Na época da FLIP (a feira literária de Parati), J. fez questão de me mostrar uma frase que Drummond colocou no excelente blog dele:
"Quando homens escrevem sobre mulheres, é literatura universal. Quando mulheres escrevem sobre mulheres, é literatura para mulheres."
Não lembro o autor da frase, mas disputei imediatamente a afirmação, citando Virginia Woolf como o melhor exemplo de uma mulher que escreve sobre mulheres e é considerada literatura universal. J. tentou me convencer que Virginia Woolf era uma exceção, não a regra. Ainda assim eu resisti.
Semana passada, todavia, a Elizabeth Gilbert veio ajudar J. a me convencer de isso de fato acontecia. Gilbert lançou um livro chamado Comprometida (Committed), que possui um prefácio revelador. Liz Gilbert diz que antes de lançar um livro que virou um megasucesso, ela era uma escritora conhecida por algumas pessoas, predominantemente em círculos literários, e com um grupo fiel de leitores. O mais interessante é que ela escrevia sobre homens, e para homens. Os personagens dela eram todos homens, machões, caubóis, etc.
Daí ela decidiu escrever Eat, Pray, Love como um processo catártico pós-divórcio. Ela esperava que seu grupo fiéis de leitores perdoassem ela pelo tom autobiográfico, e por mudar o tema para uma mulher, e esperava que o livro fosse devidamente esquecido em pouco tempo. Mas -- como sabemos -- não foi bem isso que aconteceu. O livro virou um megasucesso, especialmente entre as mulheres. Agora Liz Gilbert é percebida como uma autora que escreve chick lit, ou seja, literatura para mulheres. Como sempre, a descrição dela desse processo não é ofensiva, ou rancorosa, ou judgmental. É apenas uma análise bem humorada e curiosa de onde a vida dela foi parar, sem que ela tivesse planejado nada daquilo. Mas, ainda assim, confirma a tese que apresentaram na FLIP e me deixou com outra pulga atrás da orelha.
Pra completar, ontem ouvi no rádio uma reportagem sobre um boicote a uma das principais revistas norte-americanas, a New Yorker, devido ao fato de que a maior parte dos artigos publicados é escrito por homens. O protesto -- que virou boicote -- começou no facebook e tomou conta da mídia americana (Viu? Eu disse: tudo hoje acontece no facebook. Veja meu post anterior). E o que era uma reclamação contra o New Yorker, virou uma reclamação contra a imprensa em geral. Parece que não é só o New Yorker que não está devidamente balanceando sua seleção de artigos.
O programa de rádio chamou editores das principais publicações canadenses, bem como acadêmicos, para avaliar o problema. O resumo da história é o seguinte: apesar do número de escritoras mulheres ser o mesmo (ou maior) que o número de escritores homens, elas se promovem menos, são menos agressivas em tentar "vender" seus artigos, muitas saem do mercado de trabalho quando têm filhos e depois têm dificuldade de voltar. Ou seja, todos falaram que para publicar um mesmo número de artigos de homens e mulheres, eles precisam fazer um esforço muito maior para achar mulheres, pois seus artigos não estão naturalmente chegando nas editorias para serem avaliados.
Fiquei pensando até que ponto o problema que se manifesta da literatura também não ocorre nessas revistas. Ou seja, as mulheres não se importam de ler um artigo escrito por um homem, mas os homens acham que uma autora mulher vai escrever sobre coisas para mulheres. Ninguém chegou a sugerir isso durante o programa, mas chamaram a atenção para o fato de que os esteriótipos frequentemente governam as revistas, ainda que não tenham qualquer fundamento. Por exemplo, a vasta maioria de compradores de carros são mulheres. Além disso, quando se está comprando carro para a família, a opinião da mulher é sempre determinante do modelo que vai ser escolhido. Ainda assim, as propagandas de carro se concentram em revistas masculinas, e são predominantemente desenhadas para um público masculino.Por que? Porque as pessoas ainda acham que carro é coisa de homem...
