domingo, 21 de novembro de 2010

Como sair do Canadá sem sentir que você saiu do Canadá

Sempre que eu saio do Canadá para os Estados Unidos, tenho que passar na imigração ainda em Toronto. Portanto, o desembarque parece muito com um desembarque doméstico. Exceto que basta interagir com qualquer pessoa no aeroporto para você perceber que está nos Estados Unidos. Nova Iorque é o lugar onde isso fica mais claro. Experimente parar para pedir qualquer informação em um aeroporto na big apple. Se você conseguir um grunhido, vai ter sorte. Em geral você ganha um dedo em riste, apontando na direção que você deve ir. Às vezes, o dedo é combinado com um olhar sugerindo que você é um imbecil por não saber a resposta à pergunta que você acaba de fazer. Uma vez recebi um olhar tão fuzilante que eu tenho quase certeza que significava que eu era uma imbecil por simplesmente existir, e continuaria sendo uma imbecil ainda que não tivesse feito a pergunta. Um amigo muito acuradamente descreveu Nova Iorque como "o planeta do macacos". 
Foi por causa disso que eu esqueci que estava nos Estados Unidos quando desembarquei em Minneapolis na última quinta-feira. Desci do avião e fui procurar um balcão de informações pra saber onde eu podia pegar um táxi. A moça do balcão muito gentilmente perguntou aonde eu gostaria de ir e quando eu disse o nome do hotel, ela me disse que o hotel tinha um shuttle que pegava hóspedes no aeroporto. Que surpresa boa, disse eu. A mulher me deu instruções detalhadas sobre como pegar o trenzinho do aeroporto e virar a esquerda, e passar pelo starbucks e descer a escada rolante para encontrar o outro balcão de informações onde eu poderia ter mais informações sobre como pegar o shuttle. Nada de dedo em riste…


Chegando no outro balcão de informações, uma outra senhora fez questão de checar o endereço do meu hotel antes de me indicar onde pegar o shuttle. Bingo! Ela descobriu que o meu hotel tem uma filial perto do aeroporto, que oferece o shuttle, mas a filial para a qual eu estava indo ficava no centro da cidade. Disse ela que não tinha shuttle do aeroporto para essa filial. Daí ela parou, olhou para mim e falou: - espera um minuto. Para minha surpresa ela pegou o telefone e ligou para o hotel. Perguntou se eles tinha um shuttle para o aeroporto. Eles disseram que não. Daí ela perguntou se eles tinham um shuttle pra me pegar na estação de metro mais próxima. Eles disseram que sim. Pronto, disse ela. Você vai de metro. Ela me deu um mapa do aeroporto, pra eu saber onde ficava a estação dentro do aeroporto. Daí ela me deu um mapa do metro e fez um circulo na estação onde eu ia descer. E como se não bastasse dois mapas, ela me deu um mapa da cidade, caso eu decidisse andar até o hotel, ao invés de esperar o shuttle. E daí ela me deu o telefone do meu próprio hotel, e recomendou que eu ligasse duas estações antes para não ficar esperando muito tempo pelo shuttle. Ainda bem que minha mãe ainda está viva, senão eu ia jurar que o espírito da minha mãe tinha baixado no corpo daquela senhora asiática que estava tão preocupada comigo. 


É interessante porque em geral a gente pensa que sair do Canadá para ir para os Estados Unidos significa ir em direção ao sul. Mas pra ir de Toronto pra Minneapolis você precisa ir para o Norte. E, como era de se esperar, é mais frio lá. Eles acabaram de ter a primeira nevasca e quando eu cheguei estava tudo coberto de neve. As temperaturas em Toronto, em contraste, ainda não estão abaixo de zero e nenhum sinal de neve. Lá minhas orelhas (debaixo do gorro) e os meus dedos (dentro da luva) congelavam só de andar duas quadras do hotel até a universidade. Por causa do frio, parecia ainda mais que eu estava no Canadá.

