A cidade do México é uma mistura peculiar de São Paulo e Rio de Janeiro.
Aprendi a duras penas que, no Rio, toda a educação e formalidade de São Paulo de nada servem. Imagine a cena: fim de semana, bar da Urca lotado. As pessoas se acotovelavam no balcão para fazer seus pedidos. Os garçons se moviam à velocidade da luz, respondendo com precisão ao pedido de cada cliente. E eu estava lá, no meio da muvuca, há meia hora, sem sorte.
Lá pelas tantas, notei meu erro. Enquanto eu gritava “senhor? Senhor, por favor?”, os
cariocas encostavam a barriga no balcão gritavam "dois pastéis de carne" e saíam dali cinco minutos depois com o pedido em mãos. Como eu estava tentando obter as famosas empadinhas do lugar, notei que minha estratégia tinha que mudar. Era preciso ir direto ao ponto. Gritei: “duas empadinhas de palmito!” e fui prontamente atendida. Desde então, nunca mais sofri no Rio. Enquanto alguns dizem que os cariocas são mal-educados, eu
descreveria eles como pragmáticos. Em contraste com os paulistas, que precisam de um monte de frases longas para fazer o pedido, os cariocas simplificaram o processo ao máximo. Imaginem uma tarde chuvosa em um boteco em São Paulo:
- Boa tarde.
- Boa tarde.
- Pois não? Em que posso servi-lo?
- Será que o senhor poderia, por gentileza, me ver duas empadinhas de palmito, por favor?
- Sim, com prazer. Vou trazer suas empadinhas em um minuto.
- Muito obrigada.
- De nada. Disponha. A senhora gostaria de mais alguma coisa?
- Só isso mesmo. Obrigada mais uma vez.
- De nada. Se quiser mais alguma coisa é so me chamar.
Em contraste, no Rio, o diálogo se resume a:
- Duas empadinhas de palmito!
E elas se materializam na sua frente sem que nada seja dito depois disso. Se você quiser saber o preço, o cara aponta com o dedo para a parede atrás de você, onde os preços estão indicados. Tanto a entrega das empadinhas quanto a indicação do preço são feitas sem olhar para sua cara ou pronunciar uma única palavra. Resultado? Enquanto o garçom paulistano atendeu um cliente, já saíram 5 pessoas do boteco carioca com seus pastéis, empadinhas ou coxinhas.
Em questão de atendimento de balcão, acho que os cariocas maximizaram ao máximo a eficência. Qualquer um que encoste nessas lojas de suco nas esquinas do Rio sabe do que estou falando. Tem três caras atendendo 30 pessoas ao mesmo tempo. Não tem papel, diálogo ou computador. Mas há um sistema. Você pede para o sujeito do balcão um queijo quente com queijo minas no pão integral e um açaí sem granola e, em menos de cinco minutos, o pedido se materializa na sua frente. Quando você termina de comer, o garçom surge do nada e anuncia o valor da conta. Nunca vi nenhum erro. Nem no pedido, nem na conta. É um dos sistemas mais avançados de atendimento de clientes do mundo – e já nasceu protegendo o meio ambiente, pois não se usa papel ou eletricidade!
O sistema é ótimo se você tem um compromisso e precisa comer algo rapidinho antes de correr para algum lugar. O sistema também é ótimo quando você está sentado na mureta da Urca com seus amigos, olhando o pôr-do-sol. O problema é que às vezes você quer um pouco de interação humana. Sabe aquele dia que você ficou trancada em casa o dia inteiro ajeitando as notas de rodapé do paper sem nem sequer ligar o facebook? Pois é. Nesses dias, aquele dialogozinho com o garçom paulistano pode ser sua salvação. Esse vai ser o único contato humano que você vai ter antes de voltar para as notas de rodapé e ficar trabalhando nelas até cair de sono em cima do computador. Nesses dias, gritar
“dois palmito” para um estranho não satisfaz seu desejo de interagir com alguém…
É por isso que eu sou fã do México. Na cidade do México eles chegaram a um arranjo
ótimo que não é excessivamente formalista, como o paulistano, mas também não é tão econômico quanto o carioca. É uma coisa intermediária, tipo quatro frases (que eu traduzi para o português porque meu espanhol é sofrível….):
- Boa tarde.