Moral da história: mulheres compram carros e escrevem literatura universal, mas o mundo que não quer ver, pois algumas pessoas ainda acreditam que há "coisas de mulher". Não sei se dá para fazer muito contra esses esteriótipos, mas pelo menos dá para as mulheres mudarem o comportamento delas, abandonando o pressuposto de que elas não podem se promover ou ser agressivas na busca de oportunidades. Sem uma mudança radical na forma como nós nos comportamos, não vamos conseguir mudar nada disso tão cedo.
E não sou só eu que penso isso:
P.S. - Esse post é dedicado a S. que -- diferentemente da maioria das mulheres -- decidiu ir pedir um aumento de salário na semana passada e descobriu que se a gente ficar sentada esperando que as pessoas reconheçam nosso valor, não vamos chegar a lugar nenhum!
"Quando homens escrevem sobre mulheres, é literatura universal. Quando mulheres escrevem sobre mulheres, é literatura para mulheres."
Não lembro o autor da frase, mas disputei imediatamente a afirmação, citando Virginia Woolf como o melhor exemplo de uma mulher que escreve sobre mulheres e é considerada literatura universal. J. tentou me convencer que Virginia Woolf era uma exceção, não a regra. Ainda assim eu resisti.
Semana passada, todavia, a Elizabeth Gilbert veio ajudar J. a me convencer de isso de fato acontecia. Gilbert lançou um livro chamado Comprometida (Committed), que possui um prefácio revelador. Liz Gilbert diz que antes de lançar um livro que virou um megasucesso, ela era uma escritora conhecida por algumas pessoas, predominantemente em círculos literários, e com um grupo fiel de leitores. O mais interessante é que ela escrevia sobre homens, e para homens. Os personagens dela eram todos homens, machões, caubóis, etc.
Daí ela decidiu escrever Eat, Pray, Love como um processo catártico pós-divórcio. Ela esperava que seu grupo fiéis de leitores perdoassem ela pelo tom autobiográfico, e por mudar o tema para uma mulher, e esperava que o livro fosse devidamente esquecido em pouco tempo. Mas -- como sabemos -- não foi bem isso que aconteceu. O livro virou um megasucesso, especialmente entre as mulheres. Agora Liz Gilbert é percebida como uma autora que escreve chick lit, ou seja, literatura para mulheres. Como sempre, a descrição dela desse processo não é ofensiva, ou rancorosa, ou judgmental. É apenas uma análise bem humorada e curiosa de onde a vida dela foi parar, sem que ela tivesse planejado nada daquilo. Mas, ainda assim, confirma a tese que apresentaram na FLIP e me deixou com outra pulga atrás da orelha.
Pra completar, ontem ouvi no rádio uma reportagem sobre um boicote a uma das principais revistas norte-americanas, a New Yorker, devido ao fato de que a maior parte dos artigos publicados é escrito por homens. O protesto -- que virou boicote -- começou no facebook e tomou conta da mídia americana (Viu? Eu disse: tudo hoje acontece no facebook. Veja meu post anterior). E o que era uma reclamação contra o New Yorker, virou uma reclamação contra a imprensa em geral. Parece que não é só o New Yorker que não está devidamente balanceando sua seleção de artigos.
O programa de rádio chamou editores das principais publicações canadenses, bem como acadêmicos, para avaliar o problema. O resumo da história é o seguinte: apesar do número de escritoras mulheres ser o mesmo (ou maior) que o número de escritores homens, elas se promovem menos, são menos agressivas em tentar "vender" seus artigos, muitas saem do mercado de trabalho quando têm filhos e depois têm dificuldade de voltar. Ou seja, todos falaram que para publicar um mesmo número de artigos de homens e mulheres, eles precisam fazer um esforço muito maior para achar mulheres, pois seus artigos não estão naturalmente chegando nas editorias para serem avaliados.