Chegou um ponto da minha estadia, todavia, em que eu comecei a achar que eu estava no Brasil. Claro que essa versão tinha menos credibilidade do que a versão em que eu achava estar no Canadá. Por mais confusa que minha cabeça estivesse, eu ainda conseguia lembrar que não neva no Brasil (pelo menos não nas partes do país que eu frequento).Mas ainda assim, tive alguns episódios aqui tipicamente brasileiros.


Primeiro, uma colega da conferência deixou o meu carregador do celular na recepção do hotel. Claro que o carregador sumiu e ninguém achava o negócio. Mas os atendentes, no melhor estilo brazuca, resolveram dar um jeitinho. Me levaram para os achados e pedidos, onde havia uma caixa com mais de cinquenta carregadores, e falaram pega um aí. Eu ainda tentei procurar pelo meu, mas eles insistiram que era pra eu pegar qualquer um que encaixasse no meu celular. Disseram que as pessoas esquecem carregadores todos os dias, e elas nunca voltam pra buscar…


No segundo espidódio, no aeroporto, resolvi jantar antes de embarcar de volta pra Toronto (porque agora as empresas aéreas não servem mais comida…). Ao olhar o menu, vi três opções. Peixe branco, $14; salmão $16, e bife $18. Eu li recentemente em um livro chamado “Previsivelmente Irracional” que  normalmente quando empresas te oferecem três opções, eles estão querendo que você escolha a do meio.O autor explicava que restaurantes aumentava a receita ao colocar items mais caros no menus, apesar da inclusão desses items não aumentar o número de pedidos pelo item mais caro. A coisa funciona assim: se eu vejo peixe branco $14 e salmão $16, eu considero que o salmão é o item mais caro do menu e acabo escolhendo o peixe branco. Todavia, se tem um item ainda mais caro que o salmão no menu, as pessoas se sentem mais confortáveis em pedir salmão.


Pedi o salmão. O garçom me falou pra eu não pedir o salmão porque era muito seco. Perguntei pra ele o que ele recomendava. Ele falou: o peixe branco. Considere que a gorjeta do garçom, que é proporcional ao total da conta, vai ser maior quanto mais caro for o prato que eu pedir. Portanto, ele tinha todos os incentivos pra me deixar com o salmão seco, ou pra tentar sugerir que eu pedisse o bife. Mas ao invés de se preocupar com a gorjeta dele, ele estava preocupado em garantir que eu ia ficar satisfeita com o que eu pedisse. Se fosse um restaurante qualquer na cidade, alguém poderia supor que ele estava tentando conquistar um cliente habitual. Mas no aeroporto isso certamente não se aplica. A probabilidade dele me ver de novo é minima, se não for inexistente. Enfim, o cara só estava tentando ser legal. Como os brasileiros, com frequência, tentam.


Mas a neve me impediu de me convencer que isso aqui parecia com o Brasil. Além disso, a quantidade de pessoas brancas (aquele branco bem Americano) é incrível. Não tem diversidade racial nenhuma aqui. Portanto, apesar das pessoas parecem bem brazucas, o lugar ainda parece muito mais com o Canadá.


E minhas impressões foram confirmadas por uma colega, professora de Harvard, no caminho para o aeroporto. Perguntei a ela se ela via muitas diferenças culturais entre o Canadá e os Estados Unidos. Ela disse que os canadenses era muito mais simpáticos. Ela disse que sempre que vai para o Canadá fica impressionada com o quanto as pessoas são “gente boa”. E – como uma boa pesquisadora – ela disse que tinha feito um teste pra provar a tese dela. Ela disse que toda vez que encontra uma pessoa em uma conferência que parece um(a) Americano(a), fala como um(a) Americano(a) mas é super simpatico(a) ela pergunta se a pessoa é canadense. Ela disse que o teste não falha. 100% das vezes ela está certa. Eu disse pra ela que pode ser que isso seja verdade na academia, mas sugeri que ela fizesse o teste com gente comum em Minneapolis. Acho que se ela fizer isso, a tese dela vai desmoronar. Ela brincou comigo dizendo que a gente sai da conferência, mas continuamos o diálogo acadêmico, ou seja continuamos uns destruindo as teses dos outros. Respondi que sim, mas que os canadenses eram os únicos que tinham achado um modo simpático de fazer isso…



domingo, 7 de novembro de 2010

Um Carnaval Canadense

Como prometi, seguem as fotos da versão adulta da festa de Halloween, que é o carnaval canadense. A festa acontece na rua e, como você podem imaginar, as fantasias são supostamente de monstros e figuras assustadoras. Mas a interpretação do que é um monstro, ou uma figura assustadora é bastante ampla...


