domingo, 23 de janeiro de 2011

O mundo dá voltas

Nos últimos meses, estou usando os poucos minutos que tenho antes de capotar na cama para ler um livro chamado Eat, Pray, Love ("Comer, Rezar e Amar"), recomendado por uma amiga do clube de corrida. Estou adorando o livro na versão original em inglês (não sei se a tradução para o português é boa). Acho que o que me conquistou foi o fato de que a autora foge dos chavões com extremo bom humor, tem piadas inteligentes, e consegue falar de forma engraçada sobre coisas que são sérias para algumas pessoas -- como, divórcio, ioga ou meditação -- sem banalizar ou ofender ninguém.

A história é simples: depois de um divórcio complicado e doloroso, ela consegue que a editora dela cubra os custos de um ano de viagem. Os destinos são Itália (comer), India (rezar), e Indonesia (onde ela foi originalmente encontrar equilíbrio, mas acabou se apaixonando por lá). E não fique chateado(a) que eu contei o final: saber o que vai acontecer não é o ponto. A parte interessante do livro é como ela conta tudo que aconteceu.

Por que estou falando disso? Por dois motivos. Um é que ela descreve uma parte da India com a qual não tive contato. Uma parte voltada para meditação, onde pessoas ficam reclusas em templos, e seguem um guru. Não deu pra ver nada disso em uma grande cidade da India. O segundo motivo é que aconteceu uma coisa engraçada esses dias. Ando falando tanto do livro que uma pessoa me recomendou uma palestra da autora, que tem todas as características do livro: fala de coisas sérias para alguns -- como forças sobrenaturais -- com bom humor e inteligência, conseguindo captar a a atenção de crédulos e incrédulos, sem ofender ninguém. 

 





Mas o mais interessante foi que, ao assistir a palestra, pensei: 

- Peraí, eu já vi isso antes! 

Sim, de fato. Ano passado meu tio tinha me dito que havia virado fã das Ted Talks, que eu frequentemente assisto e de vez em quando coloco no blog. E ele me disse que tinha encontrado uma palestra super interessante e me mostrou exatamente a palestra acima. Naquela época, não tinha ouvido falar do livro ou da autora. Portanto, apesar de ter gostado muito da palestra, esqueci dela quase que imediatamente. E agora, depois de tanto tempo, volto a encontrar a palestra, por acaso, exatamente quando a autora virou quase que uma presença diária na minha vida. 


Tenho certeza que a Elizabeth Gilbert ia escrever um post maravilhoso sobre esses encontros e desencontros. Ela provavelmente ia atribuir isso ao trabalho de duendes (como ela faz com a criatividade dela), mas ia fazer um relato tão interessante que até pessoas incrédulas como eu não conseguiriam parar de ler antes de chegar ao final. Eu sou incrédula demais para conseguir ser convincente ao falar de duendes ou coisas sobrenaturais. Todavia, acho que o encontro inusitado com a palestra, depois de ter esquecido dela por mais de um ano, ilustra uma coisa bem pouco sobrenatural mas ainda assim muito interessante: o benefício da desorganização.

Em 2007, foi publicado um livro chamado A Perfect Mess ("A bagunça perfeita") que explica porque pessoas desorganizadas são mais criativas e mais produtivas que pessoas muito organizadas (veja a review aqui). O primeiro argumento do livro é que organização toma tempo, que poderia estar sendo usado de maneira mais produtiva. Portanto, enquanto as pessoas organizadas estão catalogando, arquivando e fichando coisas, as pessoas desorganizadas jogam os papéis em pilhas aparentemente aleatóreas e ficam com mais tempo livre para produzir. 

O segundo argumento do livro é que a desorganização cria encontros fortuitos, o que ajuda no trabalho criativo. Por exemplo, se eu não tivesse esquecido da palestra e encontrado ela novamente por acaso, não estaria aqui escrevendo esse post. Da mesma forma, com frequência eu encontro um artigo no meio das pilhas de papéis no meu escritório que é extremamente relevante para algo que estou fazendo agora. Sem a desorganização eu teria arquivado o artigo como parte de um projeto anterior e não em ocorreria de associá-lo com o meu projeto mais recente.


Eu adicionaria aqui um terceiro argumento: é graças a essa desorganização que algumas culturas tem comida boa. Como diz N., "I must say, out of experience, only disorganized cultures have good food and taste in clothing." O Canadá parece um escritório (ou uma geladeira) super organizado, enquanto o Brasil, a Itália e a India parecem mais o meu escritório, como pilhas de papel para todos os lados. Apesar da desorganização me irritar às vezes, tenho que reconhecer que é graças a ela que esses países tem tanto charme, criatividade e estilo. E, convenhamos, é graças à minha desorganização que tenho tempo para o blog e é graças a esses encontros fortuitos que arranjo assuntos para discutir aqui!


É, o mundo dá voltas. Depois de tanto reclamar da desorganização, aqui estou eu reconhecendo seu valor, mais uma vez...

