A América Latina é sempre uma caixinha de surpresas. O Brasil, sozinho, sempre me surpreende, mas nem sempre positivamente.
Cheguei no Brasil quando a seleção já estava na África do Sul, se preparando para o primeiro jogo. Achei impressionante como o noticiário da globo passou os primeiros 15 minutos falando sobre a rotina dos jogadores (o que eles comeram, quantas horas dormiram, se sairam ou não do hotel) para depois dedicar meros 5 minutos ao fato de que o crescimento do PIB brasileiro atingiu 9%. Um crescimento econômico deste nível não é pouca coisa: a China é um dos poucos países que atualmente consegue ter (e manter) esse nível de crescimento. E uma pergunta importante é como conseguimos chegar nesse patamar, e se será possível mantê-lo. Mas não era esse o foco do noticiário. Depois de meros 5 minutos sem oferecer qualquer informação relevante, o jornal voltou para a África do Sul e gastou mais uma quantidade valiosa de tempo com os jogadores, apesar de não se ter qualquer notícia sobre os mesmos.
Depois disso, a segunda coisa que me surpreendeu foi a excessiva preocupação com a aparência. Em especial as mulheres (mas os homens não ficam muito pra trás). Eu nunca fui muito de notar roupas e apetrechos. Ultimamente, todavia, tenho prestado mais atenção nisso. E foi com espanto que vi todas as pessoas no avião e depois na Paulista com roupas todas combinando, acessórios de última moda, com cabelos cortados e arrumados. Daí quando a pessoa abre a boca, ouve-se ou um português horrível, ou uma conversa absolutamente desinformada sobre algo completamente irrelevante. É absolutamente incrível a inversão de prioridades nesse país. Falar corretamente e conversar sobre assuntos sérios parece ser coisa de gente antipática e prepotente. Sorrir bastante, fazer piadinhas infantis e comprar roupas caras é a ordem do dia! De vez em quando, ouço algum comentário sobre como os americanos se vestem mal. Eu não me importo. Pelo menos eles conseguem ter uma conversa minimamente inteligente... Como não frequento desfiles de moda (e para tornar tudo ainda pior, sou uma acadêmica), em geral o que a pessoa pensa me parece mais relevante do que a forma como ela está vestida.
Vale dizer que em ambos os países muitas pessoas só parecem estar preocupadas em mostrar que são classe média ou alta. A diferença é que no Brasil você mostra isso com roupas, enquanto nos EUA você mostra isso com sua sofisticação intelectual. E não é difícil entender por que. Qualquer um consegue comprar roupas caras no país do consumo, onde o crédito é abundante e o sistema financeiro tem o maior prazer de acolher a todos sem discriminação (desde que gerem lucros!). No Brasil, apesar da recente inclusão das classes D e E na economia (graças ao fim da inflação e à maior oferta de crédito), os pobres ainda estão usando as benesses do capitalismo para comprar fogões, geladeiras e TV. Portanto, a classe média ainda consegue se diferenciar com roupas e carros. Além disso, em um país onde corrupção rola solta, dinheiro é poder, infelizmente. Portanto, mostrar que você tem dinheiro ainda ganha mais pontos nesse meu Brasil brasileiro.
Por fim, o Brasil me impressionou pela quantidade de obras públicas. Na minha última visita, estavam terminando a expansão da marginal. Agora a bola da vez é o Rodoanel. O trânsito de São Paulo continua parado, e eu não vi qualquer melhora, apesar das grandiosas e vistosas obras do governo do estado. Por que? Acho que uma boa explicação foi uma pesquisa que eu vi na conferência em Yale. A pesquisa mostrava que em países com altos índices de corrupção, há muitas obras de infraestrutura e poucas políticas públicas. Isso ocorre porque não há incentivos para se resolver o problema, mas sim para beneficiar alguns poderosos (como as empreiteiras) para conseguir apoio político, em geral financeiro, para as próximas eleições. Além dos políticos embolsarem um tiquinho também. E bem ou mal o eleitorado vê a obra e acha que alguma coisa foi feita. Ou seja, se eles tivessem gastado metade do que gastaram com a expansão da marginal com uma equipe de especialistas, hoje provavelmente teríamos um plano para resolver o problema de transporte em São Paulo cujo resultado teria sido mais efetivo. Porém isso não dá ibope, nem dinheiro para campanha...