Por exemplo, o Bill Gates virou a personificação do diabo na festa. 
 

E o tigre e a raposa também estava por lá, ainda que eu não tenha descoberto o que tem de assustador neles. Como a temperatura estava perto de zero graus, imagino que o pessoal prefiriu usar uma fantasia quente, ao invés de passar um frio assustador.


Outras fantasias são mais políticas. E extremamente criativas. Por exemplo, esse pessoal se fantasiou da inquisição espanhola. 


Já essas se fantasiaram de Toronto e do novo prefeito da cidade. Na encenação, a figura maquiavélica do prefeito está destruindo Toronto.
 

Já o lego não era nada assustador. Eu imagino que a pessoa que decidiu sair assim -- assim como o tigre e a foca -- simplesmente optou por algo que permitia usar roupas quentes por baixo, porque estava um frio de lascar pra ficar muito tempo na rua. 

 E uma das partes mais legais da festa é que todo mundo quer tirar foto com todo mundo, então as fantasias se misturam e o japoneses se misturam com todas as pessoas fantasiadas pra sair também na foto. E assim todo mundo se diverte, ainda que você não saiba quem está fantasiado do que...

Aqui por exemplo, a branca de neve estava se divertindo com o pessoal do guerra nas estrelas (e eu imagino que a branca de neve é assustadora por ser tão perfeita daquele jeito. Tem que ter algo de errado com uma pessoa assim, não?)

 Tinha também os personagens da Alice no País das Maravilhas, que ficaram assustadores depois que o Tim Burton transformou a história em um filme macabro.

 E Halloween também é momento de fazer política pública. Aqui a Aids Comission of Ontario (ACT) mandou um representante que estava distribuindo camisinhas na festa.


E o Mario e o Luigi também estavam lá, mas eu fiquei sem conseguir explicar como eles se encaixavam na festa pois eles não estavam nem na categoria assustadora, nem categoria fantasia não assustadora mas super apropriada para o inverno...


E como a igreja católica resolveu escolher um Papa muito macabro para substituir o João Paulo II, encontrei ao menos uns três desses na rua....

Essa menina foi de lutador de sumô, que são de fato figuras assustadoras....


E antes que vocês imaginem que ninguém vestiu as fantasias tradicionais, aqui vai uma foto para provar que tinha gente vestida de morte, etc.


Esses eu sinceramente não consegui descobrir o que eram, mas achei muito boa. 


De longe a minha fantasia favorita foi a do El CBO. O LCBO (Liquor Comission Board of Ontario) é o monopólio estatal para venda de bebidas alcóolicas na província. Em inglês, se pronuncia "el-si-bi-ou". Usando um trocadilho, esse sujeito inventou um herói espanhol chamado El CBO (que fica com a mesma pronúncia do nome original, apesar do pronome em espanhol). Todavia, ele carrega latinhas de cerveja ao invés de pistolas. Quem não tem medo de monopólios, não é?


E aqui, de novo, as fantasias se misturam com outras fantasias: as pessoas de chapéu e meia listrada se juntaram ao mascarado para a foto. E, como não podia deixar de ser, aparece um japonês no meio...
 
 Esses, por sua vez, estava fazendo referência a ícones tenebrosos da cultura pop que eu simplesmente desconheço (por passar tanto tempo na bilbioteca, eu acabei reduzindo significativamente meu conhecimento sobre coisas que a maioria das pessoas conhece, e aumentando significativamente meu conhecimento sobre coisas que a maioria das pessoas simplesmente desconhece....).

