domingo, 28 de fevereiro de 2010

Depressão, drogas e dopamina

Um novo estudo tem causado polêmica na comunidade científica: alguns pesquisadores, intrigados com fato de que uma doença tão debilitante como depressão possa afetar tantas pessoas, resolveram perguntar se a doença tinha algum benefício. A razão para a pergunta é simples: a teoria da evolução de Darwin sugere que indivíduos menos aptos perecem, enquanto os mais saudáveis sobrevivem. Com depressão, no entanto, a seleção natural não parece ter ocorrido. Uma possível explicação, que levou à especulação desses cientistas, é que deve haver algum benefício na doença que nós desconhecemos.

A resposta deles é sim, há um lado positivo da depressão.
A depressão cria uma ciclo de reflexão (ruminações) que aprimora o uso das capacidades analíticas do cérebro, permitindo que a pessoa analize os problemas com mais clareza e maior profundidade. Apesar da conclusão se aplicar apenas a depressões episódicas (ou seja, eventos depressivos causados por fatores de stress, como uma morte na família ou um divórcio), a pesquisa é de extrema importância. Ela sugere que para grande parte das pessoas diagnosticadas com depressão, o uso de medicamentos talvez seja o tratamento menos recomendado. Em contraste, fazer terapia parece ser muito mais efetivo para esses pacientes.

Segue um trecho do artigo que divulgou o resultado das pesquisas:

"Às vezes os sintomas podem sair do controle. O problema, todavia, é que nossa sociedade passou a ver depressão como algo que deve ser evitado e medicado imediatamente em qualquer hipótese. Nós tentamos tão arduamente remover o estima associado à depressão que acabamos estigmatizando a tristeza também. Para Thompson, essa nova teoria sobre depressão tem um efeito direto na prática da medicina. Recentemente, Thompson tem reduzido a prescrição de medicação para seus pacientes, porque ele acredita que em alguns casos os remédios podem atrapalhar a recuperação dos pacientes, ao tornar mais difícil que esses pacientes resolvam seus dilemas sociais. Ele relata um episódio em que uma paciente entrou no seu consultorio e pediu para que ele reduzisse a dosagem da medicação. Ele perguntou se a medicação estava funcionando, e ela respondeu algo que ele nunca esqueceu:

"Sim, o remédio está funcionando maravilhosamente bem. Estou me sentindo muito melhor. Mas eu ainda estou casada com o mesmo alcóolatra filho da puta. A única diferença é que agora eu tolero ele."

Ou seja, a conclusão do artigo é que em casos como esse a medicação está tratando da febre (sintoma) e não da infecção (causa do problema). Para pessoas como essa, terapia seria uma melhor solução.

Esses pesquisadores entram para uma lista longa de pessoas nos Estados Unidos que estão atualmente preocupadas com uso excessivo (e em alguns casos desnecessário) de medicamentos pela comunidade médica. Uma outra pessoa que adota o mesmo discurso é essa cientista que investiga como o cérebro funciona quando estamos apaixonados.



Eu já tinha colocado um link para esse vídeo no blog, mas agora vai o link com a versão com legendas, que foi recentemente disponibilizada na internet (aperte o botão "view subtitles" e escolha portuguese). A conclusão geral é que talvez os anti-depressivos impeçam pessoas com depressão episódica não só de resolver seus problemas, mas também reduzem as chances delas se apaixonarem (porque suprime a dopamina no cérebro, que é responsável por sentimentos relacionados a paixão e afeto). E como diz a Helen Fisher, um mundo sem amor é um lugar horrível pra se viver.

Almoço de família

Hoje faz uma semana que voltei do Brasil. Resolvi fazer um fotoblog do meu último dia, quando minha prima convidou a família toda pra almoçar na casa dela. E se tem uma coisa que minha família faz bem -- além de discutir os problemas do mundo -- é comida.


Essa é a carne deliciosa que comemos no almoço


Esse é o tempero secreto (muito sal!) da carne


Mas eu devo confessar que o que conquistou meu coração foi o tempero não secreto de dentes de alho assados no azeite, com orégano (receita inventada pelo marido da minha prima, que merecia um prêmio).



