domingo, 3 de junho de 2012

A arma do crime

Quando entrei no banheiro do hotel e vi as toalhas brancas e a pia toda manchada, fiquei atônita. Parecia que uma guerra havia acontecido ali e, durante a confusão, ninguém conseguiu conter muito o dano. Meu pai, quase em pânico, me dizia que tinha decidido usar o banheiro para não sujar o quarto do hotel, mas ao tentar cortá-la, aquele líquido de cor fuzilante espirrou para todo o lado, deixando o banheiro na situação em que se encontrava.

- Precisamos limpar tudo, antes que o pessoal da limpeza veja isso! Falei, tentando não me deixar afetar pela cena de horror que presenciava.

E começamos a limpeza.

Mas diferentemente de outros líquidos, facilmente removíveis com água e sabão, aquele deixou sua marca em todos os cantos do banheiro. Por mais que lavassemos as toalhas, elas continuavam manchadas. Mas o pior era a pia. Ainda que os tons mais fortes saíssem com relativa facilidade, os resíduos permaneciam lá, como se tivessem penetrado nos poros da pedra e se recusassem a sair. Ou seja, as evidências – ou reminiscências -- do que tinha acontecido permaneciam no lugar, por mais que tentássemos removê-las.

Enquanto limpava, pensava como tínhamos chegado nesse ponto. Lembrei então que tudo começou com minha faxineira trazendo a arma do crime na sua bagagem, quando voltava da Jamaica. Pensei que ela teria algum esquema bem bolado para esconder a dita cuja, mas ela simplesmente colocou-a na mala, sem maior cerimônia. E assim a arma chegou as nossas mãos, em território canadense, sem ser confiscada pelas autoridades que supostamente devem fiscalizar os aeroportos e outros pontos de imigração. Chegou mais por sorte do que por mérito da nossa courier, mas ainda assim chegou. Uma mistura de medo e animação tomou conta de mim. Pensei como a facilidade de contrabandear coisas ilegais abre um mundo de possibilidades para mim, e fico animada. Penso, todavia, que as mesmas possibilidades estão abertas para outras pessoas, de reputação menos ilibada e que podem ser ainda mais perigosas para a saúde pública e a paz social do que eu. Daí o medo. Ao olhar para aquele banheiro naquele estado, todavia, pensei se de fato eu estava no grupo de pessoas com reputação minimamente ilibada...

Não olhei no relógio para ver quanto tempo havia durado a limpeza. Não queria também pensar no que aconteceria se alguém descobrisse o que havia acontecido ali. Fiquei, durante aquele tempo todo, focada no objetivo principal: eliminar todo e qualquer resquício do evento. Ao final do processo, meus músculos doíam. Mas o banheiro parecia estar de novo limpo. Ao menos não levantaria suspeitas do ocorrido naquele quarto hotel, do qual sairíamos na manhã seguinte. Meu momento de alívio, todavia, foi interrompido por um pequeno pânico. Ao olhar para a lata de lixo vejo ali, totalmente à mostra, a arma do crime. Decidi fechar o saco de lixo e levá-la para o carro. O odor ainda era forte e certamente ficaria pior se passasse a noite ali. Decidimos descartá-la na estrada, em algum lugar distante, no dia seguinte.

Até o momento, posso afirmar que cometemos o crime perfeito. Permanecemos incólumes. Ainda assim, vou pensar duas vezes antes de deixar meu pai comer manga jamaicana no banheiro do hotel da próxima vez que ele vier ao Canadá.

Nota: Essa é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com locais, pessoas ou acontecimentos reais não passa de mera coincidência.

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