A fantasia desse sujeito eu demorei pra entender. Uma velhinha que tinha perdido um cachorro? Como isso é assustador? Daí quando o sujeito virou eu entendi. A velhinha tinha sentado em cima do cachorrinho perdido. Sim, velhinhas que perdem os óculos podem ser assustadoras...

E, como ilustram as fotos acima, os homens aproveitam a festa para se vestir de mulher, como no carnaval no Brasil. E, como não podia deixar de ser tem um japinha na foto...


Já esses se fantasiaram de quadros que são, para muitas pessoas, bastante assustadores. E, um dos rapazes aproveitou a idéia pra se fantasiar de mulher também... 


E aqui tem outra versão do chapeleito maluco do Tim Burton, com uma japinha ao lado, pra variar....

 

Nessa fantasia eu tive que parar a menina pra perguntar o que era isso. Ela me explicou que era um vídeo do you tube que tinha feito o maior sucesso:


(e eu, obviamente, não conhecia o vídeo porque enquanto todo mundo estava falando dele eu estava trancada na biblioteca me privando de qualquer conhecimento sobre cultura popular). 

Esse aqui também era um homem fantasiado de mulher, debaixo de um casaco de pele. Acreditem em mim, você não querer ver a foto do que tinha embaixo do casaco de pele. 

Esses aqui vieram com a família toda (inclusive a criança), fantasiados de personagens que eu simplesmente desconheço, como quase todas as outras fantasias da festa.



E além de famílias, os cachorros também fizeram parte da festa. Esse foi fantasiado de superdog com o superdono dele. Confesso que o cachorro não estava muito assustador, mas o dono compensava...


Esse veio fantasiado de um médico maluco. O número espantoso de casos em que médicos são processados por negligência dão uma idéia de quantos profissionais pouco qualificados conseguiram ingressar da profissão. Sim, figuras assustadoras, definitivamente!


E para terminar as fotos, seguem os únicos japoneses fantasiados que encontrei. Tirando fotos sozinhos e não com outras pessoas com fantasia. Quase fui pedir um autógrafo. Alguém me falou os nomes dos personagens, que eu obviamente desconhecia. Perguntei se eram personagens de algum filme, e me disseram que eram personagem de mangá. Eu, obviamente, não sabia o que era mangá, mas resolvi parar de perguntar antes que alguém perguntasse em que planeta eu morava.

Nesse momento, descobri que, ao ir sem fantasia, eu estava totalmente fantasiada de acadêmica alienada que passa muito tempo na biblioteca e não tem TV em casa. Tenho certeza que isso é a própria definição de inferno para a maioria das pessoas na festa. Portanto, nada mais apropriado para uma festa de Hallowen!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Diários de uma diabética -parte 3

Como todos sabem, sou fã do Dr. Jenkins, o cara que criou o Índice Glicêmico. Apesar da minha frustração com a reunião com as potenciais cobaias para o futuro estudo dele, continuo a ser fã da pesquisa que ele faz. Mas hoje me deparei com uma nova pesquisa, que pode talvez sugerir que todos os estudos do Dr. Jenkins são, na verdade, pouco relevantes. Antes de  explicar do que trata essa nova pesquisa, deixa eu explicar um pouco o que o Dr. Jenkins está pesquisando.


Antes da reunião degringolar, o Dr. Jenkins explicou que o estudo mais recente dele está tentando comparar os benefícios de uma dieta de baixo índice glicêmico com uma dieta normal (que inclui comidas com alto índice glicêmico, como arroz, batata e pão) rica em fibras. Ele está fazendo esse estudo porque ele quer buscar algum tipo de explicação para a epidemia de diabetes que assola o mundo, especialmente os países desenvolvidos como EUA e Canadá. Apesar dos benefícios comprovados da dieta de baixo índice glicêmico, o argumento dele é que os índices de diabetes têm aumentando vertiginosamente ao longo dos anos. O que poderia explicar isso? As pessoas não seguiam uma dieta de baixo índice glicêmico antes, portanto essa claramente não é a razão. É claro que hoje as pessoas comem mais comida industrializada (que tem mais açúcar do que comida fresca) e se exercitam menos. Mas ele quer descobrir se tem algum outro elemento da nossa dieta que também está contribuindo para essa epidemia. Por isso ele está tentando investigar se uma dieta rica em fibras era um dos fatores que reduzia os níveis de diabetes antigamente.  