Fiquei pensando até que ponto o problema que se manifesta da literatura também não ocorre nessas revistas. Ou seja, as mulheres não se importam de ler um artigo escrito por um homem, mas os homens acham que uma autora mulher vai escrever sobre coisas para mulheres. Ninguém chegou a sugerir isso durante o programa, mas chamaram a atenção para o fato de que os esteriótipos frequentemente governam as revistas, ainda que não tenham qualquer fundamento. Por exemplo, a vasta maioria de compradores de carros são mulheres. Além disso, quando se está comprando carro para a família, a opinião da mulher é sempre determinante do modelo que vai ser escolhido. Ainda assim, as propagandas de carro se concentram em revistas masculinas, e são predominantemente desenhadas para um público masculino.Por que? Porque as pessoas ainda acham que carro é coisa de homem...
Moral da história: mulheres compram carros e escrevem literatura universal, mas o mundo que não quer ver, pois algumas pessoas ainda acreditam que há "coisas de mulher". Não sei se dá para fazer muito contra esses esteriótipos, mas pelo menos dá para as mulheres mudarem o comportamento delas, abandonando o pressuposto de que elas não podem se promover ou ser agressivas na busca de oportunidades. Sem uma mudança radical na forma como nós nos comportamos, não vamos conseguir mudar nada disso tão cedo.
E não sou só eu que penso isso:
P.S. - Esse post é dedicado a S. que -- diferentemente da maioria das mulheres -- decidiu ir pedir um aumento de salário na semana passada e descobriu que se a gente ficar sentada esperando que as pessoas reconheçam nosso valor, não vamos chegar a lugar nenhum!
6 comentários:
Para S.: Vai S.! Ahaza, menina!
Para M.: Told ya.
Interesting post. I have one example and one counter-example. First, an example of how women contribute to their own stereotyping (or have we been socializing into thinking this way?). First, in both soccer and hockey, I have noticed that teams (usually my team) that play the game hard are quickly labeled with an unflattering term that begins with "b" and rhymes with "itches". We are not unsportsmanlike. We don't cheat and we don't play dirty. But we don't back off either. We rarely apologise after we do challenge. We challenge for the puck or ball. We play close coverage. Some might call this aggressive play. Whatever. The point is, in women's sports, this type of play is considered unseemly and will earn you a rather unpleasant title. Of course, my teams wear the title as a badge of honour, but that is an entirely different story.
And now the counter-example: CanLit. That is, Canadian literature. It is rife with women authors whose work is rightly considered "literature" (note "literature for women"). Examples: Margaret Laurence (my personal favourite; read "A Bird in the House" or "The Stone Angel"), Margaret Atwood (true, most Canadians don't "get" Atwood, including me), Gabrielle Roy, Alice Munroe, and Carol Shields. Note that a number of these women have won international awards for their work. Moreover, their work has been recognized favourably by their male counter-parts. See Al Purdy's wonderful poetic tribute to Margaret Laurence. I should also point to one American example: Emily Dickinson, who also is rightly considered one of the great American poets. Perhaps Wolf was not the exception to the rule after all.
Heh heh...I just realized that I did not proof read my post. There are a few errors and my A-type personality wishes to apologise for them. I will only correct one (of the several) errors. The reference to women in Canadian literature should state: "It is rife with women authors whose work is rightly considered "literature" (NOT "literature for women")."
This correction gives me the opportunity to underline that Canadian literature does not follow J's thesis at all. Indeed, I recall having taken one course in Canadian literature in which at least 50% or more of the course was devoted to female authors. As far as Canadian literature goes, the contribution of women authors is well recognized and studied.
\o/ thanks a lot!!!
beijos
s.
Thanks for bringing some Canadian content to my supposedly Canadian blog, T. You are making the bog deserve its name. All the best, M.
No problem, Prado. I'm just trying to ensure that you comply with CRTC Canadian content rules. You realize, of course, that I don't work for free. My bill is in the mail. ;)
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