terça-feira, 30 de julho de 2013

Three Ted Talks


Deixo aqui três vídeos com o que o pessoal chama de lifehacks, truques pra lidar com a vida. Não, não é auto-ajuda. Os três são baseados em pesquisas e apresentados pelos pesquisadores, todos professores de Harvard. E todos são pesquisas que ajudam a entender como o nosso cérebro funciona, e como administrar melhor a maquininha.

( Peço desculpas aos que não falam inglês, mas os vídeos ainda não têm legenda em outras línguas)

O primeiro é sobre felicidade sintética e natural. Todos conhecem a distinção que fazemos entre a felicidade natural (conseguimos o que queríamos) e a felicidade sintética (tentamos nos convencer que o que temos está bom, apesar de não ser aquilo que queríamos). Todo mundo acha que a natural é verdadeira, e a sintética é falsa. O pesquisador mostra, todavia, que entre um grupo de pessoas que ganhou na loteria e outro que ficou paraplégico os níveis de felicidade são basicamente idênticos. 

Basicamente, a felicidade sintética é real: nós de fato mudamos nossas percepções do mundo, preferências estéticas e valores quando não conseguimos uma coisa que queríamos. Prova disso? Veja a experiência da escolha do quadro do Monet com pessoas que têm amnésia. Portanto, qual a melhor forma de ser feliz? Reduzir a quantidade de escolhas, e tornar as escolhar que fazemos irreversíveis. Ficar remoendo se essa é a escolha certa, ou se deveríamos revertê-la é receita para a infelicidade. 


O segundo vídeo é sobre linguagem corporal. Nós sabemos que a linguagem corporal revela muito sobre o que somos e o que estamos sentindo. A pesquisadora, todavia, pergunta se a linguagem corporal também pode mudar o que somos ou sentimos. Ou seja, sabemos qual a linguagem corporal de líderes e pessoas poderosas. A pergunta é: se uma pessoa normal conscientemente adotar essa linguagem corporal, ela pode passar a se sentir mais confiante e assertiva? A resposta é sim. 

A pesquisadora mostra que fazer uma "power pose", ou "postura de poder", aumenta o nível de testosterona no sangue a diminui os níveis de cortisol, o hormônio do estresse. Ou seja, a pessoa fica de fato mais assertiva. A recomendação dela é que as pessoas façam a pose da mulher maravilha, ou alguma outra pose dos experimentos durante o dia, mas especialmente antes de entrar em uma entrevista de emprego, reunião com clientes ou sentar em uma mesa de negociação. Simples assim: corra para o banheiro e finja que é a mulher maravilha.


Por fim, o terceiro vídeo é sobre felicidade também. A pergunta aqui é se nós trabalhamos para conseguir aquilo que vai nos fazer feliz, ou o contrário. Apesar da gente achar que a felicidade vai ser alcançada um dia, quando tivermos tudo que queremos, normalmente a coisa funciona da forma inversa. As pessoas felizes com a vida que tem trabalham mais e são mais produtivas, mais inteligentes e mais bem sucedidas que as outras. 

Como isso funciona? Basicamente o pesquisador mostra que o ambiente exterior influencia quase nada na felicidade das pessoas. Grande parte da felicidade vem de como as pessoas lidam com a realidade que circunda elas.  Portanto, a idéia de que você precisa dar duro para conseguir vencer na vida é completamente equivocada. A gente precisa acordar, pensar nas coisas que temos e que nos deixam felizes. Isso nos permite conseguir coisas que não conseguiríamos com pensamentos negativos.


Em suma, para garantir felicidade e o sucesso: acorde de manhã e tente evitar pensar que você devia ter comprado o iogurte que você gosta, e não essa coisa horrível que a danone lançou e você decidu experimentar. Quando terminar o iogurte, faça pose de mulher maravilha por dois minutos, enquanto faz uma lista mental de todas as coisas boas na sua vida, ainda que a lista se resuma a celebrar que você está vivo. Não esqueça de fazer de novo a pose de mulher maravilha no banheiro do escritório antes da reunião com o chefe. E na volta pra casa, entre no supermercado sem olhar para prateleira do lado em busca de novos iogurtes e assuma o compromisso de comprar, a partir de agora, sempre o mesmo iogurte, o que você gosta. Com esse pacote, você nunca mais vai precisar apostar na megasena!