Todavia, uma nova pesquisa sugere que obesidade e diabetes parecem estar mais relacionadas com a exposição à luz, do que com o que e o quanto se come. Ou seja, o fato de que criamos a luz elétrica, e da mesma estar cada vai mais disponível, mais potente e mais barata está contribuindo para que nossa sociedade fique mais gorda e mais doente. A pesquisa ainda não foi testada em humanos, mas os resultados com ratos são impressionantes. Ratos que foram obrigados a comer durante o dia (quando o relógio biológico deles demanda refeições durante a noite) engordaram e desenvolveram resistência à glicose, apesar dos dois grupos de ratos (um que comia durante a noite e outro durante o dia) estarem comendo a mesma coisa, na mesma quantidade. Portanto, talvez o Dr. Jenkins esteja procurando uma resposta para o mistério da epidemia de diabetes no lugar errado. 


Caso provem que esse novo estudo se aplica também a seres humanos, os médicos continuarão recomendando aos gordinhos e diabéticos para não assaltar a geladeira a noite. Todavia, a justificativa mudaria completamente: o problema não é a geladeira, mas a noite... 

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A eleição acabou, mas a política continua (para o bem ou para o mal)

Para os interessados em política, recomendo o excelente artigo de Helio Schwartsman na Folha de S. Paulo, fazendo um balanço dos oito anos do governo Lula. Mais do que um texto sóbrio e balanceado, ele confirma o que eu já havia dito sobre a política econômica brasileira em post anterior: o que antes era briga partidária e ideológica virou agora política pública consensual. Segue abaixo um trecho do artigo:

acho que dá para afirmar que o PT não é o único --e nem mesmo o principal-- artífice da bonança econômica. O Brasil vai agora relativamente bem porque se formaram alguns consensos importantes em relação, principalmente, a qual modelo seguir. Desde então, paramos de inventar bruxarias e tentar reinventar a roda. Firmes em direção a um norte, e com uma mãozinha da China que compra quase tudo o que somos capazes de extrair da terra, os resultados apareceram.

Para sermos honestos, é preciso dizer que esse consenso se formou apesar do PT, que, enquanto estava na oposição, fez o possível para sabotá-lo. A cada oportunidade que tinham, Lula e seus seguidores denunciavam o ajuste fiscal, as privatizações e a própria economia de mercado, a que tachavam de neoliberalismo. Foi só na iminência de chegar ao poder que o partido finalmente aderiu ao consenso, cujas sementes haviam sido lançadas na gestão Fernando Collor de Mello e que ganhou corpo sob o governo de Fernando Henrique Cardoso. Numa das mais reveladoras declarações de sua carreira, o já presidente Lula admitiu que, enquanto oposição, o que partido fazia eram "bravatas".

Resquícios desse discurso "bravatista" apareceram agora na campanha, quando Dilma tentou apresentar José Serra como o homem que privatizaria a Petrobras. Se quisermos há elementos dessa retórica na própria administração, em especial nas relações externas, que ainda tentam pintar os EUA como a encarnação do mal e ensaia desastradas aproximações sentimentais com regimes que se afirmem de esquerda ou se oponham ao "império". 

Aqui, o analista generoso afirmará que o PT, depois de muito tempo, finalmente aprendeu o beabá dos fundamentos econômicos e mudou para melhor. O crítico mais impiedoso dirá que são um bando de oportunistas que dançam conforme a maré e tomam para si glórias alheias. De minha parte, fico no meio do caminho entre essas duas posições mais caricaturais.


Aguardo ansiosamente o dia em vamos chegar ao ponto da razoabilidade consensual no âmbito da diplomacia. Quem sabe nesse dia o Brasil passe a ter uma política externa decente que mostre que de fato merecemos a projeção internacional que ganhamos nos últimos anos.    