Com uma respeitável coleção de cachaças,


ia ser no mínimo um pecado se a gente não tivesse bebido uma deliciosa caipirinha.


E como não podia faltar, teve sobremesa:



um bolo de chocolate sem farinha de trigo, que minha prima gentilmente comprou para a diabética da família.




O bolo se auto-entitula o melhor bolo de chocolate do mundo (e é de fato muito bom, mas eu precisaria de uma amostra mais ampla pra confirmar o título...)



E depois da sobremesa, um delicioso café espresso.



Depois do almoço, enquanto a família assistia as olimpiadas de inverno em Vancouver,


eu resolvi brincar com as crianças, que me trouxeram um estranho animal amarelo.


Eu agradeci a foca,


e fui imediatamente corrigida pela minha tia, que disse que era uma marmota.



A pequena L. entrou na discussão para esclarecer que se tratava de um peixe-boi,



e imediatamente se virou para outros membros da família para perguntar como eu tinha conseguido um doutorado sem sequer conseguir distinguir entre uma foca e um peixe-boi


E assim terminou nosso almoço de família, com todos bem alimentados, bem informados sobre as diferenças entre um peixe-boi, uma foca e uma marmota (graças à pequena L.) e felizes com o dia ensolarado que fazia em São Paulo.


Estou agora de volta ao frio, mas ainda entretida com as olimpíadas, e ansiosamente aguardando o jogo final de hóquei entre EUA e Canadá.


Acertando umas e errando outras

Saiu no New York Times hoje que agora há bastante evidência científica provando a importância de contato físico. Tocar outras pessoas é uma forma -- importante -- de comunicação. Tocar e ser tocado muda o modo como as pessoas pensam e se comportam. Por exemplo, alunos que são tocados pela professora nas costas ou no braço são duas vezes mais propensos a participar da aula do que os outros alunos. Da mesma forma, quando um médico toca um paciente, este tem a impressão de que a consulta durou o dobro do tempo se comparada à impressão daqueles que não foram tocados.

Eu não apenas tinha relatado aqui com canadenses são aversos ao contato físico, mas como eles também tinham resolvido a necessidade de ter contato (que acho que é natural e biológica) com um amplo mercado de serviços profissionais de massagem. O problema é que, de acordo com esses estudos que saíram no NYT hoje, massagens de uma pessoa próxima não apenas diminui a dor, mas também reduz a depressão e fortalece a relação. Portanto, quando se contrata uma massagem profissional, os canadenses se livram da dor, mas perdem dois importantes benefícios do contato humano. Portanto, ainda que os canadenses tenham achado uma solução, ela é -- na melhor das hipóteses -- imperfeita.

Eu estava, portanto, certa sobre isso. Mas parece que eu estava errada sobre o assassinato no Recife que aconteceu durante o carnaval. As provas colhidas até agora indicam que o marido e o sogro da menina foram os assassinos.

Apesar dos acertos e erros, o blog não deixou de gerar controvérsia. Minha mãe colocou o seguinte comentário no meu post sobre o assassino de João Hélio:

Discordo do ítem dois. A proteção a esse sujeito que fez o que fez em liberdade e ainda cometeu delito dentro do Abrigo onde cumpria reclusão pode ser legal , mas é uma afronta ao cidadão comum que trabalha, paga impostos e que, muitas vezes necessita de segurança , não tem.
Explico: Em janeiro , uma mulher foi assassinada pelo ex-marido, depois de ter prestado queixa e feito BO na delegacia mais de 5 vezes. Alguém ofereceu proteção?

Minha resposta: acho que o sentimento e a revolta do cidadão comum é válida e justificada. É, de fato, uma afronta. A questão é se a falta de proteção ao cidadão comum serve como justificativa para não proteger o sujeito. A resposta é não. O argumento da minha mãe, na verdade, é que temos que oferecer proteção pra todo mundo. Se esse sujeito tem direito a proteção, todos nós temos também (e a mulher assassinada pelo marido deveria ter tido também). E isso não é nada mais que um Estado de Direito. Portanto, concordo com minha mãe que temos um Estado de Direito imperfeito quando algumas pessoas têm direito a proteção, enquanto outras não têm. Mas ter alguma proteção é melhor do que não ter nenhuma (ou seja, é melhor do que viver numa terra de ninguém, como o velho oeste). Isso, todavia, não é suficiente e não devemos nos acomodar com o pouco que temos. Nesse aspecto, concordo com minha mãe!

