segunda-feira, 4 de março de 2013

Conversas com taxistas

Sempre que viajo eu gosto de conversar com taxistas. Acho que eles são um ótimo termômetro do lugar que você está visitando e do que deve esperar encontrar por lá. Minhas últimas viagens ao Brasil (São Paulo e Rio) e México ilustram claramente isso.

Em São Paulo, os taxistas são pequenos emprendedores, preocupados com tudo que possa afetar seu negócio. Na saída do aeroporto, por exemplo, tive uma longa discussão sobre a quantidade de táxis em Guarulhos, pois esperei algum tempo até conseguir um. O motorista então me explicou que é um cálculo complicado: se chegam três vôos internacionais, por exemplo, não tem táxi para tanta demanda. Ficam os passageiros esperando mais de uma hora na fila, como consequência. Se aumentarem a quantidade de táxis, todavia, eles passariam a maior parte do dia à toa, pois não chegam três vôos internacionais juntos todos os dias. Portanto, era preciso ter uma frota emergencial que pudesse ser acionada em casos de extrema necessidade, segundo ele. 

O contraste com o Rio de Janeiro é claro. Pergunto para o taxista do aeroporto como está o movimento e ele imediatamente começa a me falar da vida pessoal dele. Explica que não trabalha de manhã porque não gosta de acordar cedo, então começa o expediente na parte da tarde e vai até a noite. Daí ele engata num monólogo sobre como só teve desilusões com mulheres -- casou três vezes! -- e por isso é solteiro. Se fosse casado, segundo ele, tinha que trabalhar das 9 as 5. "Sabe como é, mulher é desconfiada de que a gente fica sassaricando quando diz que está trabalhando a noite... Eu não culpo elas!". A conclusão dele era que trabalhar a tarde e a noite era melhor que ser casado, independente de qual o movimento de passageiros no aeroporto.

Meu primeiro taxista no México, saindo do aeroporto, não quis saber de muita conversa. Não culpo ele. Meu espanhol era sofrível e o inglês dele não existente. Depois de duas frases sobre o trânsito -- na qual concordamos que estava bem razoável -- ficamos ambos quietos. 

 O segundo táxi que peguei em São Paulo tinha um adesivo colado no vidro sobre cursos de treinamento para taxistas. Perguntei para ele do que se tratava. Ele explicou que o governo do Estado, junto com a prefeitura, estavam oferecendo cursos gratuitos para que os motoristas de táxi aprendessem a lidar com turistas. O que eles ensinam, perguntei? Ele explicou que eles ensinavam o básico do inglês, mas a maior parte do curso era focada em comportamento. Como lidar com turistas, manter a calma, não gritar com o passageiro, ainda que ele estivesse gritando com você, etc. Perguntei se ele achou útil o curso. Ele disse que sim, ainda que grande parte das coisas era mais bom senso do que qualquer outra coisa. Mas segundo ele tinha muito taxista sem bom senso rodando pela cidade. A única dúvida que ele tinha era se eles estavam fazendo o curso, pois caso contrário o governo estava jogando dinheiro no lixo...

O segundo táxi que eu peguei no Rio, perguntei sobre os megaeventos e ele disse que queria aprender inglês "pra ganhar uma grana boa com os estrangeiros". Perguntei se o governo não estava oferecendo uns cursos, e ele respondeu "É ruim, hein? Esses daí só servem para atrapalhar nossa vida. Olha só o que eles estão fazendo com o recapeamento no Leblon!" Daí eu perguntei se ele ia fazer curso de inglês. Esse foi meu grande erro. O sujeito disparou a falar da vida dele como uma metralhadora, começando que não dava tempo de estudar, pois ele trabalhava dia e noite para sustentar os cinco filhos. Daí a lenga-lenga dos filhos durou uma eternidade, começando com como ele conheceu a esposa até o nascimento dos cinco. Eu estava feliz que ele tinha me poupado dos detalhes da vida sexual dele com a esposa até o sujeito resolver fazer a declaração pouco sensata de que ele tinha casado com uma mulher branca porque não queria "macaquinhos". Eu fiquei olhando estupefata para aquele senhor que sentava na direção, com vontade de perguntar para ele se ele sabia que ele não era, digamos, "branco". Não sei se ele viu na minha cara que eu estava pensando isso, ou se alguém já tinha pedido algum esclarecimento, diante de uma frase tão inóspita, mas qualquer que seja a razão fato é que ele prontamente respondeu, sem titubear: "porque de negão lá em casa já basta eu!". 

E desde que tive essa experiência pouco iluminadora no Rio, resolvi que deixar os taxistas falarem da vida pessoal não era muito aconselhável. Mas mudei de opinião no México. Bastou encontrar um taxista que não se importava com meu "spanglish", para engatar uma conversa super interessante sobre a vida. Ele me contou que antes de ser taxista era dono de restaurante, mas foi à falência com a crise de 1989. E antes de ser dono de restaurante, perguntei. Ele disse que comprava jeans de uma fábrica que vendia para lojas de marca, e vendi pela metade do preço (sem a etiqueta das lojas, mas falando para as freguesas que aquilo era uma verdadeira barganha!). Ou seja, ele era a encarnação da 25 de março... Perguntei porque ele deixou o negócio de jeans. Ele disse que tinha perdido todo o dinheiro bebendo. Era um bebum. Mas hoje em dia, me garantiu, não tomava um mililitro de álcool. Disse que o gosto de álcool fazia ele lembrar de todo o dinheiro que perdeu (imagino que as políticas macroeconômicas mexicanas tenham o mesmo efeito no estômago dele, mas a piada se perdeu com minha falta de fluência na língua). Perguntei se ele achava que nunca mais ia tomar uma gota de álcool. E daí ele me falou que ia voltar a tomar quando completasse 60 anos, porque ele não queria viver para além dos 70. A explicação que ele me deu para não viver muito, por acaso, era a mesma que tinha saído em um artigo da BBC naquele dia (que eu encontrei depois, vagando no facebook). O artigo mostrava que um sujeito que estava tentando provar que o melhor era viver intensamente e morrer de maneira rápida e indolor, antes do corpo começar a degringolar. E essa era basicamente a fórmula que o taxista tinha adotado: quando completasse 60 anos, ia viajar, voltaria a beber e planejava estar morto com 70. "Uma vida bem vivida e bem morrida", disse ele. 

