segunda-feira, 25 de março de 2013

Trens e Tabus

A gente evita, faz de tudo, dá aquela prendidinha, mas um dia acontece. Ele sai, barulhento e demorado, te envergonhando da pior forma possível. E quando sai fedido? Não há nada mais constrangedor. Pois é. Mas acontece um dia na vida de todo mundo, não tem como escapar. E aconteceu comigo na semana passada, eu acho.

Estava dentro do metrô, com o fone de ouvindo, prestando atenção no meu audiobook quando ele me pegou desprevenida. Quando senti ele saindo, já era tarde demais para fazer alguma coisa. Comecei a torcer para não ser um daqueles demorados, mas foi em vão. Ele resolveu dar um show particular. E eu tive que ficar ali, esperando tudo aquilo acabar enquanto fingia que nada estava acontecendo. Ao menos não era fedido. Usei isso como consolo naquele momento de desespero, vergonha e humilhação. Estava causando uma pequena inconveniência aos demais passageiros, mas ao menos era apenas uma inconveniência sonora. Afinal, a inconveniência olfativa afeta mais profundamente: entra no seu âmago e fica lá impregnada e você não consegue pensar em outra coisa senão matar a pessoa que perturbou sua paz de espírito daquela forma. Me consolei pensando que ao menos eu não me encontrava entre aqueles que incomodam a humanidade de maneira tão aterradora.

Discretamente levantei os olhos para avaliar a situação. Esperava olhares de reprovação de todos os lados, e talvez algum rosto piedoso que me desse uma chance de pedir desculpas. Mas os olhares não estavam lá. Ninguém me olhava diretamente. Algumas pessoas trocaram um rápido olhar comigo, mas fiquei sem saber se era uma rápida reprovação ou uma troca não intencional de olhares. Continuei a procurar por um olhar acusatório, um sinal de que alguém tinha testemunhado o meu pecado, mas não consegui achar nada conclusivo...

E foi aí que bateu meu desespero. Eu estava com fones de ouvido. Eu não sabia se algum ruído tinha sido produzido ou não. Se houve algum ruído, eu precisava me envergonhar como manda o figurino. Se não tivesse havido ruído, todavia, eu podia respirar aliviada, pois a heresia teria passado desapercebida e, com certeza, seria perdoada por qualquer ente metafísico que tivesse notado o que acabara de acontecer. Mas eu não sabia! Eu não sabia o que tinha acontecido! Como agir, se você não sabe se acabou de fazer algo errado ou não? 

Comecei a olhar em volta novamente. E daí notei que todas as pessoas ao meu redor estavam com fones, como eu. Portanto, ainda que tivesse havido sonoridade no evento, eles não saberiam. Pensei momentaneamente naquele problema discutido em todos os cursos de filosofia: se algo ocorre em um quarto escuro sem que ninguém veja, ouça, sinta ou possa vir a saber do acontecido, podemos dizer que o evento ocorreu? Um dos argumentos é que não, a realidade é somente aquilo que percebemos sensorialmente. Acho que parte da nossa sensação de alívio quando não há sonoridade ou odor é exatamente a idéia de que nenhuma outra pessoa vai ficar sabendo que aquilo aconteceu. Se o evento não passou a fazer parte da realidade de nenhuma outra pessoa, ele não ocorreu. Portanto, se estavam todos de fone, ainda que tivesse havido qualquer ruído, é como se nada tivesse acontecido. Problema resolvido.

E foi aí que vi a velhinha lendo o livro dela sentada do outro lado do vagão. Ela não tinha fones. Portanto, caso o evento tivesse o potencial de fazer parte de alguma realidade alheia, ele tinha se tornado parte da realidade daquela velhinha. Era a ela que eu devia meu pedido de desculpas. Comecei a buscar sinais de que ela sabia do que tinha acontecido. Mas ela lia avidamente seu livro, sem erguer a cabeça. Encarei ela durante o restante do trajeto, na expectativa de receber algum sinal -- apenas ela podia me dizer o que tinha acontecido naquele vagão há três estações atrás. Apenas ela sabia da verdade! Mas ou ela não queria compartilhar a verdade comigo, ou ela não havia presenciado o evento, mesmo sem fone. Uma verdadeira tortura!

