A primeira vez que eu vi um camundongo foi nos Estados Unidos. Ele apareceu na cozinha de supetão. Eu tomei um susto tão grande que meu berro provavelmente foi ouvido por toda a vizinhança. Corri para um lado e o camundongo correu para o outro. Se eu estava assustada com uma criatura tão pequena, apenas posso imaginar o quanto ele estava assustando com uma criatura gigantesca e tão sonora quanto eu.
Foram algumas semanas até ele aparecer de novo. Dessa vez, eu estava sentada, jantando. Ele veio até o meio da cozinha, parou e olhou para mim. Ele parecia sozinho e faminto. Eu também estava sozinha, mas diferentemente dele, saciava minha fome com o farto prato que tinha acabado de cozinhar. E foi ali, com aquele rápido olhar, que ele conseguiu me convencer que poderíamos manter relações diplomáticas. Pra que estresse, gritos e correria, se podemos comer nosso jantar na companhia um do outro? Afinal, éramos ambos seres sozinhos e famintos. Precisámos unir forças para lutar contra esse mundo cruel.
Suas visitas tornaram-se frequentes, mas não eram diárias. Mais do que isso, eram sempre rápidas, discretas e cordiais. Talvez isso tenha evitado o desgaste da nossa relação. Nunca o Tom (achei que batizá-lo de Jerry seria pouco criativo...) começou a se servir dos minúsculos pedaços que tinha caido acidentalmente no chão sem me cumprimentar. Era sempre um olhar rápido, atento e educado, como que pedindo permissão para se servir e me desejando bom apetite. Eu silenciosamente desejava bom apetite para ele também, e assim prosseguímos, cada um com sua refeição.
Com o tempo, comecei a ver os benefícios desse animalzinho em comparação com os demais. Tomei conta do gato de uma amiga, e o bicho tinha o diabo no corpo. Subia nas partes mais altas das estantes e armários, e começava vagarosamente a puxar tudo que encontrava, até derrubar no chão. Peças quebráveis como louça, vidro e porcelana eram suas favoritas. Peças de plátisco, que não sofreriam nem causariam qualquer estrago com a brincadeira, eram solenemente ignoradas. Comprei um borrifador de água para jogar nele assim que visse que ele ia aprontar, mas quem tem tempo para ficar perseguindo um gato o dia inteiro?
Em geral tendo a preferir cachorros, mas minha experiência com os daqui da América do Norte não foram muito bem sucedidas. De novo, através de favores para amigos, acabei tomando conta de duas cadelas supostamente civilizadas. O problema é que a primeira acordava as 6 da manhã em ponto e tinha que sair imediatamente para ir ao banheiro. Como eu morava no décimo oitavo andar, isso significava que eu tinha que sair da cama, colocar uma roupa, pentear o cabelo e estar minimamente apresentável para encontrar no elevador o vizinho que também estava levando o cachorro as seis da manhã para urinar na frente do prédio.
A segunda cadela já era um pouco mais preguiçosa de manhã, mas quando acordava queria tanta atenção que eu chegava exausta no trabalho. Isso sem falar no fato de que as brincadeiras vigorosas da cadelinha em um determinado momento acabaram por incluir meu iPad. Aconteceu enquanto eu tomava banho. Assim que sai do banheiro, apenas tive tempo de ver ela, em cima do sofá, sacudindo o iPad como se fosse um ursinho de pelúcia. Antes que eu conseguisse apanhá-lo, a genial invenção de Steve Jobs planou pela sala como um aviãozinho de papel e se estilhaçou do outro lado do cômodo. Uma pena que o gato não estava lá para assistir. Ele ia ter ficado bastante satisfeito com o estrago.
Em suma, as vantagens de se ter um camundongo são inúmeras. Trata-se de um bichinho independente. Ele passeia sozinho, providencia sua comida, não te acorda em horários inadequados, não demanda sua atenção, nem exige que você providencie um banheiro ou limpe o dele. Apenas nos encontramos quando os dois querem se encontrar. Ter um camundongo é como ter um parceiro, enquanto ter qualquer outro animal de estimação é como adotar um filho. Camundongo não tem dono. Tem um companheiro. Você e ele são dois seres independentes, que encontram algo em comum e estabelecem uma relação baseada em autonomia, respeito e estima. Se a palavra "estimação" vem de estima, esse é, por essência, o único animal que merece o título de animal de estimação. E assim como o camundongo vira seu animal de estimação, você se torna o dele. É uma relação baseada em reciprocidade, como toda relação saudável deve ser.
Senti falta do Tom nos primeiros dias de volta ao Canadá, mas não demorou muito para que um primo do Tom aparecesse. Como sói acontecer em casas antigas, ele saiu debaixo do fogão ontem: um pouco menos tímido e com um pêlo um pouco mais escurinho que o do Tom, mas tão educado quanto. Já somos amigos. Agora estou tentando descobrir se tem algum jeito de compartilhar com ele um pouco do meu vinho. Sempre bom ter companhia no hora do jantar, mas companhia para beber é ainda melhor!
2 comentários:
uma música pra embalar seu post!
http://grooveshark.com/s/Ode+Aos+Ratos/3Ht71u?src=5
só mesmo vc e Walt Disney para elevar um camundongo a tal categoria!
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