Retomando a conversa no bar com minha família, meu tio apresentou o seguinte argumento: só tem direitos humanos no Brasil pra criminoso. Para a classe média honesta que trabalha e paga impostos (como a mulher assassinada pelo marido) não tem nada. Eu concordo que grande parte da atuação das ONGs é para proteção da população mais pobre, que não apenas é a parte da população mais propensa a se envolver com atividades criminosas, mas é também a parte da população mais propensa a sofrer abusos e violações de direitos humanos. Portanto, concordo com meu tio que os esforços para proteção de direitos humanos estão focados em uma parte da população. O ponto de discordância é que enquanto ele acha isso um absurdo, eu não acho. ONGs tem recursos limitados, e parte de fazer bom uso desses recursos é focar a atuação deles onde eles podem ser mais efetivos.
Basta ver a quantidade de gente inocente que morre no Rio quando a polícia entra na favela atirando. Grande parte da classe média brasileira nunca teve que lidar com tiroteios na porta ou dentro de suas casas, porque a polícia não entra em condomínios da barra ou nas ruas de Ipanema atirando. Reconheço que a classe média tem que lidar com umas balas perdidas aqui e acolá de vez em quando, mas o índices de morte por bala perdida não se compara ao índices de homicídios nas favelas. Há, portanto, problema nos dois lados: mas de um lado o problema toma dimensões muito maiores, e por isso exige ação muito mais enfática.

Assim como a minha mãe, meu tio apresenta o seguinte argumento: o cidadão comum se sente afrontado quando vê uma ONG protegendo um criminoso, quando o trabalhador que paga impostos não têm proteção alguma. De novo, minha resposta é a mesma: isso não é um argumento para tirar a proteção dos direitos humanos de criminosos, mas sim para garantir que todo mundo têm direito a essa proteção.

A pergunta que fica é porque a classe média -- que tem muito mais recursos humanos e financeiros que as populações carentes -- não está se organizando pra demandar que essa proteção exista e seja efetiva para todos. Eu não tenho resposta a essa pergunta, mas acho que a classe média ia se beneficiar muito se parasse de tentar se diferenciar das classes baixas com esse discurso de "nós temos mais direito a isso do que eles", e tentasse juntar forças com ONGs e "o pessoal de direitos humanos" para lutar por um estado de direito efetivo pra todo mundo no país.

E eu tenho quase absoluta certeza que eu estou certa sobre isso também...

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Um sábado na vida de uma pseudo-brasileira

Pois é. Agora que é oficial que eu estou deixando de ser brasileira, resolvi fazer algo sobre o assunto. Tive um sábado tipicamente brasileiro, pra tentar recuperar minha brasilidade (é essa a palavra?)

O dia começou com uma corrida na praia, sem quatro camadas de roupa, mas com quatro camadas de protetor solar.


Ainda assim, não consegui bater minha irmã no bronzeado. Está mais claro do que nunca qual de nós duas vive no Canadá.


Depois disso, o almoço. E a festa já começa na cozinha


E, como não poderia deixar de ser, o almoço conta com a família quase toda (quem está ao alcance do olhos está automaticamente intimado a comparecer)




A comida aqui é sempre divina (e sábado não foge à regra). Comi um bacalhau delicioso



Guaraná diet com melão



E figo de sobremesa



Minha contribuição para o almoço foi medir o açucar de quem quisesse ter seu açucar medido (que é mais idissioncrasia minha, do que um hábito canadense ou brasileiro...)





Durante a tarde, fiz o que todas mulheres brasileiras fazem: fui no cabelereiro.





E para quem ainda acha que é superficialidade de classe média ir ao cabeleleiro, me digam se vocês ainda pensam isso depois de ver esse antes e depois:



De noite, uma boa pizza, com amigos de Brasília que não via há tempos!




Terminei o dia com uma certeza: se eu virar uma barata, acho que consigo reverter de volta pra brazuca...