- Boa tarde. Gostaria de que?
- Duas empanadas, por favor.
- Sim, como não?
Ou então o diálogo é assim:
- Mais um pouco de café?
- Sim, por favor.
- Diga o quanto é suficiente.
- Está bom, obrigada.
Ou seja, diferentemente do Rio, há interação. Mas ela é mais concisa que em São Paulo. Assim, você consegue ter sua dose diária de contato com a humanidade, sem que a mesma seja um conjunto de frases desnecessariamente longas que não precisariam ter sido ditas por nenhuma das partes para que a transação se completasse.
E há um detalhe importante: o olhar. Os garçons cariocas nunca olham pra você. Nunca. Acho que tem algum tipo de regra contra olhar diretamente para o cliente. Ou eles precisam muita concentração para administrar mentalmente os pedidos e não podem se distrair. Mas naqueles dia em que você está buscando contato humano, o olhar faz toda a diferença. Quando um garçom olha para você, esperando o pedido, de repente, é como se sua existência tivesse sido comprovada. Você se sente como parte do mundo, de novo. Não precisa ser um olhar longo, nem simpático. Basta apenas que a pessoa olhe na sua cara, para que sua submersão no mundo das notas de rodapé termine e você seja trazida de volta para o mundo das pessoas que não escrevem papers. Mas isso não acontece no Rio. Não tem olhar. Daí você volta para suas notas de rodapé sem ter certeza se você entrou em um universo paralelo e ficará preso lá para todo o sempre.
A idéia de que existente contato visual é importante de uma maneira quase inconsciente. Da última vez que estive no Rio, vivenciei uma cena insólita. Precisando ir ao banheiro na Cinelândia, entrei dentro de uma lanchonete e fui até o caixa para perguntar se podia usar o banheiro deles. A caixa conversava com a garçonete e nenhuma das duas interrompeu a conversa para olhar para mim (apesar de eu estar claramente de pé na frente delas). Eu já
sabia que tudo que devia falar era “banheiro?”. Mas o que eu não tinha notado ainda é que normalmente aguardamos a pessoa reconhecer nossa presença antes de nos dirigirmos a elas – e interromper conversas é normalmente considerado falta de educação. Mas com os cariocas, pode esperar sentado. As pessoas não vão reconhecer sua presença, muito menos interromper a conversa para fazê-lo. Quando eu já estava prestes a fazer xixi nas calças, perguntei em voz relativamente alta. “Banheiro?” A caixa apontou onde era sem sequer olhar pra mim ou interromper a conversa.
Em São Paulo, provalvemente o mesmo diálogo exigiria tantas frases que eu acabaria fazendo xixi na calça por causa da duração da conversa. Afinal, a pessoa pára de falar com a outra para olhar para você, mas daí você tem que (i) pedir desculpa por interromper a conversa, (ii) tentar ser educada o suficiente para não gerar hostilidade desde o início e (iii) pensar nos melhores argumentos para convencer seu interlocutor que você é merecedora do privilégio de usar o banheiro apesar de não ser cliente do estabelecimento. Dependendo
da reação, talvez você precise apelar para a compaixão do caixa ou do dono do estabelecimento, contando alguma história que justifique esse ato de filantropia.
Por isso que eu acho que o México encontrou o ponto ótimo:
- Los baños?
- Sí. Adelante. Diz uma pessoa sorridente, olhando para você e apontando para onde ficam os banheiros.
E assim você pode aliviar sua bexiga com tranquilidade, sabendo que faz parte do mundo ocidental civilizado. Se eles vendessem empada de palmito no México, me mudava pra lá, sem titubear!