O terceiro taxista que encontrei em São Paulo se dispôs a falar sobre políticas públicas, mas ao invés de discutir criminalidade ele queria mesmo era falar da briga entre os taxistas e o governo municipal. Disse ele que a categoria pleiteava aumento das tarifas, enquanto o governo alegava que eles já estavam ganhando muito. Daí, segundo ele, bastou um assessor do prefeito pegar um táxi no aeroporto e puxar papo com o motorista para que a negociação fosse para o brejo. Segundo ele, o taxista -- sem saber quem o passageiro era -- resolveu cantar de galo. Disse que ganhava 15.000 reais por mês, só com corridas do aeroporto. Fazia ainda uns "por fora". O assessor gravou a conversa e chegou na sede da prefeitura para divulgar a declaração para a impressa e acabou-se a negociação. O taxista que me contava a história jurava que aquilo era lorota. Inconformado, dizia que política não é feita com base em ciência, pois se fosse alguém tinha ido averiguar o fato e veria que nenhum taxista que ganha a vida honestamente faz tanto dinheiro. Desconsolado, disse ele que por causa de um imbecil que não sabe ficar calado, agora, além de ficar sem aumento de salário, estava com medo de assalto, pois todos os ladrões deviam estar achando que ele era rico.

Eu tentei evitar que o terceiro taxista no Rio falasse da vida pessoal, mas não consegui. Fui perguntar das políticas contra violência e ele, ao invés de discutir UPPs e o "choque de ordem", resolveu me contar de suas desventuras com bandidos. Teve a vez em que pararam do lado do carro dele e simplesmente atiraram, de madrugada, num bairro distante e perigoso. "Custou a maior grana trocar as portas, mas não dava para ficar rodando com buraco de bala, né? Pega mal com o cliente." Outra vez entraram no carro dele armados, ele levando uma passageira. Mandaram ambos entregarem celulares e carteiras, e fizeram eles descerem na próxima esquina e levaram o carro. Ele ligou para a polícia de um orelhão, mas achou que a polícia não ia fazer nada. Então ele parou um colega que passava na rua, explicou que tinha sido assaltado, e pediu para eles rodarem pelas redondezas. Batata! O carro tinha sido abandonado a poucas quadras do local do assalto, e tanto a bolsa quanto a carteira dele estavam lá dentro. Tinham levado só dinheiro e celulares. E a chave do carro dele. "Mó grana pra comprar um chave nova! A senhora não tem noção! Eles metem a faca!" Por fim, o último assalto aconteceu quando ele levava uma equipe de estocagem (o pessoal que trabalha em shoppings, depois que as lojas fecham) para casa de madrugada. A corrida era paga pela loja, mas o destino era um bairro distante e perigoso. A aventura gerou perseguição e tiros, mas ninguém saiu ferido. Ele saiu do bairro com a garantia dos passageiros que eles iriam averiguar quem tinha feito aquilo, dizendo que não ia ficar barato. Não sei se tinha mais histórias, pois chegamos ao meu destino ao final desta e eu estava satisfeita com a quantidade de azar (ou sorte...) que esse sujeito tinha tido. 

O terceito taxista no México, em contrapartida, teve comigo uma das conversas mais interessantes que já tive na vida. Perguntei para ele o que ele pensava ser a solução para o problema da violência no México. Ele respondeu:

- A violência é causada por gangues ligadas ao tráfico de drogas. Portanto, acho que precisamos legalizar as drogas. 
- Mas o senhor não acha que isso apenas geraria outro poblema, que seria as mortes causadas pelas drogas?
- Acho que haveria menos mortes por drogas do que mortes por violência.
- O senhor mudaria de opinião caso o número de mortes aumentasse depois da legalização?

Ele pensou um minuto, e finalmente respondeu:

- Não. As pessoas que morrem usando drogas fizeram uma escolha. As pessoas que morrem devido à violência hoje não tiveram uma chance de escolher. 

Em resumo, se você quer filosofar, vá ao México. Se quiser falar sobre negócios, vá a São Paulo e se quiser uma companhia para tomar uma cerveja no boteco e ouvir umas boas histórias, vá ao Rio. O resto é conversa!

2 comentários:

Maria Regina disse...

Oi Mariana, o Denzel , do Maksoud Plaza está Nessa " conversa com taxistas"?

Claudio disse...

Você e o Pratinha andam combinando sobre os temas a serem abordados, não?

http://www1.folha.uol.com.br/colunas/antonioprata/1241405-tomadas-e-oboes.shtml