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Um barzinho e uma boa birita, sem violão

Sexta-feira a noite, estou indo pra um bar com minha família. Pela conversa, ainda em casa, a noite promete:

- Você consegue sentir meu perfume?, pergunta minha tia.
- Não, respondo eu.
- Pois é. Comprei esse perfume caríssimo, passei litros e mais litros e nada de cheiro.
- Você só precisa passar perfume onde quiser ser beijada, segundo Coco Chanel.

A sabedoria (ou audácia) da minha mãe -- que entrou na conversa de supetão, com uma frase inesperada -- deixa todo mundo em silêncio. Minha mãe quebra o gelo apontando para o fato de que tanto eu quanto minha tia estávamos de listras, no melhor estilo Coco Chanel. Achei que listras a la Coco Chanel estavam de bom tamanho para uma acadêmica que pouco se preocupa com estilo e moda, e resolvi não pensar onde eu tinha passado perfume...

Saímos em direção ao bar.

Três mulheres bem informadas andando por ruas escuras em uma cidade no Brasil. Não deu outra: começamos a discutir a possibilidade de sermos assaltadas. Era alta, todas concordavam. Minha tia propõe que devemos voltar de táxi. A proposta se perde no meio de histórias de horror sobre assaltos a todos os membros da família. No meio dos relatos (que apenas reforçaram minhas impressões de estar em uma zona de guerra), minha mãe declara:

- Tenho dez reais.
- Tenho vinte, responde minha tia.
- Gente, se alguém assaltar a gente eles vão levar tudo, não só o dinheiro, respondo eu.

Minha mãe calmamente explica que elas estava discutindo se tinham dinheiro para voltar de táxi. E eu resignadamente pensei que ainda tenho um longo caminho a percorrer antes de conseguir acompanhar esse raciciocínio não linear das mulheres. Porque devo eu ligar a frase sobre dinheiro à proposta de pegar um táxi (que tinha se perdido há algum tempo na conversa) e não aos relatos de assalto que precederam a frase? Não sei. Preciso de um estágio intensivo nessa conversa arbustiva...

Chegamos ao bar. Típico boteco brasileiro: muitas mesas de madeira na calçada, e muita gente nas mesas. Um calor agradável para alguns, mas excessivo para outros. Ainda assim, as pessoas não se acanham com as altas temperaturas e a falta de ar condicionado: há fila para pegar mesas. Todos querem curtir a sexta-feira a noite no boteco com ventiladores da década passada.

Enquanto esperamos, minha tia reclama que desde que minha avó morreu não se joga mais baralho na família. Eu fico sem poder oferecer ajuda: não sei jogar cartas. Resta-nos, portanto, nos afogar na bebida, já que não dá pra jogar baralho e não ganhamos na loteria.



A tradição da família, todavia, não é apenas beber. Há que se beber, e se resolver os problemas do mundo ao mesmo tempo. E hoje não foi diferente. Começo a conversa perguntando porque a educação no Brasil não melhora. Resposta: está melhorando. Há mais pessoas prestando vestibular. Há quotas nas universidades. E há um mercado sedento por profissionais qualificados. Ou seja, tanto os incentivos quanto as oportunidades estão lá.

Eu pressiono mais: mas essas mudanças são muito pequenas! Quero saber porque não se promove uma reforma radical no ensino básico no Brasil. Por que não elegem um Presidente que promete erradicar o analfabetismo? Minha tia sugere que é "uma bola de neve descendo a montanha": com a demanda por pessoas com ensino superior, o ensino básico tende a melhorar. Meu tio proclama que o mercado vai resolver tudo. Minha mãe responde com ceticismo: depois de ver mudanças na política educacional do Distrito Federal a cada quatro anos (quando um novo governador era eleito), ela perdeu a esperança de ver qualquer coisa coerente ser feita no setor. Segundo ela, político tem incentivo pra construir ponte, não pra reformar a educação. Para minha mãe, portanto, a reforma tem que vir de baixo, mas ela não sabe de quem.

Pausa para fotos.