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um Sabático pro Pratinha

Começo aqui minha campanha. Ele vai deixar de escovar os dentes com pressa, com certeza.

Folha de São Paulo, 28/07/2013 - 04h26

Pé de cachimbo

Antonio Prata



"Hoje é domingo, pé de cachimbo", eu cantava, quando era pequeno, e me vinha à cabeça uma árvore de madeira escura, com pencas de cachimbos pendendo das pontas dos galhos, prontos para serem colhidos e fumados. Fiquei um pouco desapontado, lá pelos dez anos, ao descobrir que o certo era "pede" cachimbo. Corrigi a música, mas o domingo, não: pra mim, ele continua sendo esse quadro pintado por Magritte e Dalí, com sua frondosa oferta de descanso e generosa sombra de melancolia.

Devo dizer que não gosto de domingos nem de cachimbos, mas sei que o errado sou eu, não eles. Queria muito ser uma pessoa que acorda cedo, que vai ao parque. Um desses caras que eu vejo do carro, pedalando pela ciclovia, a mulher ao lado e um filho atrás, em sua bicicletinha. Dá uma alegria vê-los ali, passeando pela cidade. Enquanto permanecem no meu retrovisor, parece que o mundo é justo e que cada coisa está em seu devido lugar. É mais ou menos o que sente, imagino, o sujeito que chega à varanda, ao fim de um dia de trabalho, ou afunda na poltrona, meditabundo, para fumar o seu cachimbo.

Escrevo "meditabundo" e, por um momento, quase comungo desta alegria dominical, tirando as palavras velhas do armário para tomarem sol ou pitando-as calmamente, sem tragar, só para saboreá-las. Mas, meditabundo que me encontro --é domingo--, a sombra do pé de cachimbo logo me alcança: não sou esse homem na ciclovia nem esse outro, em sua varanda, em sua poltrona, com o vento no rosto ou a fumaça na boca, displicentemente instalados no presente.

Acho que, no fundo, tenho dificuldades é com o presente. Outro dia, reparei que sempre escovo os dentes com pressa, como se estivesse atrasado para um compromisso. Que compromisso é esse? Não sei. É como se houvesse nascido atrasado, chegado ao mundo meia hora depois e a todo instante tentasse recuperar os minutos perdidos. Talvez por isso me sinta mais acolhido nos dias de semana, dedicados ao trabalho e suas promessas. Alguma hora, ali adiante, a crônica estará pronta, o livro estará editado, o roteiro estará filmado e a concretização desses projetos, acredito, me trará sei lá que conforto, sei lá que certeza sobre mim mesmo --mas nunca traz. Por que se agoniar olhando para a direita do ponto final em vez de se contentar com o que há à esquerda? (Um dia, estarei eu à direita do ponto final e aí não haverá mais o que olhar.)

Ano passado, comprei uma bicicleta. Ao tirá-la da caixa, senti certa vergonha de mim mesmo, como um velho que sai da loja calçando All Stars vermelhos: aquilo não era eu, nem poderia mudar-me. Por meses a bicicleta se tornou só mais uma pequena emissora de ansiedade --preciso usar essa bicicleta, preciso usar essa bicicleta, preciso...--, depois seus pneus murcharam e eu soube que já não era por ela que eu escovava os dentes com pressa.

Talvez eu devesse comprar é um cachimbo. Nem que fosse para enterrá-lo no jardim, regá-lo todo dia e ficar na varanda, olhando pra grama e esperando, num exercício zen, em busca da paz interior. É isso: preciso comprar um cachimbo, preciso comprar um cachimbo, preciso.

domingo, 28 de julho de 2013

Saldo do Sabático

Enquanto eu me preparo para mudar de volta para o Canadá e para o inevitável fim do sabático, estou revendo tudo que aconteceu nos últimos doze meses. 

