Esse post devia se chamar a Maldição da Raça Humana, mas achei melhor ficar com o título mais tradicional, por razões que devem ficar claras no decorrer da leitura (e se não ficarem, eu explico no final...).
Semana passada tive a oportunidade de jantar com Ken Wiwa, que atualmente trabalha como assessor especial para o Presidente da Nigéria. Ken ficou famoso pelo livro, In The Shadow of a Saint, no qual ele conta a história do pai, Ken Saro-Wiva, que lutou contra os danos e violações dos direitos humanos que a Shell -- juntamente com a ditadura militar da Nigeria -- causou à comunidade deles, os Ogoni. Recentemente a fama dele foi reavivada por um acordo de 15 milhões de dólares que ele fechou, juntamente com outras pessoas da comunidade dele, para encerrar uma ação na justiça norte-americana contra a Shell. E tudo isso (o emprego atual, o livro, e o acordo) está ligado à maldição dos recursos naturais.
A tal maldição ocorre em países ricos em recursos naturais, como o petróleo. Tais riquezas naturais geram o que os economistas chamam de doença holandesa, que é a valorização da moeda e consequentemente a eliminação de todos os setores exportadores no país. A Venezuela, por exemplo, exportava chocolate para o mundo antes de descobrirem o petróleo e hoje não há sequer resquícios desse setor por lá.
Mas a coisa toda não se chama maldição só por causa da doença holandesa. Há ainda outros componentes. Um deles é a o aumento no uso de recursos público e inchamento da máquina estatal. O Estado, ao receber uma bolada, se expande, aumentando em especial o tamanho da burocracia. O problema é que o preço do petróleo oscila, e os gastos com a burocracia são fixos. É como se você alugasse um apartamento, ou contratasse uma empregada, sem ter certeza se você vai ter salário no fim do mês. Se o salário não entrar (ou se o preço do petróleo cair) você não consegue cortar seus gastos fixos e vai ser forçado a se endividar para pagar a conta. Se nesse meio tempo o país tiver matado todos os outros setores da economia, a queda no preço do petróleo signica uma crise econômica não só para o estado. E daí a coisa tende a virar uma bola de neve...
Uma das piores consequências da maldição dos recursos naturais é que o governo consegue dinheiro sem cobrar impostos. Por isso, sem ter que prestar contas de como gasta (como teria que prestar caso estivéssemos falando de impostos), o governo se torna menos democrático (para os que conhecem o jargão acadêmico, menos accountable) abrindo portas para abusos (como as violações de direitos humanos na Nigéria) e muita corrupção. Em alguns casos, as disputas pelo controle desses recursos (que passa a ser em grande parte uma disputa pelo controle do poder político) leva a sangrentas guerras civis.
Uma das lições da maldição dos recursos naturais é a mesma dos ganhadores de loteria. Em geral, as pessoas que ganham na loteria acabam mais pobres do que eram antes de receber o prêmio, simplesmente porque ao invés de fazer um planejamento financeiro, elas tratam o prêmio como uma fonte inesgostável de renda. Até que a fonte acaba e tudo que resta são dívidas. Em geral, antes do prêmio, essas pessoas não tinha dívidas porque administravam de maneira sensata seus modestos recursos. Da mesma forma, países ricos em recursos naturais correm o risco de tratar essa receita como um prêmio de loteria, e o resultado é desastroso: níveis baixos de crescimento econômico, burocracias ineficientes e inchadas, governos corruptos e, em muitos casos, guerras civis. Em grande parte, isso ocorre porque eles gastam mal o dinheiro.
A solução pra tudo isso é colocar o dinheiro em um fundo, e ir gastando aos poucos e gastando nas coisas certas. E é essa a missão de Ken Wiwa atualmente: ele tem que estabelecer qual vai ser a estrutura do fundo que vai administrar os recursos que a comunidade dele vai receber da Shell. Ele tem que garantir que esses recursos serão bem gastos. E, para isso, ele me disse que quer um fundo que não seja vinculado de forma alguma ao governo. Segundo ele, envolver o governo é receita pra arranjar confusão.
Ele tem acompanhado de perto as discussões sobre o assunto no Brasil, com a descoberta de novos poços de petróleo. Perguntei pra ele se ele acha que vamos dar conta do recado (ou seja, se vamos conseguir evitar a maldição dos recursos naturais). E ele respondeu: - a boa notícia é que tem gente preocupada com isso no Brasil. Nesse sentido, vocês já estão um passo adiante de onde a Nigéria estava quando encontramos petróleo. Mas uma coisa é certa: não dá pra mudar a natureza humana. E quando tem tanto dinheiro assim envolvido, você nunca sabe do que as pessoas são capazes.
Pois é. Pra lidar com a maldição dos recursos naturais, precisamos primeiro lidar com a maldição da ganância humana...
Um comentário:
Na semana passada, o FHC escreveu um texto bom sobre o alentado pré-sal: "Petróleo novamente" - é só procurar assim no google. Tem gente pensando sobre o assunto, mas, olha, a euforia é grande e emburrecedora, e prevalesce o "pré-sal é nosso", com exclamação.
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