O tópico muda para o estado calamitoso da cidade de São Paulo. Meu tio conta uma história de horror sobre uma enxurrada com muito lixo descendo a ladeira da rua onde ele mora, e ameaçando o carro dele. E propõe uma tese: ele acha que São Paulo está assim por causa da ocupação urbana descontrolada (que aterrou várzeas de rios) e por causa do lixo acumulado nas ruas, que entopem os esgotos. Minha tia defende a idéia de que excesso de asfalto impede a absorção de água.

Nesse meio tempo, minha mãe olha para meu segundo copo de pinga, e me lança um olhar reprovador. Eu como mais um pedaço de toucinho e respondo:

- Que foi? Virei diabética (o que me impede de tomar cerveja), mas não virei monja.


- Párem a nave, que eu quero descer, responde minha mãe.



Todos riem e voltamos a São Paulo. Eu apresento minha tese: eu acho que o problema todo foi a falta de reforma agrária. Reação da mesa: todos de cabelo em pé. Explico ao leitor: reforma agrária é quase palavrão na minha família. Eu insisto no ponto: acho que a ditadura militar acreditava que desenvolvimento era produzido por industrialização. Eles promoveram, portanto, a mecanização da agricultura e fizeram investimentos massivos na industria de base. Resultado? Êxodo rural. Em nenhum lugar do mundo se encontra megalópolis como São Paulo e a Cidade do México. Se tivessemos feito reforma agrária, esse povo tinha ficado no campo e não tinhamos que lidar com crescimento urbao descontrolado.

Eu sabia que a resposta ia ser dura. Afinal, minha família é classe média, não classe baixa. Não deu outra.

Meu tio responde prontamente: - Isso parece discurso de estudante petista, Mariana. Você não vai mudar o mundo. As coisas não são simples assim.


Eu esclareço: - É uma análise histórica, não atual. Não sei qual o impacto que reforma agrária iria produzir no país agora, ainda que eu ache que poderia ajudar a reduzir os níves indecentes de desigualdade de renda...


Resposta unânime: - Não. Isso não ia resolver o problema. As pessoas pegam os lotes, revendem e mudam para a cidade do mesmo jeito. Brasileiro não tem uma cultura de trabalho e esforço. Brasileiro tem uma cultura de tentar conseguir almoço de graça.


Eu pergunto: - Se o problema é cultural, como resolver?
- Cultura não é imutável, responde minha tia.
- Acho que o problema é que aqui é muito quente, diz meu tio.
- O Brasil precisa de educação, é a resposta de todos.

Eu volto à minha pergunta original: se todos estão de saco cheio com os problemas do país (como que tenho a impressão que estão) e se todos concordam que devemos investir na educação, porque isso não está acontecendo? Meu tio sugere que as elites no poder querem apenas garantir benefícios próprios. Minha tia sugere que esse papo de elite no poder é coisa do passado. Meu tio insiste que países desenvolvidos não querem ajudar os países pobres, mas sim se aproveitar deles. Eu digo que, ainda que isso seja verdade, não temos uma explicação de porque o Brasil não está ajudando a si mesmo.

- Porque não estamos investindo mais em educação?
- Porque é muito complicado, diz minha tia.
- Complicado como?, pergunto eu.

Daí todo mundo virou a mesa. Decidiram perguntar o que eu achava. Queriam saber se o Canadá tinha problemas. Eu disse que sim: desde problemas políticos (o primeiro ministro fechou o parlamento), problemas de criminalidade urbana, acidentes de trânsito (14 pessoas atropeladas em Toronto só no mês de fevereiro), até problemas com sindicatos e monopólios de telecomunicações mal regulados. Mas ainda assim é um país com um nivel de desenvolvimento humano (IDH) altíssimo.

Minha tia repete a pergunta: - O que você acha que devemos fazer no Brasil? E acrescenta:- Se você colocar qualquer coisa no seu blog, vou avisar seus leitores que você já tinha tomado três doses de pinga!

Para não ser desacreditada por alto teor alcóolico, vou deixar minha opinião sobre os problemas brasileiros para uma outra oportunidade. Mas vale relatar que toda a família chegou em casa pouco perfumada, mas sã e salva.

Deixando de ser brasileira...

