Eleições. Não se fala sobre outro assunto no Brasil. Jornais, facebook, emails e conversas informais com amigos estão todas focadas nesse assunto. Ao menos é essa a impressão que eu tenho, olhando de fora. Talvez as pessoas ainda estejam discutindo o próximo capítulo da novela escondidas no banheiro, mas em público a regra parece ser só uma: falar das eleições.
E muito do que eu ouço é negativo. A eleição do Tiririca está certamente no topo da lista. Junto do Tiririca, está a candidatura de outra pessoa muito pouco preparada, esposa do Roriz, para o governo do DF (para contornar o fato de que seu marido foi impedido de se candidatar pela lei da ficha limpa). E os emails que circulam na internet não trazem nenhuma história das quais devíamos nos orgulhar. Muito menos o fazem os jornais, divulgando escândalos de corrupção dentro da casa civil às vésperas do povo ir para as urnas.
Eu sei que temos um longo caminho a percorrer. E a corrupção -- junto com educação e saúde públicas -- são os principais desafios a ser enfrentados por esse próximo governo. Todos que me conhecem sabem que eu seria a última pessoa a poupar críticas ao Brasil. Todavia, eu queria usar esse post para dizer que, nesse momento, eu estou vendo mais coisas para me orgulhar do que para me envergonhar. E eu queria dividir isso com vocês.
Parte do meu otimismo vem de uma palestra que eu assisti em junho, quando estava na Chile. O ex-ministro da fazenda (e provavelmente o futuro presidente), Andrés Velasco foi convidado para falar na conferência da qual eu participava. Na palestra, ele deu um mapa muito claro das políticas chilenas nas últimas décadas -- de onde o Chile veio, o que conquistou, quais os próximos passos e quais são os desafios que o partido dele tem que enfrentar para conseguir ser reeleito. Foi impressionante. Desde a eleição do Obama, eu não vi ninguém tão articulado falando em público.
Daí vieram as perguntas. E as perguntas vieram de acadêmicos. E acadêmicos são seres críticos. Em uma das perguntas, um peruano soltou um torpedo. Fazendo referência ao fato de que os consumidores, quando vendados, não conseguem distinguir entre uma coca-cola e uma pepsi-cola, o peruano perguntou se o partido de Velasco, supostamente de esquerda, não estaria virando uma pepsi-cola, com uma política econômica liberal (ou neoliberal, se preferirem) muito parecida com a política econômica do partido conservador.
Velasco não titubeou. Disse que exceto pelo Peru -- onde o mercado de refrigerantes é dominado pela Inca Cola -- a Coca-Cola tem uma fatia de mercado maior que a Pepsi em todos os lugares do mundo. E há uma razão pra isso: há uma opção que é melhor que outra. Ponto. A mesma coisa acontece com política econômica, segundo Velasco. Felizmente, a democracia chilena está madura o suficiente para reconhecer que voltar a um período de gasto público desenfreado, déficit fiscal e impressão descontrolada de moeda não é mais uma opção. Graças a essa maturidade, a democracia chilena deixou de conceber como ideológico algo que é apenas bom senso. Uma política é melhor que as alternativas. Ponto.
Hoje quando eu olho para o processo democrático no Brasil, eu vejo uma boa dose dessa maturidade. Não temos mais candidatos propondo boicote à dívida externa, como existia em na eleição de 1989. Mais do que isso, ninguém está propondo mudanças na política econômica, porque a última coisa que o país quer e precisa é um retorno à hiperinflação. Chegamos a um ponto em que nossa democracia tem maturidade suficiente para reconhecer que algumas políticas são simplesmente melhores que as alternativas disponíveis. Não há razão, portanto, para transformar bom senso em ideologia.
E a analogia não se aplica somente à política econômica. A declaração de Serra de que ele daria continuidade aos programas de transferência condicionada de renda, como o Bolsa Família, é um outro sinal claro. Esses programas têm sido muito bem sucedidos no Brasil e no México em muitos quesitos. Esses programas reduzem os índices de desigualdade (coeficiente Gini), aumentam a frequência dos alunos nas escolas e melhoram os índices de saúde (apesar de não reduzirem o trabalho infantil). E alguns estudos mais recentes mostram que como os pagamentos são feitos para as mulheres (que tendem a gastar o dinheiro com a casa e os filhos, ao contrário dos homens), essas políticas também têm tido um efeito positivo na dinâmica familiar, reduzindo os índices de violência doméstica e aumentando o índice de divórcios entre as mulheres com maior escolaridade. Ou seja, a dinâmica de poder dentro do lar mudou muito desde que o programa começou -- e as crianças não são as únicas favorecidas.
De novo, está aqui um exemplo de que a democracia brasileira atingiu um nível de maturidade no qual abolir uma política que claramente funciona e gera inúmeros benefícios é impensável. A discussão aqui -- assim como a discussão sobre política econômica -- deixou de ser ideológica. Não é uma questão de ser a favor ou contra porque se é de esquerda ou de direita. É uma questão de: se você é contra, apresente uma proposta alternativa que seja melhor. E até agora ninguém conseguiu pensar em nada, aparentemente.
Não me entendam mal: o tema -- eleições -- certamente merece o pano pra manga que está tendo. Dilma e Serra são muito diferentes. Marina foi uma surpresa inesperada, que gerou um resultado bastante interessante. Os tópicos para discussão são infinitos e os problemas a serem enfrentados pelo próximo governo são muitos. E tanto a política econômica quando os programas de transferência condicionada de renda podem -- e devem -- ser discutidos, pois há muito a se aprimorar. Mas é bom ver que, ainda que o resultado final não seja o que gostaríamos, ao menos temos a certeza de que não estamos mais vivendo em um país em que se pode conceber a abolição completa de políticas efetivas e razoáveis simplesmente para ser "do contra", ou para ser identificado como oposição. Em suma, estou orgulhosa de ver maturidade e bom senso no processo democrático brasileiro. E acho que todos os brasileiros deveria se orgulhar também.
Um comentário:
Ótimo texto, Mari. Perfeita a analogia do Velasco.
Bjs.
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