Cheguei à conclusão de que seria inapropriado me aproximar da velhinha para perguntar se ela tinha ouvido algo. Não consegui achar uma maneira delicada e simpática de formular a pergunta, por mais que a questão estivesse me perturbando. Resolvi que, em nome da civilidade, teria que conviver para sempre com aquela incerteza. Mas precisei colocar aqui no blog esse desabafo para não deixar que toda essas regras de civilidade acabem por aniquilar tudo que há de mais humano e mais orgânico em mim. Mas já consigo sentir os olhares de reprovação direcionados a mim pelo leitores, exceto por aqueles que estavam com a página do facebook aberta enquanto liam o blog e não prestaram atenção no texto. Peço desculpas pela inconveniência causada por esse post, mas também gostaria de lembrá-los que ela poderia ter sido muito pior... 

domingo, 24 de março de 2013

A Sabedoria Mexicana

Recentemente, durante uma visita ao México, tive uma excelente surpresa: ao perguntar sobre transferências condicionadas de renda, percebi que a resposta nunca era negativa.  O Programa Progresa (atualmente chamado Oportunidades), precursor do atual Bolsa Família, não gera o tipo de comentário que costumo ouvir no Brasil. O mexicanos não acham que as pessoas vão deixar de trabalhar porque estão recebendo o benefício. Também não acham que é populismo. Ao contrário, a maioria das pessoas com quem conversei, incluindo alunos de uma escola privada de direito, frequentada primordialmente pela classe média e pela elite mexicana, acha que o programa promove "a paz social". Ou seja, reduz violência, e todo tipo de tensão gerada por uma distribuição de renda tão desigual quanto a que temos em toda a América Latina. 

Obviamente, essas observações nada têm de científicas. Pode ser que minha impressão seja apenas fruto de uma coincidência. Talvez eu tenha encontrado o pequeno e único grupo no México que aprove a política. É possível também que eu tenha uma percepção exagerada da resistência ao programa no Brasil (um estudo sugere que 3/4 da população apoia o Bolsa Família). Ou seja, determinar se as pessoas com quem conversei representam a opinião da população em geral e se há de fato consenso no México exigiria um levantamento acurado que, até onde sei, não foi feito ainda. Apesar dessa total falta de cientificidade, minha impressões não deixaram de levantar algumas questões sobre o Brasil.

A reação dos brasileiros é especialmente intrigante quando colocada em contraste com a dos mexicanos que conheci. Durante um almoço de domingo em um bairro de classe média na Cidade do México, os mexicanos sentados à mesa articularam de maneira muito perceptiva a quantidade de beneficios que eles recebiam do Estado. Apontavam para as ruas asfaltadas, a iluminação e a segurança no bairro, e indicavam que moradores de bairros pobres não viam esse tipo de investimento público no local onde moravam. Outros me disseram que estudaram em universidades públicas, subsidiados pelo Estado. E perguntavam: se nós estamos recebendo tantos benefícios, porque não deixar que o estado de alguns benefícios a eles também?

Saí de lá me perguntando se os brasileiros que tanto criticam o Bolsa Família já tentaram contabilizar os benefícios estatais que eles recebem, talvez sem perceber. Por exemplo, eu frequentei um curso superior por cinco anos sem pagar um centavo pela minha educação. A brincadeira não sai barato: o Estado brasileiro gasta em média 10 mil reais por ano com um aluno no ensino superior. Isso dá um total de 50 mil reais para uma única pessoa. Enquanto isso, o estado está gastando algo próximo de 2 mil reais por ano com um aluno do ensino médio. Ou seja, o gasto do estado com três ou quatro anos de ensino médio de um único estudante é menor do que o gasto que o estado teve comigo apenas no meu primeiro ano de faculdade. Talvez o valor seja equivalente se adicionarmos aqui o gasto do estado com o Bolsa Família, que atualmente oferece um benefício de 38 reais por mês por cada adolescente frequentando a escola (ou seja 456 por ano ou 1.824 reais ao fim de 4 anos). Ou seja, eu ou minha família não recebemos nenhum tipo de transferência de renda direta do governo, mas apenas para custear meu primeiro ano de faculdade o estado brasileiro gastou algo em torno de 10 mil reais. Isso equivale a quantia gasta durante quatro anos com um estudante de ensino médio no Brasil que recebe o bolsa família (8 mil de gastos com educação e algo em torno de 2 mil reais com a trasferência de renda). Acho que está na hora de começarmos a contabilizar isso, não?

Algumas pessoas vão argumentar que fizeram faculdade privada, acrescentando que pagam impostos mas não recebem benefícios do Estado. Portanto, são obrigados a arcar com custos de saúde e educação do próprio bolso. Eu entendo e acho mais do que justificada toda a frustação com um estado disfuncional como o brasileiro. Mas para que isso vire um protesto contra o Bolsa Família e afins é preciso considerar que tanto os custos com educação pré-escolar, primária, secundária e terciária quanto o pagamento de seguro saúde são dedutíveis do imposto de renda. Ou seja, o cidadão está arcando com uma parte desse custo, mas o Estado está dando uma ajuda também. E essa ajuda, por menor que seja ao olhos do contribuinte, é provavelmente maior do que uma família pobre recebe em benefícios do bolsa-família durante o ano todo. Uma família com uma criança indo para a escola pública pode receber até 102 reais por mês do Bolsa Família, ou 1.224 reais por ano. Em contraste, uma família de classe média pode abater dos gastos com a educação privada até  2.958 reais por ano. Ou seja, o estado está subsidiando a educação privada também, mas o faz de maneira indireta, ao invés de mandar um cheque todo mês. E em termos nominais, esse subsídio é maior do que o subsídio oferecido pelo Bolsa Família.* O fato de que aquilo está sendo abatido do imposto que você paga não diminui o fato de que está tirando dinheiro dos cofres públicos, assim como o bolsa família.

