Já que a maioria do povo brasileiro voltou à sua rotina, e esqueceu dos protestos, volto eu à minha rotina de escrever sobre coisas menos revolucionárias e mais mundanas no blog.
E, como o título do post sugere, a semana foi recheada de explicações absolutamente desnecessárias. Segue não apenas meu relato, mas um guia de como evitar causar esse aborrecimento a terceiros.
1. Comparar a situação deprimente do seu interlocutor com algo não deprimente não vai chamar atenção para o que há de comum entre as duas situações. Pelo contrário.
Segunda-feira: visita ao médico, que me vê a cada duas semanas desde março, quando quebrei o pé. Basicamente, ele me diz que o pé ainda está quebrado, mas que eu posso andar sem a bota ortopédica, porque parte do processo de recuperação envolve colocar peso no osso quebrado. Segundo ele, meu pé deve passar pelo mesmo processo de um astronauta que fica muito tempo no espaço e fica com os ossos enfraquecidos por falta de gravidade.
A explicação do astronauta dura exatos 15 minutos. Eu sei porque nessa segunda-feira eu estava ouvindo ela pela décima quinta vez. Acho que meu médico decorou um script para gastar exatos 20 minutos com cada paciente. O script garante que ele não precisa ter nenhum trabalho adicional (não precisa nem pensar sobre o caso), mas dá a impressão (para ele e somente ele!) que está dando um tratamento de primeira. Exceto pelo fato que ele esquece que eu já ouvi a lenga-lenga várias vezes.
Mas mesmo da primeira vez que eu ouvi o papo do astronauta, pensei: venhamos e convenhamos, não é a mesma coisa! O astronauta está com os ossos enfraquecidos porque ele estava em uma nave es-pa-ci-al! No espaço! Será que esse sujeito não consegue ver a diferença entre uma nave espacial e uma bota ortopédica? Eu explico: nave espacial é cool, bota não é cool. O astronauta é considerado um herói. Eu, em contrapartida, estou há quatro meses tendo que aceitar assentos cedidos por velinhas apiedadas no metrô. Entendeu ou quer que eu desenhe, doutor?
2. Nunca tente justificar a má qualidade do serviço que você está prestando dizendo que sua equipe não sabe o que está fazendo.
Terça-feira: visita ao consulado canadense em Nova Iorque.
Oficial #1
- Posso checar os documentos?
- Claro.
- Tá faltando as fotos.
- O site diz que vocês tiram as fotos aqui mesmo.
- Sim, mas você precisa ter um cheque administrativo de dez dólares. Não aceitamos dinheiro, nem cartão de crédito.
Vou eu até o banco comprar o cheque administrativo de dez dólares. Volto até o consulado. Passo pelo primeiro oficial de novo, que me manda para uma salinha, onde eu espero 15 minutos para ser atendida.
Oficial #2
- Posso checar os documentos?
- Claro.
- Só faltam as fotos.
- Trouxe um cheque administrativo pra tirar as fotos. Tá aqui.
- Sim, mas o valor é dez dólares e oitenta e oito centavos.
- Mas o primeiro oficial me disse que era dez dólares.
- Ah, é que mudou recentemente e ele não deve ter sido informado da mudança.
- Então, das duas uma: ou vocês param de cobrar essa taxa de cinquenta dólares pelo serviço, pois vocês não merecem receber esse dinheiro; ou a pessoa que deveria instruir o primeiro oficial deveria estar no olho da rua, pois claramente estamos lidando com um incompetente. E fica a dica: da próxima vez, para não tomar uma bordoada dessas, simplesmente peça desculpas ao cliente (no caso, eu) e veja com seu superior se não dá para aceitar o cheque de dez dólares, já que o erro foi de vocês.
3. Comparar a situação deprimente do seu interlocutor com algo não deprimente para chamar atenção para o que há de diferente entre as duas situações só vai fazer seu interlocutor se sentir um lixo. Evite.
Quarta-feira: trem de Nova Iorque para Boston tem inúmero problemas e é obrigado a parar por quase uma hora e meia no caminho, atrasando toda a viagem.
Depois de muitas explicações detalhadas do que estava acontecendo, e de muitos pedidos de desculpas (esses pelo menos receberam o treinamento que o pessoal do consulado não tinha recebido!), o condutor pega o microfone para anunciar que finalmente estamos partindo.
- Senhores passageiros, infelizmente isso aqui não é um avião. O avião pode acelelar e recuperar um pouco do tempo perdido com atrasos no solo. Nós, infelizmente, estamos confinados a esses trilhos e aos limites de velocidade impostos pelo governo. Portanto, nós vamos chegar com uma hora e meia de atraso em Boston e não há nada que eu possa fazer sobre o assunto no momento.
Podia ter oferecido um uísquinho e pulado a comparação com o avião, amigo.
Um comentário:
É, globalizaram até os péssimos serviços e atendimentos...
Sinal dos tempos!
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