sábado, 17 de maio de 2014

Despedidas

Saí de Brasília em 1994. Era um tarde quente e ensolarada, como quase todas as tarde no planalto central. Para mim, tudo aquilo era uma grande aventura. Sair da casa dos meus pais. Mudar para uma cidade nova. Explorar novos horizontes. Conhecer novas pessoas. Minha animação com tudo de novo que estava por vir era tanta, que eu não estava prestando atenção no que eu estava deixando pra trás. Só olhava pra frente. 

Hoje, vinte anos depois, me despeço de Londres onde passei os últimos 5 meses. E essa despedida completamente diferente da despedida em Brasília. Estou contando tudo que estou fazendo pela última vez. Última viagem no metrô, último jantar no meu restaurante preferido, último latte na esquina do escritório. Estou apenas olhando para trás e contabilizando tudo que vou deixar de fazer, ver, apreciar e degustar a partir de segunda-feira. E a razão para toda essa melancolia não é a falta de motivos para estar animada com tudo que tenho pela frente. Pelo contrário. Enquanto em 1994 toda minha animação era motivada pela oportunidade de viver e morar na paulicéia desvairada, agora a animação deveria ser ainda maior: vou visitar 8 países nos próximos dois meses. Mas não é. 

Foi só hoje, no meio das despedidas, que eu entendi porque os olhos da minha mãe se encheram de água na rodoviária de Brasília há 20 anos atrás. Lembro de entrar no ônibus intrigada com aquilo. Eu não ia desintegrar. Vinha visitar. Prometi ligar todos os dias. Na minha cabeça, não havia motivo para tristeza. Eu  "só" estava mudando pra São Paulo. Mas hoje, durante o último almoço com as pessoas com quem eu convivi nesses cinco meses, meus olhos encheram de água também.

É possível manter contato via skype, mas não é a mesma coisa que decidir espontaneamente tomar uma cerveja depois do expediente. É possível mandar uma mensagem perguntando se está tudo bem, mas não é a mesma coisa que estar ali, e ver na cara da pessoas que algo não está bem. E ainda que possa haver novos reencontros, eles não serão nos lugares que viraram nossos restaurantes favoritos. Nem serão as mesmas conversas, pois nossas vidas não vão mais estar interligadas da forma que estavam quando estávamos todos juntos trabalhando no mesmo lugar.

Obviamente, os laços que desenvolvi em 17 anos de Brasília eram muito mais profundos que aqueles que desenvolvi em 5 meses em Londres. Mas precisei de 20 anos para entender que algo intangível  se perde quando saímos de um lugar. Isso, obviamente, não é motivo para ficar. Mudanças nos rejuvenescem. Novas experiências fazem bem pra alma. Novas pessoas virão. Mas antes de olhar para frente, decidi parar aqui um momento para celebrar o fato de que hoje, finalmente, entendi o poema de T.S. Eliott:


What we call the beginning is often the end
And to make an end is to make a beginning.
The end is where we start from.  And every phrase
And sentence that is right (where every word is at home,
Taking its place to support the others,
The word neither diffident nor ostentatious,
An easy commerce of the old and the new,
The common word exact without vulgarity,
The formal word precise but not pedantic,
The complete consort dancing together)
Every phrase and every sentence is an end and a beginning,
Every poem an epitaph.  And any action
Is a step to the block, to the fire, down the sea's throat
Or to an illegible stone: and that is where we start.
We die with the dying:
See, they depart, and we go with them.
We are born with the dead:
See, they return, and bring us with them.
The moment of the rose and the moment of the yew-tree
Are of equal duration.  A people without history
Is not redeemed from time, for history is a pattern
Of timeless moments.  So, while the light fails
On a winter's afternoon, in a secluded chapel
History is now and England.
  With the drawing of this Love and the voice of this Calling

   We shall not cease from exploration
And the end of all our exploring
Will be to arrive where we started
And know the place for the first time.
Through the unknown, remembered gate
When the last of earth left to discover
Is that which was the beginning;
At the source of the longest river
The voice of the hidden waterfall
And the children in the apple-tree
Not known, because not looked for
But heard, half-heard, in the stillness
Between two waves of the sea.
Quick now, here, now, always - 
A condition of complete simplicity 
(Costing not less than everything) 
And all shall be well and
All manner of thing shall be well
When the tongues of flame are in-folded
Into the crowned knot of fire
And the fire and the rose are one.

domingo, 11 de maio de 2014

Esteriótipos (IV): os Portugueses

Esse post fecha minha série sobre esteriótipos. Faltava apenas um post sobre esteriótipos equivocados. Minha aula sobre nossos equívocos veio de uma visita inesquecível à terrinha.

Assim que coloquei meu pés em terras portuguesas, descobri que absolutamente ninguém em Portugal fala  "ora pois". Mas o mais interessante não é isso, e sim a elegância e generosidade com que eles nos acolhem, apesar da infâme piada. Afinal, não custaria nada fazer chacota do bando de brasileiros que grosseiramente chega lá repetindo isso a torto e a direito, sem antes checar se é de fato verdade. E eu, infelizmente, fui uma dessas pessoas. Entretanto, a reação deles me surpreendeu. Ao invés de se portar como nós nos portaríamos -- fazendo piada dos outros --, os portugueses gentilmente me informaram que eles não usam essa expressão, mas queriam entender a origem dessa lenda urbana. Imaginam eles que faça parte de um português arcaico que acabou por sobreviver mais tempo entre os imigrantes no Brasil, mas desapareceu por lá. Eu não consegui descobrir, infelizmente.

E esse episódio ilustra bem o quanto nossa impressão de Portugal é equivocada. Ao contrário dos boatos que correm por aí, descobri em Portugal um povo inteligente, muito pouco literal, e falando um português que parecia pura literatura. Acho que o fato de que eu convivi apenas com pessoas do meio acadêmico durante minha estadia deve ter contribuído para isso. Ainda assim, acho que vale registrar isso aqui.

Quando perguntei sobre os boatos que os brasileiros espalham sobre portugueses sendo muito literais, a resposta foi: "é compreensível que haja ressentimento por causa da relação colonial. Nós não temos motivo para nutrir isso. Portanto, olhamos para seu país como iguais, e esperamos ser tratados como tais, ainda que isso não ocorra sempre. E nosso sentimento é, por vezes, de preocupação -- está o Brasil indo na direção certa? -- mas, na maior parte das vezes, com admiração. As novelas, a música e a literatura brasileira nos encantam."  

E para provar isso, fica aqui, para quem ainda não viu, o relato emocionante de um escritor português sobre os(as) brasileiros(as) na FLIP, a feira literária de Parati



Portanto, além da minha declaração de amor, deixo aqui meu agradecimento a Portugal. Por ter me recebido de braços abertos, pela generosidade e interesse em nossa cultura, pela paciência com nosso "ressentimento" e por responder com tanta elegância as nossas grosserias. 

Portugal me ensinou muito sobre a vida e sobre a nossa história comum. E ainda tenho muito a aprender com os portugueses. Por isso, de todos os lugares que visitei, esse é o lugar aonde quero voltar muitas vezes. E não acreditem nas más línguas que ficam criando falsos esteriótipos e andam dizendo por aí que eu só quero voltar por causa do pastéis de belém!