Sempre que eu saio do Canadá para os Estados Unidos, tenho que passar na imigração ainda em Toronto. Portanto, o desembarque parece muito com um desembarque doméstico. Exceto que basta interagir com qualquer pessoa no aeroporto para você perceber que está nos Estados Unidos. Nova Iorque é o lugar onde isso fica mais claro. Experimente parar para pedir qualquer informação em um aeroporto na big apple. Se você conseguir um grunhido, vai ter sorte. Em geral você ganha um dedo em riste, apontando na direção que você deve ir. Às vezes, o dedo é combinado com um olhar sugerindo que você é um imbecil por não saber a resposta à pergunta que você acaba de fazer. Uma vez recebi um olhar tão fuzilante que eu tenho quase certeza que significava que eu era uma imbecil por simplesmente existir, e continuaria sendo uma imbecil ainda que não tivesse feito a pergunta. Um amigo muito acuradamente descreveu Nova Iorque como "o planeta do macacos".
Foi por causa disso que eu esqueci que estava nos Estados Unidos quando desembarquei em Minneapolis na última quinta-feira. Desci do avião e fui procurar um balcão de informações pra saber onde eu podia pegar um táxi. A moça do balcão muito gentilmente perguntou aonde eu gostaria de ir e quando eu disse o nome do hotel, ela me disse que o hotel tinha um shuttle que pegava hóspedes no aeroporto. Que surpresa boa, disse eu. A mulher me deu instruções detalhadas sobre como pegar o trenzinho do aeroporto e virar a esquerda, e passar pelo starbucks e descer a escada rolante para encontrar o outro balcão de informações onde eu poderia ter mais informações sobre como pegar o shuttle. Nada de dedo em riste…
Chegando no outro balcão de informações, uma outra senhora fez questão de checar o endereço do meu hotel antes de me indicar onde pegar o shuttle. Bingo! Ela descobriu que o meu hotel tem uma filial perto do aeroporto, que oferece o shuttle, mas a filial para a qual eu estava indo ficava no centro da cidade. Disse ela que não tinha shuttle do aeroporto para essa filial. Daí ela parou, olhou para mim e falou: - espera um minuto. Para minha surpresa ela pegou o telefone e ligou para o hotel. Perguntou se eles tinha um shuttle para o aeroporto. Eles disseram que não. Daí ela perguntou se eles tinham um shuttle pra me pegar na estação de metro mais próxima. Eles disseram que sim. Pronto, disse ela. Você vai de metro. Ela me deu um mapa do aeroporto, pra eu saber onde ficava a estação dentro do aeroporto. Daí ela me deu um mapa do metro e fez um circulo na estação onde eu ia descer. E como se não bastasse dois mapas, ela me deu um mapa da cidade, caso eu decidisse andar até o hotel, ao invés de esperar o shuttle. E daí ela me deu o telefone do meu próprio hotel, e recomendou que eu ligasse duas estações antes para não ficar esperando muito tempo pelo shuttle. Ainda bem que minha mãe ainda está viva, senão eu ia jurar que o espírito da minha mãe tinha baixado no corpo daquela senhora asiática que estava tão preocupada comigo.
É interessante porque em geral a gente pensa que sair do Canadá para ir para os Estados Unidos significa ir em direção ao sul. Mas pra ir de Toronto pra Minneapolis você precisa ir para o Norte. E, como era de se esperar, é mais frio lá. Eles acabaram de ter a primeira nevasca e quando eu cheguei estava tudo coberto de neve. As temperaturas em Toronto, em contraste, ainda não estão abaixo de zero e nenhum sinal de neve. Lá minhas orelhas (debaixo do gorro) e os meus dedos (dentro da luva) congelavam só de andar duas quadras do hotel até a universidade. Por causa do frio, parecia ainda mais que eu estava no Canadá.
Chegou um ponto da minha estadia, todavia, em que eu comecei a achar que eu estava no Brasil. Claro que essa versão tinha menos credibilidade do que a versão em que eu achava estar no Canadá. Por mais confusa que minha cabeça estivesse, eu ainda conseguia lembrar que não neva no Brasil (pelo menos não nas partes do país que eu frequento).Mas ainda assim, tive alguns episódios aqui tipicamente brasileiros.