Acho que a parte mais interessante da minha experiência no México, todavia, foi ouvir sobre o conceito de "paz social". Ao contrário de muitas pessoas no Brasil que acreditam que criminosos são pessoas de má índole, o mexicanos parecem ter absorvido melhor a idéia (já comprovada em inúmeras pesquisas) que índices de criminalidade estão altamente correlacionados com pobreza e desigualdade. Ou seja, algumas poucas pessoas nascem boas ou más, mas a vasta maioria age de acordo com as circunstâncias. Portanto, ao conceder o benefício, o estado não está apenas beneficiando os pobres, mas está também fazendo um investimento em segurança pública. E a sábia classe média mexicana agradece. Já que importamos o programa deles, que tal importarmos um pouco dessa sabedoria também? 

* P.S. - Por favor, leiam o comentário ao post, que mostra que em termos nominais, nesse exemplo, o subsídio não é necessariamente maior. E fica o comentário como prova de que o estado fez um péssimo investimento em gastar 10 mil reais com cada ano meu na faculdade de direito, pois eu claramente esqueci tudo que aprendi nas aulas de direito tributário...

sexta-feira, 15 de março de 2013

Vidas Paralelas

Quando estava no México, li um livro chamado The End of Life Book Club, no qual filho e mãe decidem ler uma série de livros juntos assim que ela é diagnosticada com um câncer incurável. Enquanto eu terminava esse livro no México, fiquei com vontade de ler mais sobre América Latina. Por isso comecei a ler O General e Seu Labirinto, de Gabriel Garcia Marques, quando voltei para os EUA. 

Os livros não podiam ser mais diferentes. Gabriel Garcia Marques ganhou o prêmio nobel em literatura e tem inúmeras publicações. O autor do outro livro, Will Schwalbe, é um ilustre desconhecido que acaba de publicar seu primeiro livro e provavelmente nunca vai chegar perto de ser considerado para um prêmio nobel em literatura. O personagem do livro de Garcia Marques é Simon Bolívar, uma figura de enorme importância histórica para a América Latina. O personagem do livro de Schwalbe, em contraste, é sua mãe, uma cidadã comum. E talvez o contraste mais importante é que Schwalbe parece ter decidido escrever um tributo a sua mãe, escondendo do leitor tudo aquilo que há de humano e desprezível em todos nós (veja a crítica do NYTimes). Garcia Marques, em contraste, faz o exato oposto com Simon Bolivar, escolhendo a dedo aqueles que parecem ser os piores defeitos de personalidade do grande líder latino-americano. Em suma, enquanto um tenta endeusar uma ilustre desconhecida, o outro tenta desmistificar uma figura endeusada por muitos. 

Os personagens também não poderiam ser mais diferentes um do outro. Uma americana contemporânea, que morreu há poucos anos, já teria pouco em comum com uma mulher latino-americana da mesma idade. Mas as diferenças se tornam abissais quando a contraparte é um homem latino-americano que nasceu no século XVIII e morreu no início do século XIX. Se havia algo em comum entre eles era apenas o fato de que ambos liam muito e queriam mudar o mundo. Simon Bolívar parece ter tido, desde muito jovem, o sonho de libertar e unificar a América Latina espanhola, transformando-a em uma potência mundial. Mary Anne Schwalbe, em contraste, apenas decidiu que poderia fazer algo para mudar o mundo quando já era mais velha, depois de passar a maior parte de sua vida cuidando dos filhos e tendo empregos bastante comuns. Só aí que ela começa a fazer um trabalho para ajudar refugiados. Ainda assim, os livros sugerem que, apesar de estarem ambos à beira da morte, eles viviam momentos muito distintos. Simon Bolívar acaba de renunciar à presidência, devido a uma forte oposição política, e está completamente desiludido com a idéia de ver seu projeto de unificação realizado. Em contraste, Mary Anne está, até os últimos dias de vida, trabalhando vigorosamente, sob a crença de que conseguirá realizar seu maior projeto: construir uma biblioteca no Afeganistão.

Apesar dessas diferenças todas, e apesar de ambos os livros serem apenas literatura, eu me encontro constantemente pensando que ambos refletem um debate bastante atual entre aqueles preocupados com desenvolvimento. Mary Anne acredita que os países desenvolvidos podem mandar dinheiro e prestar serviços para ajudar pessoas em países pobres, ajudando assim a melhorar as condições de vida da população. O projeto dela de construir uma biblioteca no Afeganistão ilustra bem isso. Simon, em contraste, explicita em uma discussão com um francês todo seu desprezo por essas tentativas de ajuda, que para ele não passam de mais uma manifestação da atitude colonizadora e imperialista dos países da Europa (os supostamente desenvolvidos na época) em ajudar os povos "menos civilizados". Já exasperado com o debate, ele diz para seu interlocutor: - vocês tiveram sua Idade Média antes de chegar onde estão. Nós estamos tendo a nossa agora. Portanto, deixe-nos em paz! Ou seja, Simon resistia à idéia de que a América Latina (ou outros países menos desenvolvidos) simplesmente poderiam ser guiados pelas idéias ou pelo exemplo de países mais ricos e mais desenvolvidos. Imagino que ele seria ainda mais resistente a possibilidade de receber ajuda direta desses países. Ou seja, acho que ele não gostaria de ver o tipo de intervenção promovida por Mary Anne em seu território. 

