quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A Geek, a Comida e a Morte


Fui na festinha. Conversei com pessoas aleatórias, sobre coisas aleatórias. Daí veio a menina. Disse que gostava de livros e das aulas na faculdade, e que conversava com os colegas sobre os tópicos das aulas nas festinhas. “Sim, eu sou geek assim!” Eu imediatamente começo a desviar o olhar em busca de alguém mais interessante ao redor.

Eu conheci os verdadeiros “geeks”. Estudei com o Renato Werneck no segundo grau – o menino que passou em primeiro lugar em todos os vestibulares mais concorridos do Brasil, e saiu na capa da Folha e foi dar entrevista no Jô Soares por causa disso. O Renato nunca se definiria como “geek”. Parte do que define um “geek” é exatamente o fato de que ele não percebe o quanto ele está fora do mundo. Ele fica lá, durante 45 minutos te explicando porque o livro que ele leu no ultimo fim de semana está equivocado sem notar que você nunca demonstrou qualquer interesse pelo assunto.  Isso é um “geek”.

Por alguma razão que eu não compreendo, virou moda ser “geek”. Daí “the cool kids”, as crianças bacanas, bem ajustadas e interessantes da escola, acham que se auto-descrever como “geek” é “cool”. Não sei em que universo essas crianças vivem, mas pra mim a auto-declaração é o principal atestado de que você não é definitivamente “geek”. Você chega com alguma roupa apresentável (ao invés de aparecer com uma meia de cada cor, ou com a mesma roupa que você usou nos últimos cinco dias), conversa olhando pra cara da pessoa, sorri, e não engata em um monólogo auto-centrado de 45 minutos? Definitivamente sua auto-declaração não vale nada. Sinto muito.

Eu já tinha parado de prestar atenção no blablablá da suposta “geek” há muito tempo, quando ela mencionou que adorava comida. Imediatamente minha cabeça estava de volta na conversa. Fiz algumas perguntas. Ela gostava mesmo de comida. Quase tanto quanto eu. Compartilhamos indicações de restaurantes, debatemos os pratos preferidos, e a coisa estava até indo bem, quando a conversa passou para a metafísica da experiência gatronômica.

A suposta “geek” me confessou que ela sentia uma grande angústia diante de um prato perfeito. Primeiro, ela tomava consciência de que não poderia saborear aquilo todos os dias. Depois, contabilizava todos os obstáculos que impediriam apreciar aquilo com bastante frequência (o restaurante era caro, o lugar era longe, etc, etc). Por fim, ela começava a especular sobre a conjunção de fatores que tinham contribuído para aquela experiência. E se o cozinheiro não conseguisse repetir o prato? E se ela estava com tanta fome naquele dia que quando voltasse ali a experiência não seria a mesma? E se a expectativa dela fosse muito alta e ela certamente se frustaria se voltasse a comer ali? Enfim, o prato perfeito para ela era, na verdade, uma grande tortura.

Eu, ao contrario da “geek”, não tenho nenhuma angústia diante de um prato perfeito. O único pensamento que passa pela minha mente é: posso morrer aqui, agora, que eu morro feliz. O prato perfeito me dá uma sensação de realização, de completude, de finalidade.

A suposta “geek” apelidou isso de experiência gastronômica zen budista.

Eu disse para ela parar de se preocupar em colocar etiqueta em tudo e começar a se preocupar em viver a vida. E saí em busca de outro copo de vinho e alguém mais interessante para conversar.


P.S. --  esse post é em parte uma homenagem a minha tia T., que fez aniversário essa semana e é definitivamente a autora das esfihas mais perfeitas que comi na vida. E é casada com meu tio, que tem seus momentos geeks, mas está sempre muito apresentável e não deixa de ter ele mesmo alguns dotes culinários altamente apreciados pela família...

domingo, 24 de novembro de 2013

O jardineiro, a acadêmica e a mídia

Quando cheguei do Brasil, saí para jantar com um amigo que é escritor. Ele me perguntou como tinha sido a visita. Falei para ele que eu tinha dado entrevistas para rádio, TV e jornais e que eu era uma grande personalidade agora. Ele, ironicamente, me perguntou: porque só agora? Minha resposta: porque dessa vez alguém que tinha muito dinheiro organizou o evento, chamou a imprensa, e falou para eles prestarem atenção em mim.

