domingo, 13 de outubro de 2013

O Canadá de Alice

A viagem estava planejada há mais de um mês, mas foi uma agradável surpresa pegar a estrada para visitar o interior do Canadá exatamente na semana em que Alice Munro ganhou o prêmio Nobel de literatura. Por uma feliz coincidência, alguns dias antes da viagem eu tinha ganhado de presente um livro de sua autoria. Estava eu na primeiras páginas da sua coleção de contos, quando peguei a estrada. No caminho, o prêmio foi anunciado. 

Visitar as pequenas cidades canadenses na região dos grandes lagos é como visitar o estúdio cinematográfico das histórias de Alice Munro. As casas antigas, os estábulos mal conservados, os campos arados, a brisa à beira do lago, está tudo lá, do jeito que ela descreve. Mais do que isso, as histórias de Alice oferecem uma janela, através da qual observamos todas as complicações e dramas que estão por trás da supostamente pacata vida rural. Suas histórias ilustram as tensões subjacentes à cordialidade e simpatia dos habitantes dessas pequenas comunidades. E acabam por mostrar as sutilezas e complexidades de um Canadá praticamente inacessível àqueles que habitam as grandes cidades. 

É a quinta vez que viajo para a zona rural do Canadá, mas essa foi a primeira vez em que eu estava mais interessada nas pessoas por trás das paisagens. O cenário é estondeante (em especial a folhagem de outono, com árvores em tons de amarelo, laranja e vermelho). Por causa disso, nas viagens anteriores, estava olhando as árvores. E basta um único urbanite ter tido a sorte de ver um animal selvagem, ainda que por 10 segundos, e não se fala sobre mais nada o resto do dia. "Vi um veado! Um peru selvagem estava no meio da estrada...Olha o salmão nadando rio acima para desovar." Esse é o principal tópico de conversa nos grupos que estão por lá apenas para passar o fim de semana. 

Mas Alice Munro mostra que há vida também dentro daquelas casas mal conservadas. Há trabalhadores dentro dos estábulos, cada qual com uma história de vida diferente. Aquela pessoa dirigindo aquele trator ou ordenhando aquelas vacas, teve uma vida tão fascinante, que ela poderia se tornar a personagem principal de um romance. Ou seja, os contos de Alice nos obrigam a procurar pelas pessoas dentro das casas, a tentar advinhar o que se passou durante a longa vida daquela senhora que caminha a passos lentos pela estrada de terra, e a tentar ler nas entrelinhas os disabores vivenciados pelo dono da loja de conveniência que te recebe com um sorriso, como se você fosse um velho conhecido.  

Alice humanizou uma parte do Canadá que parecia desabitada. Iluminou dramas e tensões que antes se desenrolavam em um palco escuro. E trouxe à vida pessoas que no passado não passavam de fantasmas à sombra de paisagens cinematográficas e animais silvestres. Por isso ela merece um Nobel, e a profunda gratidão de todos nós.
  

 




2 comentários:

claudio disse...

seu fascinante relato merece ser publicado na grande imprensa, em resposta aos (poucos) que tentaram desqualificar o trabalho de Alice.

Anônimo disse...

Dá até vontade de sair viajando por esses lugares! Fantástico Mariana.
Aires.