Além de acreditar que um povo precisa passar por um processo interno e único de desenvolvimento, Simon Bolívar acreditava que era importante que isso fosse garantido através de instituições políticas que permitissem a participação do povo. Isso garantiria, por exemplo, que uma cidade não ganhasse uma coleção de livros, quando seus habitantes são todos analfabetos. Ou que se investisse uma quantidade significativa de dinheiro para construir uma biblioteca, quando os habitantes da cidade prefeririam ter uma praça.

Em suma, quando eu olho para as crenças e princípios de ambos, eu acabo vendo, de um lado, uma tirana centralizadora disfarçada na figura de uma velinha simpática e doce que dizia querer fazer o bem para a humanidade. Do outro lado, vejo um democrata e verdadeiro defensor da liberdade de escolha (cada um que decida o que favorece seu próprio bem estar) disfarçado na figura de um velho mal humorado, agressivo e por vezes cruel. Não gostaria de ser amiga de nenhum dos dois, mas depois de ler esses livros acho que o mundo precisa de mais gente como Simon Bolivar e de menos pessoas como Mary Anne Schwalbe, ainda que ambos os autores estejam talvez tentando me convencer do contrário.

sábado, 9 de março de 2013

Realidade Fantástica

Uma americana me perguntou esses dias se eu conhecia Caetano Veloso. Disse que era um cantor e compositor muito famoso no Brasil. E, por alguma razão inexplicável, acrescentei: a mãe dele morreu dia 31 de dezembro desse ano que passou. Minha interlocutora queria se certificar que estava ouvindo direito. A mãe dele morreu? Como eu sabia que a mãe dele tinha morrido? Por que eu tinha gravado a data? Qual a relevância disso? Tentei explicar que foi uma comoção nacional. Todos os jornais noticiaram o acontecido. Mas por que?, perguntava a americana. Foi aí que eu percebi que o evento era importante para nós, brasileiros, mas não dá para explicar certas coisas para estrangeiros. A Dona Canô era a mãe de dois dos maiores cantores brasileiros de todos os tempos. E era uma figura pública. Mas para um americano, a idéia de que uma figura se torna pública sem ter feito algo de notável -- assumindo que dar luz a figuras ilustres não conta como algo notável -- parece fazer muito pouco sentido. 

E daí morreu o Chavez. E de novo, cria-se o telefone sem fio. Os americanos olham para realidade latino-americana com lentes maniqueístas: Chavez e Fidel Castro são o mal. Por que? No discurso a resposta é bonita: quem tem uma das democracias mais longas da história não aceita violações a esse regime a nenhum custo. A prática é um pouco mais complicada, já que esses regimes não democráticos adotam uma postura anti-americana também. E a gente não gosta de quem não gosta da gente... Basta olhar para ditaduras na América Latina e no Oriente Médio apoiadas por governos norte-americanos para ver que a aversão deles a ditaduras é bastante contingente. Mas o ponto é que há sempre essa busca pela catalogação. Bem ou mal? Certo ou errado? Desculpem, americanos, mas na América Latina a resposta é sempre: depende. O Chavez violou instituições democráticas e enfraqueceu a separação de poderes e o regime de checks and balances. Mas ele também reduziu a pobreza, melhorou educação e saúde e promoveu políticas redistributivas dentro e fora da Venezuela (para uma análise excelente dessas contradições todas, veja o texto de Schwartzman, na Folha). Todos sabemos que ele ajudava Cuba, mas pouca gente sabe que ele dava petróleo para garantir o aquecimento de famílias pobres no Estados Unidos, tanto durante o governo Bush, quanto agora durante o governo Obama. Ou seja, ele fez muitas coisas boas. As políticas eram paternalistas? Sim. Mas também eram redistributivas. Dentro de um contexto em que uma pequena elite dominava o sistema político venezuelano e se beneficiava de toda e qualquer vantagem que possa ser obtida, não está claro se o que ele fez era absolutamente ruim. E daí, como fica? Não fica. Ele era o bem e o mal, ao mesmo tempo. Mas vai tentar explicar isso para um americano. Dá tilt.