Minha mãe já vinha corrigindo meus erros de português há algum tempo (depois de tanto tempo fora do país, a gente começa a perder a língua). Na quarta-feira, achei que estava em uma zona de guerra quando assisti ao noticiário. Ontem a noite, foi a vez de me surpreender com a minha incapacidade de correr nesse calor.

Corri no fim do dia, quando o sol já tinha baixado e a brisa estava mais fresca, mas não adiantou. Tive que ir devagar: quase um minuto a mais para cada quilômetro que corri. E tive uma dificuldade imensa de completar meros 5km, que já viraram fichinha perto das distância que as meninas do clube de corrida me fazem correr. Os 5km podem ser fichinha com temperaturas abaixo de - 27 graus celsius, mas não acima de + 27 graus celsius.

Dizem que os ser humano é capaz de correr longas distâncias por causa da capacidade de suar (que outros animais como cavalos não têm). Minha capacidade de suar estava a todo vapor ontem (literalmente), e ainda assim eu acho que eu não conseguiria bater um vira-latas, seja na distância seja na velocidade. Quem diria um cavalo. Porém, antes de eu usar minha experiência de ontem para questionar todas as pesquisas científicas que concluem que seres humanos foram feitos para correr longas distâncias, vou lançar minha modesta hipótese: acho que eu simplesmente estou deixando de ser brasileira. Os indícios já estavam aí faz algum tempo, mas agora é oficial.

Só espero que eu não vire uma barata.


quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Não estou sozinha no mundo

Há mais gente que pensa que mulheres e homens são diferentes. E não é só por causa do estilo arbustivo da conversa ou do padrão não linear de pensamento...


CONTARDO CALLIGARIS


A lealdade das mulheres

Basta olhar as filas das visitas nos presídios para saber que lealdade não é qualidade masculina


NA TARDE de quinta-feira passada, estive no Presídio Feminino do Butantã, situado na rodovia Raposo Tavares, longe do bairro paulistano do Butantã.
Aconteceu assim: antes do fim de ano, Wagner Paulo da Silva, que eu não conhecia, me escreveu explicando que ele organizava um grupo de leitura regular para detentas desse presídio. O grupo (mais ou menos 25 mulheres) tinha discutido uma de minhas colunas; quem sabe eu me dispusesse a proporcionar um "encontro com o autor"?
Soube depois que Wagner da Silva e Durvalino Peco animam há anos esse grupo de leitura para detentas do presídio do Butantã e, agora, com o apoio do Estado de São Paulo, estendem o programa a 26 penitenciárias da região metropolitana (para isso, eles promovem, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, um curso gratuito de formação de mediadores -as inscrições já estão encerradas, mas vale a pena conferir: www.fespsp. org.br/leiturativa/).
Enfim, voltando das férias, liberei uma tarde para aceitar o convite e encontrar minhas leitoras. Ficamos conversando mais ou menos duas horas, e saí de lá com algumas reflexões. Eis uma delas.
A prisão, para as mulheres, é uma punição mais severa do que para os homens, e a causa dessa diferença é um atributo feminino.
Claro, há homens leais e mulheres desleais, mas, em regra, a lealdade é uma qualidade mais feminina do que masculina. Não estou pensando na fidelidade amorosa e sexual -nesse campo, homens e mulheres são capazes das mesmas "traições". Penso numa lealdade mais fundamental, que uma comparação vai explicar facilmente.
Em dia de visita numa penitenciária masculina, a fila de mulheres (esposas, mães, filhas, irmãs) é longa: facilmente, é mais de uma visita feminina por cada preso.
Em dia de visita numa penitenciária feminina, a fila é curta e, em sua grande maioria, composta pelas mães das detentas; os homens aparecem num número irrisório. Sei lá, por 700 mulheres no presídio, uma dúzia de gatos pingados visitando. Os homens se esquecem de suas companheiras assim que as portas do presídio se fecham sobre elas. Abandonada pelo companheiro ou marido, a mulher (outra prova de lealdade) prefere duvidar de si: será que o marido nunca comparece porque ela não é, nunca foi, a mulher que ele queria?
A deslealdade masculina aparece também quando os homens são presos; eles são bem felizes de receber a visita das mulheres que voltam a cada semana, lealmente, anos a fio, mas, com frequência, se esquecem dos filhos que deixaram fora do presídio.
As mulheres presas, ao contrário, só pensam nas crianças que estão lá fora (em geral, com a avó; quase nunca com o pai). E, de novo, a lealdade com as crianças as leva a duvidarem de si mesmas: no dia em que sairão do presídio, os filhos não as reconhecerão, ou então, de qualquer forma, eles já gostam de avós, vizinhas, tutores e tutoras mais do que delas -e por aí vai.
Facilmente, as mães detentas vivem o afastamento das crianças não como consequência da punição pelos crimes que elas cometeram, mas, bem mais sofrido, como punição por elas não "merecerem" ser mães -como se os filhos estivessem longe porque elas não souberam e não saberiam ser mães.
As mulheres, qualquer criminologista sabe, agem criminosamente por razões diversas das dos homens. Em regra, matam por paixão amorosa; quando traficam ou assaltam é, frequentemente, para acompanhar o parceiro. Com isso, a prisão feminina é uma espécie de pena do talião: crimes cometidos por amor são punidos pelo sumiço dos homens amados e pelo medo da perda do amor das crianças.
Na época em que trabalhei em instituições psiquiátricas fechadas, quando o expediente terminava e estava na hora de ir embora, no fim do dia, eu era acometido por uma tristeza profunda. Acabava de compartilhar um bom tempo com os que estavam lá internados, e eis que, agora, eu ia embora, para uma casa, uma companhia, o convívio dos amigos. E eles, não; eles ficavam. A tristeza era uma espécie de culpa por abandoná-los no que era, de fato, uma desolação. Pois bem, ao sair da penitenciária do Butantã, não senti nada disso, pois não havia desolação. Não teria como fazer elogio maior à direção do presídio, à equipe que lá trabalha e às detentas que encontrei, pela resiliência de sua vontade de viver.