Presto aqui minhas contas:

1) Trabalhei menos do que planejado, mas me diverti mais do que esperado. O problema é que meu corpo não estava psicologicamente preparado para tanta diversão. Meu pulmão pós-pneumonia, meu pé quebrado e a cicatriz na minha mão direita que o digam.
 
2) Li livros aleatórios sobre todo e qualquer assunto. Recomendo a experiência. Foram 27 livros não relacionados ao trabalho. Minha principal conclusão é que o Steve Jobs e o Albert Einstein eram loucos, e o autor das duas biografias é um dos melhores escritores que já conheci.  

3) Viajar é preciso. Viver não é preciso. Passagens de avião tem data e horário marcado e, mais importante, destino certo. A vida te deixa assim, solto, ao Deus dará. Para não viver na incerteza, viaje.

4) A comida em Barcelona é inacreditável. E as sangrias também. E os taxistas são a representação caricatural dos habitantes da cidade, como os taxistas de qualquer outro lugar. E, acreditem, foi viagem a trabalho!

5) O facebook é uma praga que te suga, te absorve e toma todo seu tempo. Mas eu nunca estive tão bem infomada sobre o que saiu no jornal, o que não saiu no jornal e o que as pessoas pensam sobre tudo isso. É uma experiência antropológica.

Agora, de volta à dura realidade da vida: caixas de mudança. 

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Explicações Desnecessárias

Já que a maioria do povo brasileiro voltou à sua rotina, e esqueceu dos protestos, volto eu à minha rotina de escrever sobre coisas menos revolucionárias e mais mundanas no blog. 

E, como o título do post sugere, a semana foi recheada de explicações absolutamente desnecessárias. Segue não apenas meu relato, mas um guia de como evitar causar esse aborrecimento a terceiros. 

1. Comparar a situação deprimente do seu interlocutor com algo não deprimente não vai chamar atenção para o que há de comum entre as duas situações. Pelo contrário.

Segunda-feira: visita ao médico, que me vê a cada duas semanas desde março, quando quebrei o pé. Basicamente, ele me diz que o pé ainda está quebrado, mas que eu posso andar sem a bota ortopédica, porque parte do processo de recuperação envolve colocar peso no osso quebrado. Segundo ele, meu pé deve passar pelo mesmo processo de um astronauta que fica muito tempo no espaço e fica com os ossos enfraquecidos por falta de gravidade.

A explicação do astronauta dura exatos 15 minutos. Eu sei porque nessa segunda-feira eu estava ouvindo ela pela décima quinta vez. Acho que meu médico decorou um script para gastar exatos 20 minutos com cada paciente. O script garante que ele não precisa ter nenhum trabalho adicional (não precisa nem pensar sobre o caso), mas dá a impressão (para ele e somente ele!) que está dando um tratamento de primeira. Exceto pelo fato que ele esquece que eu já ouvi a lenga-lenga várias vezes.

Mas mesmo da primeira vez que eu ouvi o papo do astronauta, pensei: venhamos e convenhamos, não é a mesma coisa! O astronauta está com os ossos enfraquecidos porque ele estava em uma nave es-pa-ci-al! No espaço! Será que esse sujeito não consegue ver a diferença entre uma nave espacial e uma bota ortopédica? Eu explico: nave espacial é cool, bota não é cool. O astronauta é considerado um herói. Eu, em contrapartida, estou há quatro meses tendo que aceitar assentos cedidos por velinhas apiedadas no metrô. Entendeu ou quer que eu desenhe, doutor? 

2. Nunca tente justificar a má qualidade do serviço que você está prestando dizendo que  sua equipe não sabe o que está fazendo.
 
Terça-feira: visita ao consulado canadense em Nova Iorque.