E daí essa semana o blog do Reinaldo Azevedo nos lembra do quiprocó em torno do corpo da Evita Perón. A história deixa qualquer novela mexicana no chinelo. O corpo vai para a casa de um oficial do exécito, que segundo a lenda abusava do corpo, dali vai para Itália e Espanha para depois finalmente retornar à Argentina. Recomendo a leitura do blog, pois cada uma dessas viagens é informada por detalhes inacreditáveis. Tão inacreditáveis, que eu leio a história e penso: se eu mal consegui explicar a importância da Dona Canô para uma americana, o que fazer com essa história? Talvez a resposta seja óbvia: nada. Não adianta nem tentar, porque eles não vão entender.

E assim ficamos. Eles, de um lado, acham que nós, latino-americanos, somos loucos desvairados, e que o realismo fantástico nada mais é que uma representação literária bastante realista da nossa loucura. Nós, por outro lado, ficamos debaixo do equador achando que eles são bestas desinformadas, que vivem uma vidinha artificialmente regrada e passam sua existência numa tentativa vã de controlar o incontrolável. Quem está certo? Acho que nunca vamos saber. Fato é que quando os americanos pensam na América Latina, é como se eles tivessem apertado um botão para entrar em mundo cheio de emoções. Afinal, nós vivenciamos diariamente coisas que eles só vêem na TV...


 Portanto, quando for falar com um americano, lembre-se que nunca vai haver comunicação perfeita entre esses mundos, pois das duas uma: ou nosso mundo tem muita fantasia, ou a cabeça deles tem muito pouca imaginação. Ou talvez seja os dois....

segunda-feira, 4 de março de 2013

Conversas com taxistas

Sempre que viajo eu gosto de conversar com taxistas. Acho que eles são um ótimo termômetro do lugar que você está visitando e do que deve esperar encontrar por lá. Minhas últimas viagens ao Brasil (São Paulo e Rio) e México ilustram claramente isso.

Em São Paulo, os taxistas são pequenos emprendedores, preocupados com tudo que possa afetar seu negócio. Na saída do aeroporto, por exemplo, tive uma longa discussão sobre a quantidade de táxis em Guarulhos, pois esperei algum tempo até conseguir um. O motorista então me explicou que é um cálculo complicado: se chegam três vôos internacionais, por exemplo, não tem táxi para tanta demanda. Ficam os passageiros esperando mais de uma hora na fila, como consequência. Se aumentarem a quantidade de táxis, todavia, eles passariam a maior parte do dia à toa, pois não chegam três vôos internacionais juntos todos os dias. Portanto, era preciso ter uma frota emergencial que pudesse ser acionada em casos de extrema necessidade, segundo ele. 

O contraste com o Rio de Janeiro é claro. Pergunto para o taxista do aeroporto como está o movimento e ele imediatamente começa a me falar da vida pessoal dele. Explica que não trabalha de manhã porque não gosta de acordar cedo, então começa o expediente na parte da tarde e vai até a noite. Daí ele engata num monólogo sobre como só teve desilusões com mulheres -- casou três vezes! -- e por isso é solteiro. Se fosse casado, segundo ele, tinha que trabalhar das 9 as 5. "Sabe como é, mulher é desconfiada de que a gente fica sassaricando quando diz que está trabalhando a noite... Eu não culpo elas!". A conclusão dele era que trabalhar a tarde e a noite era melhor que ser casado, independente de qual o movimento de passageiros no aeroporto.

Meu primeiro taxista no México, saindo do aeroporto, não quis saber de muita conversa. Não culpo ele. Meu espanhol era sofrível e o inglês dele não existente. Depois de duas frases sobre o trânsito -- na qual concordamos que estava bem razoável -- ficamos ambos quietos. 

 O segundo táxi que peguei em São Paulo tinha um adesivo colado no vidro sobre cursos de treinamento para taxistas. Perguntei para ele do que se tratava. Ele explicou que o governo do Estado, junto com a prefeitura, estavam oferecendo cursos gratuitos para que os motoristas de táxi aprendessem a lidar com turistas. O que eles ensinam, perguntei? Ele explicou que eles ensinavam o básico do inglês, mas a maior parte do curso era focada em comportamento. Como lidar com turistas, manter a calma, não gritar com o passageiro, ainda que ele estivesse gritando com você, etc. Perguntei se ele achou útil o curso. Ele disse que sim, ainda que grande parte das coisas era mais bom senso do que qualquer outra coisa. Mas segundo ele tinha muito taxista sem bom senso rodando pela cidade. A única dúvida que ele tinha era se eles estavam fazendo o curso, pois caso contrário o governo estava jogando dinheiro no lixo...