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Halloween




Ontem o Canadá celebrou a famosa festa do Halloween, que é comumente traduzido como dias das bruxas. Mas não há nenhuma tradução que pudesse ser mais distante da origem do nome. Halloween vem de All-Hallow-Even, que é o termo escocês para descrever a noite que antecede o dia de todos os santos, uma celebração católica. 


Mas como as demais celebrações católicas, a coisa acabou degringolando. O carnaval, por exemplo, era supostamente um período para consumir bebidas alcóolicas e comidas gordurosas, que era proibidas durante a quaresma. O consumo disso tudo continua, e as peripécias vão muito além, mas pouca gente se lembra que toda essa abundância deveria ser seguida de um período de privação e castidade. 


Da mesma forma, a páscoa virou um momento de consumo de chocolate em massa, quando a celebração original era, na verdade, voltada para celebrar a ressureição de Cristo. Mesmo a figura do coelho, que foi mantida, é um elemento pagão da celebração. O coelho e os ovos pintados eram usados por pagãos na idade média para homenagear a deusa da primavera. Portanto, nem mesmo esse elemento da festa tem algo a ver com as tradições do cristianismo. 


Portanto, o Halloween não está sozinho na longa tradição de celebrações cristãs que foram apropriadas por pagãos e hoje não refletem qualquer valor religioso. Na verdade, em alguns aspectos, o Halloween se parece bastante com o carnaval e com a páscoa, pois há muitas pessoas com fantasias -- em especial muitos homens vestidos de mulher -- e há porcarias para crianças comerem a vontade, incluindo muito chocolate. 




E esse foi o ano em que eu me envolvi pela primeira vez com a festa. Mas isso vai ficar para outro post. Hoje eu preciso contar a complexa relação de uma imigrante brasileira com o halloween ao longos dos últimos anos. 


Em anos anteriores, aterrorisada pela idéia de que crianças fantasiadas iriam bater na minha porta e pedir balas e doces, eu apagava todas as luzes, e fingia que não estava em casa. Fiz isso em New Haven durante muitos anos. Em geral, eu não via o Halloween chegando. Ia de casa para a biblioteca, e da biblioteca de volta pra casa. Não parava, portanto, para prestar atenção na decoração e muito menos na data de celebração. Daí, no fatídico dia, ao caminhar de volta pra casa, eu notava a multidão de crianças andando pela rua, todas fantasiadas, batendo de porta em porta. Imediatamente, eu entrava em pânico. Achava que assim que eu chegasse em casa, elas iriam bater e eu não ia ter nada para oferecer, para desapontamento geral. Mais do que isso, os dizerem são ameaçadores: "treat or trick". Depois de passar pelo trote de caloura da USP, eu não estava preparada para ver qual era o "trick" que esses diabinhos americanos tinham guardado debaixo da manga (ou da máscara, no caso).


Alguns anos depois, descobri que o Halloween tem um código de condutas, ou um manual de boas maneiras. Ninguém vai bater na casa de alguém assim, de supetão, demandando balas, chocolates e quitutes e te ameaçando caso você não provenha o que está sendo demandado.  Acho que isso viola todas as regras de comportamento e os valores dos anglo-saxões. Portanto, há uma série de regras que garantem que a festa vai se conformar com os valores dessa sociedade calculista e individualista. 


Primeiro, as crianças apenas vão nas casas que têm decoração na porta. Portanto, eu não corria qualquer risco de ser atacada por ninguém, já que não tinha sequer uma abobora na minha porta. Portanto, como uma boa sociedade em que se planeja tudo com antecedência e se evita ao máximo surpresas, apenas as pessoas preparadas para dar "treats" recebem a visita dos monstrinhos.