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Impressões da Índia


Escrito no dia 14/01/2011
Cheguei na India a noite, cansada de uma viagem de 14 horas. Só deu tempo de dormir algumas horas, antes do início da conferência. Portanto, minhas primeiras impressões do país não foram sofisticadas e profundas, afinal, entrei no hotel, dormi, acordei, tomei café, e fui para a conferência. Mas ainda assim vou dividir ela com vocês, só para a viagem não passar em branco.
A Índia tem um pouco de tudo que encontrei em outros lugares que visitei, exceto que é tudo um pouco mais exagerado. Por causa do terrorismo, há seguranças com metralhadoras em todos os lugares possíveis e imagináveis, incluindo os hotéis. Tive a sensação de estar de volta na Colômbia, onde a ameaça de terrorismo exige o mesmo tipo de medida. Porém, o Colombiano que estava na conferência confessou que até ele ficou assustado com o fato de que temos que passar nossas malas e bolsas pelo raio-X para entrar no hotel. Nesse quesito, segundo ele, a India bateu a Colômbia.
Assim como na Inglaterra (ou talvez eu deveria dizer por causa da Inglaterra), aqui dirigi-se do lado direito do carro. Quando estive em Londres, tive alguns momentos de paúra ao achar que o táxi estava entrando na contramão em certas ruas. Aqui tive exatamente a mesma sensação, com o agravante que os motoristas dirigem feito uns loucos. Imagine a sensação de que o cara está entrando na contramão combinada com a certeza de que ele vai colidir com alguém. A tudo isso junta-se a falta absoluta de uso de espelhos retrovisores. Aqui apenas se usa buzina. Portanto, se alguém está mudando de faixa, o sujeito simplesmente começa a jogar o carro para a outra faixa, e apenas pára de faze-lo se ouve uma buzina. Da mesma forma, alguém ultrapassando outra pessoa enfia a mão na buzina, para se certificar que o outro está devidamente informado que alguém está passando. O problema é que é tanta buzina ao mesmo tempo que eu não tinha menor idéia de onde a buzina estava vindo e para quem era direcionada. Tive que respirar fundo várias vezes no trânsito aqui…
Assim como a Itália, aqui come-se maravilhosamente bem. Consolida-se mais uma vez a tese de N. de que é preciso essa desorganização e espontaneidade para se fazer comida boa. Sim, sim, definitavemente o caso da Índia. A diferença aqui é a quantidade insana de pimenta que eles colocam na comida. Fiquei sabendo que eles maneiram quando a comida está sendo preparada para estrangeiros, mas ainda assim foi a comida mais apimentada que comi na vida. Um pouco menos de pimenta e seria perfeita. Outra coisa que eu gostei aqui é que eles comem muito iogurte e muita banana. Como eu basicamente vivo a base de iogurte e banana, eu era a pessoa mais feliz do mundo quando no intervalo da conferência encontramos uma mesa com café, biscoitinhos, banana e iogurte.
 O trânsito aqui é tão ruim quanto o de São Paulo, e quando você sai corre  risco de ficar preso por um período considerável de tempo. Em uma tentativa de reduzir um pouco a intensidade do tráfego, construíram em Delhi o que eles chamam de roadring, que é o equivalente do nosso rodoanel em São Paulo. A diferença principal, todavia, é que, apesar dos caminhões terem sido retirados do meio da cidade, a confusão aqui não se resume a carros e motos: aqui também tem riquixás, tuctucs e bicicletas no meio da muvuca, o que complica significativamente a situação. 
Uma outra coisa que me impressionou foi a modernidade e sofisticação do aeroporto. Deixou todos os aeroportos que visitei antes no chinelo, exceto pelo aeroporto em Beijing. E a razão para tanta sofisticação é a mesma nos dois casos: Beijing fez suntuosas reformas para sediar as olimpíadas, e Delhi fez o mesmo para sedir os jogos do CommonWealth. Resultado, um aeroporto maravilhoso. Impressionante mesmo. A principal diferença entre eles é que a India deu um toque mais pessoal nas reformas, e encheu o aeroporto de símbolos da cultura do país. No início do post coloquei a imagem que se tem quando se sai do avião para passar pela imigração.
A única coisa que me pareceu única da India é a cultura de servilidade que existe por aqui. Depois de morar tanto tempo fora, é sempre estranho chegar no Brasil e observar o quanto de servilidade existe na nossa cultura: a empregada servindo a comida e retirando os pratos, a garçonete trazendo uma reles xícara de café expresso, etc. Na India, todavia, o nível de servilidade deixa o Brasil no chinelo. No hotel, por exemplo, há um exército de pessoas no lobby aparentemente fazendo nada. Daí você faz cara de que precisa de alguma coisa – não precisa falar nada, é só fazer cara de… -- e aparece alguém na sua frente perguntando o que você quer. Se você estiver procurando pelo banheiro, te levam até lá. Se você quiser saber onde pode tomar água, pedem pra você sentar e trazem água em uma bandeija. Carregar suas próprias malas? Nem pensar! Eu não consegui sequer carregar minha bolsa. Como boa brasileira, achando que ia ser roubada, eu segurei firme minha bolsa, onde estavam minha carteira e documentos. Nada feito. Parecia para eles um absurdo que eu estivesse fazendo qualquer esforço pra fazer qualquer coisa. Muito estranho e desconfortável a situação, devo confessar.
Bom, por enquanto é isso. Vou ter um dia livre quando a conferência terminar. Daí que vou poder ver do que a India é feita, de verdade.