O segundo táxi que eu peguei no Rio, perguntei sobre os megaeventos e ele disse que queria aprender inglês "pra ganhar uma grana boa com os estrangeiros". Perguntei se o governo não estava oferecendo uns cursos, e ele respondeu "É ruim, hein? Esses daí só servem para atrapalhar nossa vida. Olha só o que eles estão fazendo com o recapeamento no Leblon!" Daí eu perguntei se ele ia fazer curso de inglês. Esse foi meu grande erro. O sujeito disparou a falar da vida dele como uma metralhadora, começando que não dava tempo de estudar, pois ele trabalhava dia e noite para sustentar os cinco filhos. Daí a lenga-lenga dos filhos durou uma eternidade, começando com como ele conheceu a esposa até o nascimento dos cinco. Eu estava feliz que ele tinha me poupado dos detalhes da vida sexual dele com a esposa até o sujeito resolver fazer a declaração pouco sensata de que ele tinha casado com uma mulher branca porque não queria "macaquinhos". Eu fiquei olhando estupefata para aquele senhor que sentava na direção, com vontade de perguntar para ele se ele sabia que ele não era, digamos, "branco". Não sei se ele viu na minha cara que eu estava pensando isso, ou se alguém já tinha pedido algum esclarecimento, diante de uma frase tão inóspita, mas qualquer que seja a razão fato é que ele prontamente respondeu, sem titubear: "porque de negão lá em casa já basta eu!". 

E desde que tive essa experiência pouco iluminadora no Rio, resolvi que deixar os taxistas falarem da vida pessoal não era muito aconselhável. Mas mudei de opinião no México. Bastou encontrar um taxista que não se importava com meu "spanglish", para engatar uma conversa super interessante sobre a vida. Ele me contou que antes de ser taxista era dono de restaurante, mas foi à falência com a crise de 1989. E antes de ser dono de restaurante, perguntei. Ele disse que comprava jeans de uma fábrica que vendia para lojas de marca, e vendi pela metade do preço (sem a etiqueta das lojas, mas falando para as freguesas que aquilo era uma verdadeira barganha!). Ou seja, ele era a encarnação da 25 de março... Perguntei porque ele deixou o negócio de jeans. Ele disse que tinha perdido todo o dinheiro bebendo. Era um bebum. Mas hoje em dia, me garantiu, não tomava um mililitro de álcool. Disse que o gosto de álcool fazia ele lembrar de todo o dinheiro que perdeu (imagino que as políticas macroeconômicas mexicanas tenham o mesmo efeito no estômago dele, mas a piada se perdeu com minha falta de fluência na língua). Perguntei se ele achava que nunca mais ia tomar uma gota de álcool. E daí ele me falou que ia voltar a tomar quando completasse 60 anos, porque ele não queria viver para além dos 70. A explicação que ele me deu para não viver muito, por acaso, era a mesma que tinha saído em um artigo da BBC naquele dia (que eu encontrei depois, vagando no facebook). O artigo mostrava que um sujeito que estava tentando provar que o melhor era viver intensamente e morrer de maneira rápida e indolor, antes do corpo começar a degringolar. E essa era basicamente a fórmula que o taxista tinha adotado: quando completasse 60 anos, ia viajar, voltaria a beber e planejava estar morto com 70. "Uma vida bem vivida e bem morrida", disse ele. 

O terceiro taxista que encontrei em São Paulo se dispôs a falar sobre políticas públicas, mas ao invés de discutir criminalidade ele queria mesmo era falar da briga entre os taxistas e o governo municipal. Disse ele que a categoria pleiteava aumento das tarifas, enquanto o governo alegava que eles já estavam ganhando muito. Daí, segundo ele, bastou um assessor do prefeito pegar um táxi no aeroporto e puxar papo com o motorista para que a negociação fosse para o brejo. Segundo ele, o taxista -- sem saber quem o passageiro era -- resolveu cantar de galo. Disse que ganhava 15.000 reais por mês, só com corridas do aeroporto. Fazia ainda uns "por fora". O assessor gravou a conversa e chegou na sede da prefeitura para divulgar a declaração para a impressa e acabou-se a negociação. O taxista que me contava a história jurava que aquilo era lorota. Inconformado, dizia que política não é feita com base em ciência, pois se fosse alguém tinha ido averiguar o fato e veria que nenhum taxista que ganha a vida honestamente faz tanto dinheiro. Desconsolado, disse ele que por causa de um imbecil que não sabe ficar calado, agora, além de ficar sem aumento de salário, estava com medo de assalto, pois todos os ladrões deviam estar achando que ele era rico.

Eu tentei evitar que o terceiro taxista no Rio falasse da vida pessoal, mas não consegui. Fui perguntar das políticas contra violência e ele, ao invés de discutir UPPs e o "choque de ordem", resolveu me contar de suas desventuras com bandidos. Teve a vez em que pararam do lado do carro dele e simplesmente atiraram, de madrugada, num bairro distante e perigoso. "Custou a maior grana trocar as portas, mas não dava para ficar rodando com buraco de bala, né? Pega mal com o cliente." Outra vez entraram no carro dele armados, ele levando uma passageira. Mandaram ambos entregarem celulares e carteiras, e fizeram eles descerem na próxima esquina e levaram o carro. Ele ligou para a polícia de um orelhão, mas achou que a polícia não ia fazer nada. Então ele parou um colega que passava na rua, explicou que tinha sido assaltado, e pediu para eles rodarem pelas redondezas. Batata! O carro tinha sido abandonado a poucas quadras do local do assalto, e tanto a bolsa quanto a carteira dele estavam lá dentro. Tinham levado só dinheiro e celulares. E a chave do carro dele. "Mó grana pra comprar um chave nova! A senhora não tem noção! Eles metem a faca!" Por fim, o último assalto aconteceu quando ele levava uma equipe de estocagem (o pessoal que trabalha em shoppings, depois que as lojas fecham) para casa de madrugada. A corrida era paga pela loja, mas o destino era um bairro distante e perigoso. A aventura gerou perseguição e tiros, mas ninguém saiu ferido. Ele saiu do bairro com a garantia dos passageiros que eles iriam averiguar quem tinha feito aquilo, dizendo que não ia ficar barato. Não sei se tinha mais histórias, pois chegamos ao meu destino ao final desta e eu estava satisfeita com a quantidade de azar (ou sorte...) que esse sujeito tinha tido. 