ccalligari@uol.com.br

Estamos só afundando num poço de problemas?

Voltar para o Brasil é como voltar para uma zona de guerra. O noticiário da hora do almoço começa repleto de notícias sobre mortes e perdas materiais causadas pelo temporal em São Paulo na quarta-feira. Quando termina essa notícia, entra o comercial. Respiro fundo, me perguntando como o governo deixou a cidade chegar nessa situação calamitosa. Enquanto isso, espero por algo mais esperançoso no quadro seguinte. Daí vem a notícia de uma turista alemã de 22 anos assassinada a quatro tiros depois de um sequestro no Recife. Entrevista com o delegado: estão investigando o marido. Penso comigo: sério? Em uma das cidades com um dos mais altos índices de homicídios per capita do mundo a polícia começa a investigação pelo marido? Seria engraçado, se não fosse trágico.

Tópico seguinte? Carnaval. Algo mais ameno, penso. Doce ilusão. O apresentador divulga o saldo de mortes nas estradas durante o feriado: entre 0h de sexta-feira e meia-noite da quarta-feira ocorreram 3.233 acidentes com 143 mortes e 1.912 feridos. Isso inclui um motoqueiro que eu vi na pista contrária da rodovia imigrantes, na vinda pra Santos na quarta-feira de manhã. E como se não bastasse o número assustador, o apresentador acrescenta o mais recente acidente (que não entrou na estatística do carnaval porque aconteceu hoje): um acidente com ônibus em Niterói matou todos os ocupantes, incluindo uma criança de 10 anos. O ônibus bateu em um poste e explodiu. O único sobrevivente conseguiu escapar pela janela.

A essa altura, já desisti de respirar fundo e estou me perguntando como que as pessoas conseguem viver nessa realidade sem se perguntar como deixamos a coisa chegar nesse ponto. Me dá a impressão de um país anestesiado. Para alguém que vem de fora, tudo isso choca. Para quem vive aqui e vê isso todos os dias, já faz parte da realidade. Deixou de chocar. Deixou de incomodar. Deixou de ser aberração e passou a ser parte do cotidiano. Que fazer? No final do noticiário toma-se outro café, acompanhado de um bom quitute. Afinal, há coisas boas no país: come-se e bebe-se aqui como no paraíso.

