sábado, 28 de novembro de 2015

A cidade lar


Em inglês, cidade natal é descrita como hometown. E há uma certa sabedoria implicita no termo. Não é a cidade onde você nasceu, mas sim a cidade onde você se sente em casa. Enquanto seu nascimento é um evento remoto e potencialmente pouco relevante pra você nesse momento, provavelmente a idéia de lar não é. Ao contrário, por mais que nos encontremos distantes do nosso local de nascimento, estamos sempre em busca de um lugar que "feels like home".

Apenas notei a sabedoria do termo em inglês quando me deparei com o fato de que eu sempre comparo as cidades onde estou morando com Brasília. E o exercício, em geral, é tentar achar as similaridades, em especial aquelas que me fazem me sentir em casa.

No verão que morei em Washington, não parava de admirar a organização lógica das ruas, avenidas e quadras. Afinal, quem cresceu com planejamento urbano matemático, nunca vai se acostumar com planejamento urbano orgânico, como em Toronto; ou falta de qualquer planejamento urbano, como em São Paulo. 

Outras coisas que sempre procuro são os espaços verdes e abertos. New Haven, uma cidade pequena nos Estados Unidos onde fiz meu doutorado, e os subúrbios de Toronto são cheios deles. E, assim como Brasília, eles vêem com um preço: é quase impossível viver lá sem um carro. Ou seja, ganhem-se as árvores e perdem-se os pedestres. Eu preferiria ter ambos, como nas superquadras de Brasília. Mas é difícil encontrar superquadras fora de Brasília...

Os prédios modernistas é um outro item que chama imediatamente minha atenção. Em qualquer selva de pedra com os mais variados estilos arquitetônicos, minha tendência é ignorar todo o resto no momento em que o prédio modernista se materializa na minha frente. Ao menos essa é a lembrança que mais me marca durante meus períodos vivendo em Boston, Londres e Toronto. 

E até recentemente eu não tinha achado um lugar com um céu tão azul quanto o de Brasília. Achei no mês passado: Sedona, no deserto do Arizona. E com o céu vêm também o tempo seco, a vegetação rasteira e esparsa e muitos calangos. 

Mas a melhor surpresa foi encontrar um prédio modernista, Chapel of Holy Cross, desenhado por uma discípula do Frank Lloyd Wright, no meio das lindas formações rochosas do Arizona.  Enquanto o modernismo parece não agradar a maioria das pessoas, eu ainda não conheci alguém que cresceu em Brasília e não gosta do estilo. Acho que quando você é constantemente -- e quase exclusivamente -- exposto a esse tipo de arquitetura nos seus anos de formação, é quase como se a estética ficasse impregnada no seu cérebro. Resultado: enquanto para o resto do mundo modernismo é exceção, para mim é norma. Se Sedona tivesse umas superquadras e uma universidade, me mudava pra lá no dia seguinte.

Na maior parte das vezes o português é muito mais poético que o inglês, mas hometown é uma exceção a essa regra. A palavra capta com muito mais sensibilidade essa conexão emocional inexplicável com a cidade onde nascemos e crescemos. Por mais estranha que ela seja -- e Brasília, convenhamos, é pra lá de estranha! -- nossa hometown acaba definindo, em grande parte, o que consideraremos, para o resto da vida, lar.

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Meu pai é um lorde


Há exatamente um ano, visitei minha cidade natal e me reuni com vários amigos de infância. Muitos abraços e beijos depois, abriram-se as cervejas e começou a conversa. As histórias, como podem imaginar, eram muitas. Disputamos quem era a criança mais comportada e quem era a menos comportada. Debatemos também quem era a mais dissimulada - fingia-se de comportada entre os adultos, mas era o capeta quando ninguém estava vendo. As memórias eram boas, e concluímos todos que tivemos, de fato uma infância feliz. 

De repente, alguém na roda pergunta quem lembrava do meu pai. Foi uma avalanche de histórias. Tio C. levava a gente por parque, lembram?  Ele também levava a gente pra passear de bicicleta. Todos concordaram que era o máximo se aventurar de bicicleta acima dos limites geográficos normalmente permitido para crianças... E quando ele colocava todas as crianças no fusca e transformava as ruas da cidade na nossa montanha russa privada? Todo mundo gargalhou com a lembrança. 

A conclusão foi unânime: 
- O Tio C. era o melhor!
- Em especial quando comparado com os nossos pais, alguém menos tímido anunciou. 

E daí foi uma outra avalanche de histórias bem menos elogiosas. 

- É, nossos pais só queriam ver jogo de futebol da TV e beber cerveja. Em contraste, Tio C. descia no meio da tarde de sábado com melancia cortada pra gente comer. 
- O pior é a fixação dos nossos pais com os carros. Trocavam de carro todo ano. E davam mais atenção pro carro do que pra gente. O tio C. não! Teve o fusquinha por anos. E ainda levava a gente pra passear nele. Nunca vi tanta criança dentro de um carro... 

Daí veio a sentença final: tio C. era um lorde, perto dos ogros que chamamos de pais.

E o que a criançada não sabia era que, além de ser um lorde fora de casa, meu pai era um um lorde dentro de casa também. Um lorde vegetariano, praticante de yoga e amante da natureza. Portanto, não era só nas brincadeiras que ele era diferente dos outros pais. Ele nos ensinava a importância de comer bem, fazer alongamentos de manhã, relaxar os músculos com meditação antes de dormir, reciclar o lixo e economizar água. Ou seja, coisas que acabaram influenciando minha vida para sempre, e para melhor. 

Quando vejo meus amigos sendo pais hoje, tenho a impressão de que há bem menos ogros nesse mundo. Não sei se é porque eles tiveram a sorte de ver um tio C. em ação quando eram crianças, ou se meu pai estava muito a frente do seu tempo. Em qualquer um dos casos, quantos mais pais como meu pai, melhor!