O terceito taxista no México, em contrapartida, teve comigo uma das conversas mais interessantes que já tive na vida. Perguntei para ele o que ele pensava ser a solução para o problema da violência no México. Ele respondeu:

- A violência é causada por gangues ligadas ao tráfico de drogas. Portanto, acho que precisamos legalizar as drogas. 
- Mas o senhor não acha que isso apenas geraria outro poblema, que seria as mortes causadas pelas drogas?
- Acho que haveria menos mortes por drogas do que mortes por violência.
- O senhor mudaria de opinião caso o número de mortes aumentasse depois da legalização?

Ele pensou um minuto, e finalmente respondeu:

- Não. As pessoas que morrem usando drogas fizeram uma escolha. As pessoas que morrem devido à violência hoje não tiveram uma chance de escolher. 

Em resumo, se você quer filosofar, vá ao México. Se quiser falar sobre negócios, vá a São Paulo e se quiser uma companhia para tomar uma cerveja no boteco e ouvir umas boas histórias, vá ao Rio. O resto é conversa!

sábado, 2 de março de 2013

Empadinhas, empanadas e empatia


A cidade do México é uma mistura peculiar de São Paulo e Rio de Janeiro.

Aprendi a duras penas que, no Rio, toda a educação e formalidade de São Paulo de nada servem. Imagine a cena: fim de semana, bar da Urca lotado. As pessoas se acotovelavam no balcão para fazer seus pedidos. Os garçons se moviam à velocidade da luz, respondendo com precisão ao pedido de cada cliente. E eu estava lá, no meio da muvuca, há meia hora, sem sorte.

Lá pelas tantas, notei meu erro. Enquanto eu gritava “senhor? Senhor, por favor?”,  os
cariocas encostavam a barriga no balcão gritavam "dois pastéis de carne" e saíam dali cinco minutos depois com o pedido em mãos. Como eu estava tentando obter as famosas empadinhas do lugar, notei que minha estratégia tinha que mudar. Era preciso ir direto ao ponto. Gritei: “duas empadinhas de palmito!” e fui prontamente atendida. Desde então, nunca mais sofri no Rio. Enquanto alguns dizem que os cariocas são mal-educados, eu
descreveria eles como pragmáticos. Em contraste com os paulistas, que precisam de um monte de frases longas para fazer o pedido, os cariocas simplificaram o processo ao máximo. Imaginem uma tarde chuvosa em um boteco em São Paulo:

-     Boa tarde.
-     Boa tarde.
-     Pois não? Em que posso servi-lo?
-     Será que o senhor poderia, por gentileza, me ver duas empadinhas de palmito, por favor?
-     Sim, com prazer. Vou trazer suas empadinhas em um minuto.
-     Muito obrigada.
-     De nada. Disponha. A senhora gostaria de mais alguma coisa?
-     Só isso mesmo. Obrigada mais uma vez.
-     De nada. Se quiser mais alguma coisa é so me chamar.  

Em contraste, no Rio, o diálogo se resume a:

-     Duas empadinhas de palmito!

E elas se materializam na sua frente sem que nada seja dito depois disso. Se você quiser saber o preço, o cara aponta com o dedo para a parede atrás de você, onde os preços estão indicados. Tanto a entrega das empadinhas quanto a indicação do preço são feitas sem olhar para sua cara ou pronunciar uma única palavra. Resultado? Enquanto o garçom paulistano atendeu um cliente, já saíram 5 pessoas do boteco carioca com seus pastéis, empadinhas ou coxinhas.

Em questão de atendimento de balcão, acho que os cariocas maximizaram ao máximo a eficência.  Qualquer um que encoste nessas lojas de suco nas esquinas do Rio sabe do que estou falando. Tem três caras atendendo 30 pessoas ao mesmo tempo. Não tem papel, diálogo ou computador. Mas há um sistema. Você pede para o sujeito do balcão um queijo quente com queijo minas no pão integral e um açaí sem granola e, em menos de cinco minutos, o pedido se materializa na sua frente. Quando você termina de comer, o garçom surge do nada e anuncia o valor da conta. Nunca vi nenhum erro. Nem no pedido, nem na conta. É um dos sistemas mais avançados de atendimento de clientes do mundo – e já nasceu protegendo o meio ambiente, pois não se usa papel ou eletricidade!