Mas eu pergunto se a culinária é a única coisa que nos resta. Será? Não há sequer uma única coisa que possa reavivar minha (pequena) esperança de que dias melhores virão? Saí em busca de algo que pudesse me reanimar. Encontrei? Não sei. Tudo depende da interpretação. Apresento minha lista, mas vou deixar que meu leitor avalie por si mesmo.

Meu conselho: se você não for brasileiro e/ou não estiver anestesiado, antes de ler, respire fundo (ou tome uma dose de uisque).

1) O governador (afastado) do Distrito Federal e mais cinco pessoas estão presas por se envolverem em um esquema de corrupção. Isso significa que tem pelo menos um jornalista que acha mais importante limpar o governo que ganhar uma bolada pra mentir, e temos cortes superiores que não se dobraram diante da politicagem clientelista e corrupta que domina alguns entes da federação (pelo menos até o presente momento...).

2) Estão oferecendo proteção do governo para um dos criminosos envolvidos no assassinato do João Helio. O assassino era menor na época do crime, e foi colocado em uma instituição para jovens e crianças (ao invés de ir para a cadeia). Teve que ficar numa ala separada, devido às ameaças de morte. Agora ele completou 18 anos e, com sua saída, o estado teme que ele seja morto. Portanto, o governo vai garantir proteção à sua vida. Isso significa que ainda temos Estado de Direito, e ainda que algumas pessoas se comportem como se o Brasil fosse o velho oeste, o Estado (com a ajuda de uma ONG) está tentando mostrar que isso aqui não é terra de ninguém. Até que se promulgue leis dizendo que vigora o "olho por olho, dente por dente" ou que temos pena de morte no país, essas condutas precisam e devem ser coibidas.

3) Há um programa para incentivar leitura na prisão. O programa começou com um projeto piloto de uma ONG em um presídio feminino e fez tanto sucesso que agora é financiado pelo governo e foi copiado em várias outros presídios do Estado. (O texto, infelizmente, só está acessível para assinantes da Folha, mas tem informações sobre o programa na internet). Acho que isso mostra que a sociedade civil está mais preocupada com a idéia de que presídios devem promover a recuperação e reabilitação dos indivíduos para integrá-los na sociedade, e o Estado está subscrevendo a isso, oficialmente reconhecendo as iniciativas bem sucedidas.

Enfim, estamos aos poucos chegando mais perto do que se chama o Estado de Direito. São passos de formiga, mas acho que todas essas três notícias são razões para mantermos a esperança. Meu leitor poderia argumentar, todavia, que nosso sistema político não está evoluindo tanto quanto nosso sistema legal. As políticas públicas (promovidas pelo poder executivo) para prevenir acidentes nas estradas, inundações catastróficas, escândalos de corrupção inacreditáveis, e um nível de violência urbana acima de qualquer limite aceitável não existem (ou se existem, é como se não existissem). Para chegar a essa conclusão, basta ver o noticiário.

Minha resposta? Acho que mesmo na área de políticas públicas há motivos para esperança. E aqui também eu encontrei um item para a lista. Depois de eu tanto reclamar sobre as pessoas fazendo xixi nas ruas do Rio, e depois de outros reclamarem junto comigo, o governo do Rio decidiu fazer alguma coisa: começou a prender quem estivesse fazendo xix na rua e ao mesmo tempo ofereceu condições para que os mijões cumprissem com a lei. Mijódromos holandeses para homens foram instalados em toda a cidade.

Ou seja, ainda há razões para se ter esperança. Não muita, mas há. E para manter sua esperança, ajuda bastante não ler o jornal ou assistir o noticiário...


Visitando a família...

...com meu novo MacBook. Isso significa que a gente se divertiu com o novo photo booth (que continua sendo uma razão, dentre muitas outras, para se comprar um Mac).


Eu e minha irmã usamos e abusamos da "casa de espelhos"





Daí eu minha mãe e minha irmã experimentamos os efeitos de cores, tipo sépia,
e os novos fundos (que são meios complicados de usar, como vocês podem ver)

mas a gente conseguiu usar no final (exceto pelo sombra da minha cabeça no canto superior direito da tela)




quando meu pai chegou, a gente já tava craque e saiu finalmente a foto para a posteridade!