terça-feira, 13 de abril de 2010

Girls Day Out: uma tarde na vida de acadêmicas

Quando as meninas saem em grupo pra se divertir, o pessoal costuma dizer que elas tiveram uma Girls Night Out. Ontem, pra comemorar o fim das aulas, eu e umas colegas tivemos um Girls Day Out. Ou seja, tivemos uma balada diurna. Como as "meninas" são todas professoras universitárias, toda a experiência foi, no mínimo, curiosa.

Decidimos assistir a uma sessão de cinema no meio da tarde. Quem pode se dar ao luxo de ir ao cinema `as 2 da tarde em plena segunda-feira? Acadêmicos sempre podem (afinal, você sempre pode varar a madrugada trabalhando no seu "paper", já que não tem chefe nenhum esperando pra você bater o ponto de entrada e de saída). O problema é que a possibilidade existe em teoria, mas não na prática. Durante o ano letivo, a gente passa o dia preparando e dando aulas pra trabalhar nos papers `a noite. Se a gente for no cinema, vamos ter um problemão no dia seguinte: ou a aula não está preparada ou não sobra tempo pra trabalhar no paper. Mas as aulas acabaram semana passada. Portanto, podemos trabalhar no nossos papers `a noite agora... Decidimos então aproveitar essa regalia.

Mas ir no cinema com acadêmicos não é facil: acadêmicos não fazem nada sem antes fazer uma pesquisa sobre o assunto. Imagine, portanto, um grupo de mulheres pesquisando freneticamente os filmes que estão passando, enquanto consideram fatores como proximidade do cinema, horário da sessão, preço do ingresso, o diretor, e todas as críticas do filme. Isso sem contar as preferências pessoais de cada uma. Ou seja, foi preciso quase uma semana toda, e muitos emails, pra conseguirmos decidir onde ir e que filme assistir. Decidimos ver Chloe, um filme com a Julianne Moore dirigido por um diretor Canadense, Atom Egoyan.

Nos encontramos depois do almoço e fomos até o cinema caminhando. Qualquer estranho ouvindo nossas conversas não ia demorar muito tempo pra descobrir que éramos acadêmicas. Primeiro, como todas carregavam mochilas, começamos a discutir as qualidades de diferentes mochilas. Todas tinham opiniões e recomendações sobre marcas, espaço, suporte, dores nas costas, etc. Afinal, carregar livros e laptops para cima e pra baixo exige infraestrutura!

Passamos das mochilas para cadeiras de escritório. Como passamos horas sentadas na frente de um computador, todas têm um vasto conhecimento sobre as marcas mais ergonômicas e ao mesmo tempo mais baratas. Claro que o sonho de consumo de todas é uma Aeron Chair da Herman Miller, mas não é todo mundo que pode pagar 1.000 dólares por uma cadeira... E já que estávamos falando de ficar horas na frente do computador, passamos para mouses e teclado e LER (lesão por esforço repetitivo). De novo, todo mundo tinha técnicas e informações sobre como evitar -- a maior parte delas adquiridas depois de alguma experiência desagradável...

Depois dessa caminhada instrutiva, chegamos ao cinema. O filme é bom até a metade, mas todas concordamos que degringola da metade para o final. O sofisticado suspense psicológico do início do filme é substituído no meio do caminho por um suspense de filme de terror. A história é muito parecida com atração fatal (em que a amante do sujeito leva um pé na bunda e começa a perseguir a família dele). Mas o mais engraçado foi sairmos todas do cinema igualmente tensas com o suspense. Eu achei que era só eu que ficava com os ombros doendo de tanta tensão com esse filmes. Descobri que não... Uma das minhas colegas saiu do cinema com dor de cabeça. Ficamos todas abaladas com o "thriller". Ou seja, além de sermos pessoas que carregam mochilas cheias de livros todos os dias, sentam na frente do computador por uma infinidade de horas e têm LER, somos também todas pessoas muito tensas.

Decidimos tomar um café depois do filme. E a conversa foi, de novo, relevadora de quantas coisas temos em comum.

***preciso avisar meus leitores que vou relevar agora o final do filme. Portanto, se você planeja assistir Chloe, deixe para terminar de ler esse post depois***

Uma colega falou que provavelmente era politicamente incorreto dizer isso, mas que ela tinha ficado aliviada quando a amante/prostituta morreu. Afinal, a confusão parecia não ter solução: depois de muitas ameaças e chantagem, a amante estava começando a se envolver com o filho do casal, pra ter acesso `a casa. Eu confessei que também tinha ficado aliviada, mas acho que mais do que falta de sensibilidade com valores socialmente aceitos esse sentimento revela nossos altos níveis de ansiedade. Sim, somos todas pessoas muito ansiosas que precisam ter controle das coisas. As coisas precisam ter horário e seguir um plano -- nosso plano.

Todas concordaram com o comentário. Uma colega disse que a cena do filme foi semelhante ao dia em que ela decidiu jogar fora todas as plantas. Disse ela que adorava cuidar de plantas, e tinha muitas. Inclusive orquídeas. Um dia, no meio do inverno, ela levantou da cama, pegou todos os vasos e colocou na lixeira, do lado de fora da casa. Disse ela que estava ficando louca com dois filhos pequenos, um doutorado pra terminar, e uma casa pra cuidar. E completou que a cena dela marchando com as plantas para fora de casa e colocando todas elas na neve foi típica de filme: uma mulher totalmente louca e fora de controle fazendo algo totalmente inesperado, como em Chloe. Mas era ela ou as plantas. Outra falou que fez a mesma coisa com o cachorro. Não dava pra cuidar da filha, do marido com pé quebrado, do doutorado por terminar, do gato e do cachorro. Foi-se o cachorro. Ou seja, amantes, plantas ou cachorros podem se tornar questões de vida ou morte para nós, acadêmicas.

Às vezes as pessoas me perguntam porque eu não mudo de profissão. As pessoas precisam apenas observar nossa tarde no cinema, pra concluir que ser uma acadêmica não é fácil. Eu acho, todavia, que o problema não é a profissão, mas nossas personalidades. Nós não somos tensas, obsecadas, controladoras a workaholics porque somos acadêmicas. Ao contrário, acho que a academia atrai esse tipo de pessoa. Ainda que eu decidisse virar caixa de supermercado, e minhas colegas decidissem ficar em casa cuidando dos filhos, iríamos agir da mesma forma. A pergunta, portanto, é porque escolhemos essa profissão. E a minha resposta é sempre a mesma: porque ao contrário de filhos, chefes, clientes, e animais de estimação nossos "papers" sempre fazem o que nós queremos, do jeito que queremos, na hora que queremos, e nunca argumentam contra a gente. E sempre podemos "matar" o paper se ele
não se comportar. Não há, portanto, profissão melhor pra gente como a gente.










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