No dia seguinte, meu amigo deixou na minha porta uma cópia da edição esgotada de um livro de Jerzy Kosinski chamado Being There (a tradução do título para o português deixa a desejar: O Vidiota). Terminei de ler o livro esse fim de semana. É quase como se o escritor tivesse ouvido minha história e escrito um livro inspirado nela. 

Um jardineiro passa a vida inteira trancado dentro de uma mansão. Suas duas atividades são apenas cuidar do jardim e assistir TV. Ele não sabe ler, não tem família ou amigos, e raramente conversa com os demais serventes que trabalham na casa. Quando o dono da mansão morre, o jardineiro encontra-se, pela primeira vez na sua vida, fora da casa e longe do jardim, em um mundo que ele não entende bem como funciona. 

Poucas horas depois de sair da mansão, ele é atropelado pelo carro de um milionário e é levado para a casa do mesmo, para se recuperar. O fato de que ele usa ternos feitos sob medida (que eram na verdade do dono da mansão onde ele trabalhava) faz com que o milionário e sua esposa assumam que ele é um respeitado homem de negócios. Isso, por sua vez, faz com que interpretem suas frases lacônicas e sem sentido como expressões de grande sabedoria. Em poucos dias, ele está frequentando os mais altos círculos dos Estados Unidos, altamente recomendado pelo seu atropelador. Graças a essa recomendação todas suas frases sem sentido são interpretadas como grande cultura e inteligência. Quando pessoas influentes começam a citar suas frases na mídia, todos jornais e revistas querem marcar entrevistas com ele. E ele se torna uma grande personalidade, sendo inclusive cotado para concorrer a um cargo político. 

As semelhanças são evidentes. Eu e muitas outras pessoas dentro e fora do Brasil estamos trancados em blbiotecas fazendo pesquisa há anos e a imprensa raramente se dá ao trabalho de tentar saber o que estamos estudando. Mas quando uma entidade com muito dinheiro e bastante influência política (a federação das indústrias) organiza um evento e me convida para fazer uma apresentação, a imprensa de repente se interessa por aquilo que eu tenho a dizer. 

Enquanto o jardineiro foi atropelado por um homem rico, meu evento foi bem menos traumático: conheci por acaso uma professora brasileira que, por sua vez, me apresentou ao seu marido em um jantar. Anos depois, o marido dela, que estava organizando o evento, sugere meu nome e eu termino na mídia, como o jardineiro. O fato de que sou professora em uma faculdade de ponta no exterior dá credibilidade à minha pessoa, assim como os ternos do jardineiro. Mas fora esse atestado de credibilidade, ninguém sabe ao certo o que eu faço, e ninguém ousa perguntar -- nem a mim, nem ao jardineiro. 

A pergunta que fica é se alguém de fato entendeu o que eu estava falando. No livro, todo mundo assume que o jardineiro está dizendo algo muito profundo, mas o pressuposto é mais baseado em quem eles pensam que ele é, do que naquilo que ele disse. Há um grande risco de que o mesmo tenha acontecido comigo. 

Depois de tantas similaridades, não surpreende que o fim da história seja o mesmo: eu e o jardineiro, depois de experimentar toda essa esquizofrenia, apenas queremos voltar para a paz e sensatez dos nossos respectivos jardins.


 

sábado, 16 de novembro de 2013

O "Acadêmico"

O esteriótipo é conhecido: acadêmico é aquela pessoa CDF (ou geek como eles preferem ser chamados). Gostam de livros, falam de coisas que ninguém entende ou pelas quais ninguém se interessa, e são geralmente mal informados sobre coisas populares como a banda que está fazendo sucesso ou o tênis da moda. Confesso que é difícil, ao menos pra mim, lutar contra esse esteriótipo. Eu de fato não acompanho a maioria das coisas que interessa à maioria das pessoas, como os últimos seriados que todo mundo anda assistindo, ou o cantor que ganhou o prêmio de música do ano passado (Emmy?)  e está tocando em todas as rádios. Como eles dizem em inglês, o acadêmico não é o "average joe", para o bem ou para o mal. 

