambelar turistas:
- Não. É que ELA tem Nextel.
“Ela”, pensei. Coisas do coração. O sujeito, atordoado pela paixão, desesperado para ligar para “ela”, não nota quão inapropriado é pedir para usar o Nextel do cliente. Ato mais do que compreensível, pensei. E respirei aliviada, pois um sujeito entregue dessa forma à paixão certamente não iria me dar um calote, montar um esquema para roubar turistas, ou fazer qualquer coisa de errado comigo. Não com maldade, ao menos.
Entramos no carro. De repente, ele olha para a banca da esquina e diz, me dá um minutinho que eu vou ver se eles vendem crédito pro celular. Penso com meus botões: corrida para o aeroporto, estou com mala, o sujeito devia ao menos ter perguntado se eu tinha tempo! Mas ele não perguntou nessa nem das três outras vezes em que ele parou no caminho, até achar uma banca onde ele pudesse comprar créditos para o celular dele.
Cada vez que ele descia do carro, deixando a chave na ignição e o motor ligado, eu imaginava o que aconteceria se um assaltante oportunista resolvesse roubar o carro. Ia levar uma cliente de brinde! Imagine que noite bem-sucedida: rouba o carro do taxista e a cliente numa tacada só -- e quase sem esforço. E só entrar, engatar a primeira e pisar no acelerador. Coisa de filme, pensei. Mas como o Rio é uma dessas cidades em que coisas de filme acontecem todos os dias, achei que o risco de que acontecesse comigo não era pequeno. Pelo contrário.
Mas o assaltante não veio. Quem veio foi o taxista desesperado que agora, com crédito no celular, resolveu ligar para a Marcia. Mas a Marcia estava muito brava. Muito mesmo. Ele se desculpou muitas vezes, mas ela não cedia. Ele foi ficando cada vez mais desesperado. Pediu para passar na casa dela pela manhã, ela gritou que não. Ele insistiu e ouviu mais impropérios. Ele implorou para ela se acalmar e falou que eles precisavam conversar com mais calma. Sugeriu que iria passar na casa dela “mais tarde”. Marcia não arredava o pé.
Erro grave que esse sujeito cometeu, pensei. Traição? Mentira? Roubou dinheiro dela? Difícil saber. A conversa não revolvia em torno do acontecido, pois a Marcia não queria mais saber dele. Não queria vê-lo nunca mais na vida. Ele tentava negociar apenas uma audiência. Uma chance de tentar falar com ela olhando no olho e talvez dissuadí-la da idéia de largá-lo.
Enquanto ele temia pela perda da Marcia, eu temia pela perda da minha vida e do meu vôo. Quanto mais tensa ficava a negociação, mais rápido e desgovernadamente ele dirigia. Não sei se o calor da discussão estava sendo canalizado para o trânsito, ou se ele queria chegar logo no aeroporto para correr para a casa da Marcia. Eu também não sabia se torcia pelo primeiro ou pelo segundo.
Se ele tivesse apenas atordoado com o calor da discussão, provavelmente não estava nem notando a forma perigosa como dirigia. Isso aumentava meu risco de vida. Se a pressa era para chegar mais rápido na casa da Marcia, o perigo diminuia um pouco (ele tinha mais ciência dos riscos que corríamos), mas a possibilidade dele parar o carro e me mandar descer a qualquer momento aumentava. Afinal, a prioriedade ali claramente era a Marcia, não eu. E pegar um táxi na Baía de Guanabara ou no aterro, naquele momento, não ia ser fácil. Mas, como eu disse, coisas que só acontecem em filme também acontecem no Rio todos os dias. E largar um passageiro no meio do caminho e correr para encontrar seu amor, convenhamos, é coisa de filme.
Pensei em reclamar com ele que ele não devia ter pego um passageiro sem antes lidar com os problemas pessoais dele. Depois pensei em dar uma desconto. Afinal, coisas do coração nos fazem fazer coisas sem sentido. Somos humanos. Mas cheguei à conclusão que as coisas do coração perdem a licença poética quando afetam terceiros desinteressados, como eu. Afinal, eu não tinha nada a ver com o assunto.
Na verdade, a coisa foi quase uma armadilha. Afinal, se ele tivesse me consultado anteriormente e perguntado se eu gostaria de ter uma corrida tão caótica e emocionalmente estressante para o aeroporto, eu recusaria. Quando descobri onde eu tinha me metido, todavia, eu não tinha como sair da situação.
E foi por isso que quando finalmente chegamos ao aeroporto milagrosamente sem sofrer nenhum acidente no caminho, eu resolvi pagar só a metade da corrida. O taxista protestou e por um segundo eu contemplei a possibilidade de fazer um discurso indicando tudo o que tinha de errado com o comportamento dele. Mas além de me chamar de paulistana enrustida, havia o risco dele querer discutir se eu estava certa ou errada sobre meu “código de conduta para taxistas apaixonados”. Para evitar esse risco, decidi falar o pouco de carioquês que eu aprendi na vida:
- Depois de uma corrida dessas, preciso de um whisky. E quem vai pagar a conta é você, amigo.
2 comentários:
Antes de tudo: adorei a história. Mas me pergunto se você se sentiu compelida a tomar o uísque - ou se contentou em apenas ter castigado o taxista, subtraindo dinheiro dele? Você não ter temido uma retaliação violenta de um homem claramente capaz de violência me faz supor que ele estava pronto a ser castigado, que ele estava pedindo. Essas coisas são tênues, mas existem: os nossos cérebros são sociais, e baseados em estruturas (do tronco e mesencéfalo) que percebem a tudo e impõe a todo material mental um clima emocional, antes e depois de qualquer processamento cognitivo, cortical.
Um aparte: na minha experiência de consultório, os homens frequentemente subtraem dinheiro de suas namoradas, esposas e amantes em gastos com o automóvel - parcela do empréstimo, IPVA, som do carro - e vão-se embora, ou são expulsos, com ou sem o carro, mas deixando para ela pagar. Não sei se é uma coisa apenas brasileira, mas chega a ser monótono. E os homens? Eles vêm menos aos consultórios, mas em casos correlatos, queixam-se da casa que ficou com a mulher, onde ele fez tal e qual melhoria, e da juventude perdida, dedicada a ela e aos filhos - e esquecem-se do carro, das mentiras, e de toda a sacanagem que em geral fizeram. Eles se sentem traídos em outros termos.
Mas voltando ao taxista: assim são as mulheres, ele pensaria, eu a resgato na avenida, sob o sol escaldante, e a entrego a tempo no aeroporto - e o que que eu recebo em troca? Mas também ele estará aliviado pelo castigo - e o castigo não é bem o dinheiro, mas esta frase ferina carimbada na mente.
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