Depois que eu descobri isso, resolvi tentar participar da festa quando mudei para Toronto. Coloquei um pequeno enfeite na porta (para que as crianças não criassem muita expectativa...) e comprei um saco de chocolates e outro de balas. Basicamente, foi um desastre. Duas famílias com três crianças bateram na porta. Eu abri a porta tão animada que as crianças ficaram meio assustadas com a minha empolgação, em especial as mais novas que tinham 2 e 3 anos. O rapazinho de 5 anos não se deixou vencer pela "tia louca" que tinha aberto a porta, e bravamente esticou o chapéu dele. Como já era tarde, e como eu tinha um saco cheio de chocolate, comecei a despejar o saco dentro do chapéu do menino. A mãe desesperada me pede para parar. A "tia louca" imediatamente interrompe a cachoeira de chocolate que estava caindo no chapéu do menino, e se depara com um chilique. 


- Quero mais! E ele apontava acusadoramente para o saco cheio de chocolate, enquanto berrava a plenos pulmões. 
- Não, filho. A "tia" já te deu muito. Agradeça a ela. 
- Quero mais! E o menino ameaçou chorar.


Nesse momento, as meninas assustadas se desinibiram. Acho que elas perceberam que a "tia louca" podia potencialmente ser uma fonte quase infindável de chocolate e estenderam seus chapéus. Achei que as meninas mereciam receber algo, já que o menino era o único que tinha ganhado. Porém, para evitar o erro inicial, dei apenas um punhado pra cada. Foi a gota d'água. As meninas começaram a chorar porque o menino tinha ganhado mais. O menino respondeu chorando, gritando com a mãe que as meninas estavam ganhando e ele merecia também. Eu adoraria me livrar daquele chocolate todo -- de baixíssima qualidade, diga-se de passagem -- e daquelas crianças choronas. Estava pronta para dar todo o saco ali mesmo. Todavia, resolvi aguardar instruções dos pais, já que claramente eu e as crianças éramos os seres inimputáveis naquela história toda, e certamente não deveríamos ser os encarregados de tomar alguma decisão. Resultado? Os pais decidiram que eles não estavam se comportando e não iam ganhar mais nada. Recolheram as três crianças aos berros, eu não recebi mais visitas, graças à decoração discreta que arranjei. Acabei me empanturrando de chocolate ruim por duas semanas. 


Apesar de desastrosa, nesse episódio aprendi a segunda regra do halloween: os pais usam o Halloween como uma oportunidade para educar os filhos. Ou seja, as crianças passam uma noite inteira em um intensivão do processo que outras crianças apenas experimentam no dia do aniversário. Ganhou presente, filho? Agradece a "tia"? Como se diz? Imagina as crianças de três anos fazendo isso em trinta casas em uma única noite. Aos cinco anos elas estão treinadas que nem robôs para receber presentes e agradecer, como manda a ordem a os bons costumes. É óbvio que ajuda bastante se a pessoa dando as balas é anglo-saxã, moderada, ponderada e contida. Mas infelizmente eu não sabia disso naquela época....

Eu ponderei participar do halloween no ano seguinte, mas uma história de uma amiga me desencorajou. Disse ela que umas crianças de sete e oito anos bateram na porta. Ao gritarem "trick or treat" o cachorro se assustou e latiu. Uma das meninas se assustou com o cachorro e minha amiga foi tentar acalmá-la. Virou pra menina e disse que o animal era um gato, disfarçado de cachorro. A menina virou pra mãe e falou: - mãe, essa mulher louca acha que o cachorro dela é um gato! Mais uma oportunidade para a mãe ensinar boas maneiras para a filha. Depois de ouvir a história, decidi que ser cobaia da educação das crianças alheias não fazia muito meu perfil. 


Por isso que esse ano decidi participar de versão adulta da festa. Nessa versão, o halloween perde as características comuns com a páscoa, e passa a compartilhar mais características com o carnaval. Exceto que está frio e a cultura WASP não deixa as pessoas muito a vontade para sair peladas na rua. Além disso, é proibido beber em local público aqui. Isso reduz bastante o número de pessoas bêbadas. Portanto, há menos nudismo e menos álcoolismo, mas os anglo-saxões compensam isso com muita criatividade. Aguardem as fotos!