Ainda sobre o trânsito em São Paulo, acho que também não ajuda nada o fato de que a classe média e alta faz questão de andar de carro. Carro é símbolo de status. Portanto, política que desafoga o trânsito ganha apoio desse povo. Todavia, política que melhora o transporte público não tem ibope junto às classes mais abonadas, que querem se diferenciar das classes D e E. Essa atitude também não ajuda muito.
E assim vai o Brasil, se afundando cada vez mais nesse buraco que eles mesmo estão cavando pra se enterrar. E quando eu achei que já tinham cavado o mais fundo possível, eu chego aqui para descobrir que infelizmente eu estava errada...
2 comentários:
Professor Prado, with respect, I disagree with your conclusions drawn from the comparison between Americans and Brazilians. I suspect that Brazilians are no more or less likely to be engaged with public issues than Americans or Canadians, for that matter.
Your analysis suffers from an overly narrow sampling of Americans. You have largely engaged with Americans in intellectual hubs: Yale, New Haven (filled with an academic set), conferences, NYC, Chicago, etc -- all of which are places where the average person is more likely to have developed sophisticated views. But you have not really engaged with Americans, just a small portion of them, most of whom are predisposed to being as interested in a country's GDP as you.
If you would venture out of the intellectual hubs and into everyday America, you would find many people for whom image (represented in one's clothing, home, and car) is the most important thing. You should watch Rick Mercer's "Talking to Americans" as an example. Or watch American television to develop a sense of what amuses Americans. I know of high schools where the budget for the football program (American football, not soccer) is as big, if not bigger than, the budget for the school library. What does that say about the quality of American schools? Certainly not that there is a major concern with producing intellectually engaged citizens.
You complain that the news broadcast is filled with news about soccer and only marginally with information about GDP growth rates. I personally have watched the 6pm news in Michigan where the lead story was how the local high school football teams fared. The local high school teams -- this is the level of engagement this particular community had with the state, country, and world at large.
For the vast majority of Americans, status is determined by your car, the location of your home, and what you wear. Where you went to school is important, but not because of what you might know, but because of superficial conclusions about status. I will immediately add, least one think that I am being an arrogant Canadian, that the same is roughly true for many Canadians.
Canadians do tend to be slightly more knowledgeable and engaged than many Americans, but only because we have to be. Citizens of minor powers have no choice but to be a bit more engaged since our work, entertainment choices, etc often engage countries outside of Canada. Believe me: outside the university community in Toronto exists a city of people who would rather watch the hockey game than hear about the GDP, trade, public works, art, or literature. They are good people, all the same. They simply have different priorities.
I also want to raise a point about the lack of progress made on dealing with Sao Paulo's traffic problems. No amount of new road building will fix them. More roads usually results in more cars and more congestion. The better solution is an extensive public transit system and less roads, in order to convince people to take public transit rather than drive. Other good solutions include toll roads and expensive permits to drive in the city centre (e.g. London, UK). From an environmental perspective, Brasil's ineptitude at building more traffic infrastructure in Sao Paulo is actually doing the world a favour: less roads means less cars on the roads and less pollution. I say plant a few trees and be thankful for the bureaucratic ineptitude that keeps more roads from being built (although pressure for better public transit would be a good thing).
Here ends my lengthy reply. I would be happy to demonstrate to you that there are many Americans and Canadians that are just as unengaged in public affairs as Brazilians. All I need to do is bring you to one of my family reunions....
mariana,
ainda bem que vc tem uma amiga que não odeia o brasil e que, talvez, possa te mostrar que as coisas não são tão preto-no-branco quanto vc imagina.
by the way, quanto tempo vc permaneceu em são paulo para perceber se o trânsito melhorou ou não? ou para conversar com as pessoas da rua que vc julga se preocuparem apenas com a aparência?
acho que vc, mais do que eu, deve saber que comparações generalizadas são pouco produtivas.
e, por último, eu queria te contar uma coisa: não adianta vc se considerar estrangeira; vc vai ser sempre brasileira. (in)felizmente!
um beijo (com calor latino) da sua irmã
Postar um comentário