O sistema é ótimo se você tem um compromisso e precisa comer algo rapidinho antes de correr para algum lugar. O sistema também é ótimo quando você está sentado na mureta da Urca com seus amigos, olhando o pôr-do-sol. O problema é que às vezes você quer um pouco de interação humana.  Sabe aquele dia que você ficou trancada em casa o dia inteiro ajeitando as notas de rodapé do paper sem nem sequer ligar o facebook? Pois é. Nesses dias, aquele dialogozinho com o garçom paulistano pode ser sua salvação.  Esse vai ser o único contato humano que você vai ter antes de voltar para as notas de rodapé e ficar trabalhando nelas até cair de sono em cima do computador. Nesses dias, gritar
“dois palmito” para um estranho não satisfaz seu desejo de interagir com alguém…

É por isso que eu sou fã do México.  Na cidade do México eles chegaram a um arranjo
ótimo que não é excessivamente formalista, como o paulistano, mas também não é tão econômico quanto o carioca. É uma coisa intermediária, tipo quatro frases (que eu traduzi para o português porque meu espanhol é sofrível….):

-     Boa tarde.
-     Boa tarde. Gostaria de que?
-     Duas empanadas, por favor.
-     Sim, como não?

Ou então o diálogo é assim:

-     Mais um pouco de café?
-     Sim, por favor.
-     Diga o quanto é suficiente.
-     Está bom, obrigada.

Ou seja, diferentemente do Rio, há interação. Mas ela é mais concisa que em São Paulo. Assim, você consegue ter sua dose diária de contato com a humanidade, sem que a mesma seja um conjunto de frases desnecessariamente longas que não precisariam ter sido ditas por nenhuma das partes para que a transação se completasse.

E há um detalhe importante: o olhar. Os garçons cariocas nunca olham pra você. Nunca. Acho que tem algum tipo de regra contra olhar diretamente para o cliente. Ou eles precisam muita concentração para administrar mentalmente os pedidos e não podem se distrair.  Mas naqueles dia em que você está buscando contato humano, o olhar faz toda a diferença. Quando um garçom olha para você, esperando o pedido, de repente, é como se sua existência tivesse sido comprovada. Você se sente como parte do mundo, de novo. Não precisa ser um olhar longo, nem simpático. Basta apenas que a pessoa olhe na sua cara, para que sua submersão no mundo das notas de rodapé termine e você seja trazida de volta para o mundo das pessoas que não escrevem papers. Mas isso não acontece no Rio. Não tem olhar. Daí você volta para suas notas de rodapé sem ter certeza se você entrou em um universo paralelo e ficará preso lá para todo o sempre.

A idéia de que existente contato visual é importante de uma maneira quase inconsciente. Da última vez que estive no Rio, vivenciei uma cena insólita. Precisando ir ao banheiro na Cinelândia, entrei dentro de uma lanchonete e fui até o caixa para perguntar se podia usar o banheiro deles. A caixa conversava com a garçonete e nenhuma das duas interrompeu a conversa para olhar para mim (apesar de eu estar claramente de pé na frente delas). Eu já
sabia que tudo que devia falar era “banheiro?”. Mas o que eu não tinha notado ainda é que normalmente aguardamos a pessoa reconhecer nossa presença antes de nos dirigirmos a elas – e interromper conversas é normalmente considerado falta de educação. Mas com os cariocas, pode esperar sentado. As pessoas não vão reconhecer sua presença, muito menos interromper a conversa para fazê-lo. Quando eu já estava prestes a fazer xixi nas calças, perguntei em voz relativamente alta. “Banheiro?” A caixa apontou onde era sem sequer olhar pra mim ou interromper a conversa.

Em São Paulo, provalvemente o mesmo diálogo exigiria tantas frases que eu acabaria fazendo xixi na calça por causa da duração da conversa. Afinal, a pessoa pára de falar com a outra para olhar para você, mas daí você tem que (i) pedir desculpa por interromper a conversa, (ii) tentar ser educada o suficiente para não gerar hostilidade desde o início e (iii) pensar nos melhores argumentos para convencer seu interlocutor que você é merecedora do privilégio de usar o banheiro apesar de não ser cliente do estabelecimento. Dependendo
da reação, talvez você precise apelar para a compaixão do caixa ou do dono do estabelecimento, contando alguma história que justifique esse ato de filantropia.

Por isso que eu acho que o México encontrou o ponto ótimo:

-     Los baños?
-     Sí. Adelante. Diz uma pessoa sorridente, olhando para você e apontando para onde ficam os banheiros.

E assim você pode aliviar sua bexiga com tranquilidade, sabendo que faz parte do mundo ocidental civilizado. Se eles vendessem empada de palmito no México, me mudava pra lá, sem titubear!