Oficial #1
- Posso checar os documentos?
- Claro.
- Tá faltando as fotos. 
- O site diz que vocês tiram as fotos aqui mesmo.
- Sim, mas você precisa ter um cheque administrativo de dez dólares. Não aceitamos dinheiro, nem cartão de crédito. 

Vou eu até o banco comprar o cheque administrativo de dez dólares. Volto até o consulado. Passo pelo primeiro oficial de novo, que me manda para uma salinha, onde eu espero 15 minutos para ser atendida.

Oficial #2
- Posso checar os documentos?
- Claro.
- Só faltam as fotos.
- Trouxe um cheque administrativo pra tirar as fotos. Tá aqui.
-  Sim, mas o valor é dez dólares e oitenta e oito centavos.
- Mas o primeiro oficial me disse que era dez dólares.
- Ah, é que mudou recentemente e ele não deve ter sido informado da mudança.
- Então, das duas uma: ou vocês param de cobrar essa taxa de cinquenta dólares pelo serviço, pois vocês não merecem receber esse dinheiro; ou a pessoa que deveria instruir o primeiro oficial deveria estar no olho da rua, pois claramente estamos lidando com um incompetente. E fica a dica: da próxima vez, para não tomar uma bordoada dessas, simplesmente peça desculpas ao cliente (no caso, eu) e veja com seu superior se não dá para aceitar o cheque de dez dólares, já que o erro foi de vocês. 


3. Comparar a situação deprimente do seu interlocutor com algo não deprimente para chamar atenção para o que há de diferente entre as duas situações só vai fazer seu interlocutor se sentir um lixo. Evite.

Quarta-feira: trem de Nova Iorque para Boston tem inúmero problemas e é obrigado a parar por quase uma hora e meia no caminho, atrasando toda a viagem.

Depois de muitas explicações detalhadas do que estava acontecendo, e de muitos pedidos de desculpas (esses pelo menos receberam o treinamento que o pessoal do consulado não tinha recebido!), o condutor pega o microfone para anunciar que finalmente estamos partindo. 

- Senhores passageiros, infelizmente isso aqui não é um avião. O avião pode acelelar e recuperar um pouco do tempo perdido com atrasos no solo. Nós, infelizmente, estamos confinados a esses trilhos e aos limites de velocidade impostos pelo governo. Portanto, nós vamos chegar com uma hora e meia de atraso em Boston e não há nada que eu possa fazer sobre o assunto no momento. 

Podia ter oferecido um uísquinho e pulado a comparação com o avião, amigo.   

sexta-feira, 12 de julho de 2013

O Garçom e a Revolução

Ao ver minha mãe sacar a carteira, o garçom se vira para meu pai:

- Opa! Tá errado. É o homem quem paga, doutô.

Tentando passar o recado sem comprar uma briga, meu pai responde:

- Amigo, hoje começa a grande revolução!

O garçom continua:

- Doutô, vou te falar: a revolução começou faz tempo! Tô cansado de ver um monte de engravatado, todos cheios de si, entrarem aqui pra comer. Quando vem a conta, quem paga é a única mulher da mesa, que tava ali quietinha o tempo todo. É a chefe de todos eles, acredita? Isso quando não é também a dona da empresa! Isso sem falar nesse país, com presidenta mulher, todas as ministras, juizas, etc.

Eu solto um "Pois é.", tentando evitar que o cara enrolasse ainda mais a corda no pescoço. Ao invés de aproveitar a deixa, ele resolve continuar:

- Essa mulherada veio com esse papo de igualdade, mas elas queriam mesmo era superioridade. E olha que passaram a perna na gente, doutô. Olha aí!

Meu pai continuava olhando pro lado, apesar do garçom continuar olhando na sua direção, insistindo numa suposta cumplicidade masculina contra toda essa opressão.

Minha mãe recolhe o cartão e consegue finalmente dar um fim à conversa:

- É. Só os fortes sobreviverão. 

Ele achou que era piada. Aposto que vai perder o emprego para dessas mulheres que ficam por aí tentando afirmar sua superioridade a qualquer custo...