segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Um mestre das políticas públicas

No fim da semana passada a faculdade organizou uma conferência para homenagear um de nossos colegas, o Michael. Ele é mundialmente famoso por trabalhar com as mais diversas políticas públicas, incluindo políticas para desenvolvimento. Atualmente ele está desenvolvendo argumentos contra a adoção de energia eólica e já comprou uma briga pública com as empresas de moinhos de vento (com direito a debate nos principais jornais do país e tudo). O último editorial saiu no mesmo dia em que a conferência começou.

Qualquer semelhança entre o Michael e Dom Quixote, todavia, é mera coincidência. As brigas dele são contra coisas que importam. Antes de começar a lutar contra os moinhos de vento, o Michael tinha sido convidado para avaliar o sistema de assistência jurídica gratuita do governo de Ontario (acho que é o equivalente da nossa defensoria pública). Ele produziu um relatório dizendo que o sistema funciona para quem é muito pobre, mas a classe média fica a ver navios, pois eles não têm dinheiro pra pagar advogados nem são pobres o suficiente pra receber a assistência gratuita do governo. E, segundo ele, tem um número significativo de pessoas nessa situação.

Eu tinha achado interessante o relatório até ver hoje um exemplo concreto na minha frente. O faxineiro da escola chegou passando mal, vomitando, etc. Falei pra ele ir para o hospital e ele me explicou que aquilo era resultado da uma operação mal sucedida de catarata, que tinha sido seguida por outras seis operações corretivas (que aparentemente também não deram em nada). O resultado é que ele sente dores horríveis porque a pressão ocular dele não está sob controle. Perguntei se ele pensou em processar o médico. Ele me disse que procurou um advogado e que teria que desembolsar 100.000 doláres pra entrar com a ação na justiça. Só a perícia médica inicial custa 10.000 dólares. Perguntei se ele não qualificava para ajudar gratuita do governo. Ele falou que não porque ele tinha emprego e tinha uma casa (que só vai ser efetivamente dele quando ele terminar de pagar a hipoteca daqui a trinta anos). Portanto, ele não entrava no programa. Só depois dessa conversa eu entendi a dimensão do problema: esse sujeito perdeu parte da visão, tem com frequência dores horríveis e não pode processar o médico que fez a burrada.

A briga do Michael é contra políticas públicas que não se baseam em evidência e fatos e não fazem uma análise cuidadosa de custo-benefício. Por exemplo, ele argumenta que todo mundo compra a idéia de que energia eólica protege o meio ambiente, porque emite menos gás carbônico. E, de fato, se comparada a energia produzida pela queima de carvão, isso é verdade. A pergunta dele é a que custo. Ou seja, será que poderíamos estar reduzindo a emissão de gás carbônico de outra forma, e usando o dinheiro economizado para outros fins (que podem inclusive incluir diminuir ainda mais as emissões)? Ele acha que sim.


Por acaso, hoje eu li um estudo sobre os custos da energia eólica no Brasil. Se comparado a outros países, o custo dessa energia é significativamente mais alto no Brasil. Se o Michael já acha que os custos são maiores que os benefícios no Canadá, imagina o estrago da brincadeira pra gente...

O mais irônico, todavia, foi sair da conferência (que foi em grande parte focada em políticas públicas) e ficar sabendo de uma das politicas públicas mais burras da história. Uma menina de Cairo, Egito, me contou que quando a epidemia da gripe suína eclodiu no México o governo egípcio mandou matar todos os porcos. Baseado em que?, eu perguntei. Ela disse que a decisão foi baseada na crença (infundada) de que a doença era transmitida pelos animais para as pessoas. Segundo ela, a gripe do frango era transmitida diretamente pelos animais e matou muita gente no Egito. O problema, todavia, é que o governo agiu antes de checar se isso era verdade ou não no caso da gripe suína. Um exemplo grotescto de política pública que não é baseada em evidência empírica, mas em achismo.

E fica pior! Os porcos são usados no Egito para consumir a parte perecível do lixo urbano. Portanto, nos depósitos de lixo os porcos se encarregam de eliminar os dejetos orgânicos. Com a eliminação dos porcos, acumulou-se o lixo orgânico e, segundo um amigo meu que esteve no Egito esse verão, a cidade estava empesteada. O cheiro de lixo por todos os lados era insuportável. Esse é o melhor exemplo da falta de qualquer análise de custo benefício da parte do governo. O resultado é: eles não salvaram nenhuma vida matando os porcos, e vão ter gastos significativos com a saúde pública devido ao lixo acumulado...

Fica, portanto, a lição: se puderem, antes de implementar qualquer política pública no Brasil, consultem o Michael.

Um comentário:

J. disse...

M., pede pro Michael escrever um artigo pesando custo e benefício de ter as Olimpíadas no Rio...

Que tu achas? Copa do mundo, meu polegar pra cima, porque acho que aí qualifica efetivamente como investimento: brasileiros usam de fato estádios de futebol e isso pode gerar recursos.

Agora, Olimpíadas, sei não, hein... Acho que é mau emprego do suado dinheiro público em elefantes brancos que não serão de fato usados pela comunidade e que não são capazes de se manter, ficando às moscas como o parque aquático constuído no Rio para o Pan. Mas aí alguém bem pode argumentar que as Olimpíadas, na verdade, nos impedem de gastar o dinheiro de uma maneira pior ainda, como costumamos fazer.

Aí, eu sou obrigada a concordar tristemente...