Primeiro, uma colega da conferência deixou o meu carregador do celular na recepção do hotel. Claro que o carregador sumiu e ninguém achava o negócio. Mas os atendentes, no melhor estilo brazuca, resolveram dar um jeitinho. Me levaram para os achados e pedidos, onde havia uma caixa com mais de cinquenta carregadores, e falaram pega um aí. Eu ainda tentei procurar pelo meu, mas eles insistiram que era pra eu pegar qualquer um que encaixasse no meu celular. Disseram que as pessoas esquecem carregadores todos os dias, e elas nunca voltam pra buscar…
No segundo espidódio, no aeroporto, resolvi jantar antes de embarcar de volta pra Toronto (porque agora as empresas aéreas não servem mais comida…). Ao olhar o menu, vi três opções. Peixe branco, $14; salmão $16, e bife $18. Eu li recentemente em um livro chamado “Previsivelmente Irracional” que normalmente quando empresas te oferecem três opções, eles estão querendo que você escolha a do meio.O autor explicava que restaurantes aumentava a receita ao colocar items mais caros no menus, apesar da inclusão desses items não aumentar o número de pedidos pelo item mais caro. A coisa funciona assim: se eu vejo peixe branco $14 e salmão $16, eu considero que o salmão é o item mais caro do menu e acabo escolhendo o peixe branco. Todavia, se tem um item ainda mais caro que o salmão no menu, as pessoas se sentem mais confortáveis em pedir salmão.
Pedi o salmão. O garçom me falou pra eu não pedir o salmão porque era muito seco. Perguntei pra ele o que ele recomendava. Ele falou: o peixe branco. Considere que a gorjeta do garçom, que é proporcional ao total da conta, vai ser maior quanto mais caro for o prato que eu pedir. Portanto, ele tinha todos os incentivos pra me deixar com o salmão seco, ou pra tentar sugerir que eu pedisse o bife. Mas ao invés de se preocupar com a gorjeta dele, ele estava preocupado em garantir que eu ia ficar satisfeita com o que eu pedisse. Se fosse um restaurante qualquer na cidade, alguém poderia supor que ele estava tentando conquistar um cliente habitual. Mas no aeroporto isso certamente não se aplica. A probabilidade dele me ver de novo é minima, se não for inexistente. Enfim, o cara só estava tentando ser legal. Como os brasileiros, com frequência, tentam.
Mas a neve me impediu de me convencer que isso aqui parecia com o Brasil. Além disso, a quantidade de pessoas brancas (aquele branco bem Americano) é incrível. Não tem diversidade racial nenhuma aqui. Portanto, apesar das pessoas parecem bem brazucas, o lugar ainda parece muito mais com o Canadá.
E minhas impressões foram confirmadas por uma colega, professora de Harvard, no caminho para o aeroporto. Perguntei a ela se ela via muitas diferenças culturais entre o Canadá e os Estados Unidos. Ela disse que os canadenses era muito mais simpáticos. Ela disse que sempre que vai para o Canadá fica impressionada com o quanto as pessoas são “gente boa”. E – como uma boa pesquisadora – ela disse que tinha feito um teste pra provar a tese dela. Ela disse que toda vez que encontra uma pessoa em uma conferência que parece um(a) Americano(a), fala como um(a) Americano(a) mas é super simpatico(a) ela pergunta se a pessoa é canadense. Ela disse que o teste não falha. 100% das vezes ela está certa. Eu disse pra ela que pode ser que isso seja verdade na academia, mas sugeri que ela fizesse o teste com gente comum em Minneapolis. Acho que se ela fizer isso, a tese dela vai desmoronar. Ela brincou comigo dizendo que a gente sai da conferência, mas continuamos o diálogo acadêmico, ou seja continuamos uns destruindo as teses dos outros. Respondi que sim, mas que os canadenses eram os únicos que tinham achado um modo simpático de fazer isso…