sábado, 2 de fevereiro de 2013

As histórias, de novo

No meu último post, eu argumentei que as pessoas se sentem mais atraídas (e acham mais convincentes) histórias concretas e cheias de detalhes, em contraste com números abstratos e impessoais. Depois de escrever o post, lembrei que o livro do Kaheman, que eu já tinha mencionado aqui, oferece uma explicação da razão pela qual gostamos tanto de histórias. Basicamente, as histórias se ligam com facilidade com uma das formas através das quais frequentemente raciocinamos, que é através de atalhos, ou o que Kaheman chama de heuristics.

Um boa ilustração é o diálogo com o qual abri meu penúltimo post. Para quem jocosamente me chama de canadense ao me ver colocar o cinto no banco de trás do carro, eu conto uma história pessoal, da minha avó. Ao invés disso, eu poderia perfeitamente responder com a estatística, ou seja o número de pessoas que morre anualmente no Brasil em acidentes devido ao fato de que estão no banco de trás sem cinto. Segundo Kaheman, minha escolha é acertada, pois minha estratégia é muito mais efetivam convencer meu interlocutor, apesar de ser absolutamente irracional acreditar mais em histórias do que em estatísticas. 

Por que deveríamos preferir estatísticas a histórias? Se você perguntar para qualquer acadêmico, a resposta vai ser: porque os dados agregados te dão um retrato mais completo do que está acontecendo. O fato de que uma pessoa morreu porque estava sem cinto no banco de trás não significa necessariamente que esse seja um risco que todas as pessoas correm. Pode ser que as circunstâncias daquele acidente, que são únicas e pouco prováveis, causaram aquela morte. Se isso for verdade, pouquíssimas pessoas correm o risco de morrer do mesmo jeito. Portanto, para que o dado tenha um mínimo de credibilidade, é preciso que haja um número significativo de casos. Daí a importância de estatísticas, regressões e todo tipo de recurso que temos para processar uma quantidade grande de dados e conseguir usar esses dados para prever riscos, etc. Sobre isso, um ex-professor meu de Yale escreveu um livro fascinante, chamado Super Crunchers.  Ele argumenta que números é a estratégia ideal para compreender melhor o mundo e os riscos que corremos nele. 

Em contraste, Kaheman mostra que na realidade (e em especial na realidade da pessoa que não está desenvolvendo pesquisa acadêmica, e mesmo no mundo de alguns acadêmicos...) é muito difícil processar esses números no nosso cérebro. Nós geralmente raciocinamos através de atalhos, interpretando o mundo de acordo com algumas regras e pré-conceitos que temos. Por que fazemos isso? Porque é a única alternativa viável. Segundo Kaheman, seria impossível, cada vez que recebemos informações, tentar pensar na informação que está faltando, e ir buscá-la antes de tirar qualquer conclusão. Portanto, nós preenchemos a lacuna construindo uma história a partir dos dados que temos. Fazemos isso para conseguir cheguar mais rápido a alguma conclusão. Por isso que, ao invés do meu interlocutor pensar que a história da minha avó pode ser uma exceção à regra, e que ele precisa ver as estatísticas do IBGE, ou precisa saber mais detalhes do acidente, ele aceita aquele dado como verdadeiro (que a causa da morte foi falta de cinto, e isso se aplica a toda e qualquer pessoa no banco de trás de um carro).

Segundo Kaheman, uma narrativa nos apresenta a mesma informação que os números apresentariam, mas de uma forma que é mais familiar e mais fácil de digerir. Esse é a razão pela qual as pessoas preferem receber informações na forma de histórias. O problema, como diz o próprio Kaheman, é que histórias são baseadas em simplificações e pré-conceitos, e portanto acabam sendo tendenciosas e parciais. Ou seja, elas são uma representação pouco acurada da realidade. 

Sobre isso, vale assistir o Tyler Cowen, um economista que escreveu um livro chamado Descubra o Economista Dentro de Você, que nos alerta para os riscos das histórias: 


Antes que vocês saiam por aí questionando toda e qualquer história, devo alertá-los para o fato de que esse tipo de simplificação, através de histórias, tem na verdade dois formatos. O livro Why Nations Fail é cheio de histórias, mas são todas elas baseadas em evidências estatísticas da mais alta qualidade, publicada em artigos acadêmicos pelos dois autores do livro. Portanto, enquanto eles usam histórias para conseguir passar a mensagem para uma audiência não-acadêmica, o recurso não está fundado em heuristics. Muito pelo contrário. 

O segundo formato, que é mais danoso, é o formato que circula pela internet, em especial no facebook. Nesses meios, as pessoas tem acesso a um lado da história, a uma informação, e adotam a mesma como verdade, usando os atalhos irracionais sobre os quais Kaheman nos alerta. Quem andou vendo as discussões sobre o aumento da gasolina e a redução do preço da eletricidade essa semana, tem uma coleção de bons exemplos deste tipo de comportamento. 

Qual a lição que devemos tirar sobre isso? Copio aqui o parágrafo final de um artigo interessantíssimo que li recentemente sobre o assunto:

"Ultimately, we need to remember what philosophers get right. Listen and read carefully; logically analyze arguments; try to avoid jumping to conclusions; don’t rely on stories too much. The Greek playwright Euripides was right: Question everything, learn something, answer nothing."

 P.S.: e entram na minha lista de livros para ler os seguintes títulos: 

1) The Seven Basic Plots: Why We Tell Stories

2) The Righteous Mind: Why Good People Are Divided by Politics and Religion

3) An Economist Gets Lunch: New Rules for Everyday Foodies (by Tyler Cowen, a foodie, like me!)

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