Mas há uma série de esteriótipos que são mais culturais e mais geograficamente localizados. Na minha última visita ao Brasil, por exemplo, um professor universitário me dizia que se um estudante de mestrado ou doutorado dele chega para uma reunião malhado e bronzeado, ele já sabe que o sujeito não tá trabalhando. Por que?, perguntei. "Porque se você está escrevendo um mestrado ou doutorado, você fica enfurnado na biblioteca, virando noites, tomando mil litros de café e sem ter uma vida social. Tanto eu quanto todo mundo que passou por isso sabe que é assim."

É assim no Brasil, foi a minha resposta. Na América do Norte, se você está trabalhando nesse ritmo, das duas uma: ou você é muito desorganizado e deixou todo o trabalho para última hora, ou você é muito ineficiente e precisa de uma quantidade insana de horas para fazer o que alguém faria em menos da metade do tempo. Ou seja, se você está se privando de ginástica e diversão enquanto trabalhando (em qualquer coisa, não apenas na sua tese ou dissertação), você provavelmente não é tão competente quanto a pessoa que consegue balencear tudo. 

E o pior é que essa visão cultural de que você tem que sacrificar sua vida pessoal para levar a sério seu trabalho vem da nossa história escravocata. Eu não lembro qual foi o pesquisador que mostrou isso -- talvez tenha sido o Sergio Buarque -- mas basicamente a escravatura distorceu nossa visão de trabalho. Os escravos não eram remunerados por produtividade. Portanto, uma vez que se comprava um escravo, havia um incentivo para que se usasse o escravo o máximo de horas possíveis. Para se poupar, os escravos faziam o trabalho devagar, para compensar pelas longas horas. O resultado disso é que nós  medimos trabalho pela quantidade de horas que você se dedicou aquilo (ou pelo esforço), e não pelo resultado. Assim, o sujeito que passou 10 horas na biblioteca e escreveu 10 páginas é aplaudido, enquanto que aquele que passou 5 horas, escreveu 30 páginas, e teve tempo de ir à praia antes e ir malhar depois é visto como o cara que não está levando a sério o projeto.

Segundo, há muito pouca cultura de organização do tempo no Brasil. Portanto, o sujeito fica malhando e indo para a praia durante quatro meses e daí quando faltam dois meses para entregar a tese ele se tranca na biblioteca e não fala com ninguém. Isso é simplesmente falta de disciplina e organização. O sujeito que trabalha 5 horas por dia durante seis meses está basicamente trabalhando 900 horas (incluí aqui fins de semanas e feriados para facilitar a conta). Já aquele que resolve começar o trabalho 2 meses antes do prazo, precisa trabalhar 450 horas pro mês para conseguir trabalhar a mesma quantidade de horas que o outro trabalhou. Isso dá 15 horas de trabalho por dia. Ou seja, esse segundo aluno vai de fato ter que se trancar na biblioteca, virar noites em claro e beber muitos litros de café. Mas ele não está necessariamente trabalhando mais ou levando o projeto mais a sério que o primeito. Na verdade, o primeiro indivíduo vai trabalhar a mesma quantidade de horas que o segundo, e ainda vai conseguir ir para a praia e para a academia todos os dias.

Em suma, precisamos seriamente rever nossas concepções de seriedade e dedicação ao trabalho, especialmente na academia brasileira. Focar no resultado e não na quantidade de horas talvez nos ajude a conseguir ao menos um único prêmio Nobel.

Música do Dia - Ou a Melodia do Tenured Professor


"Sleeping In"

Last week I had the strangest dream
Where everything was exactly how it seemed
Where there was never any mystery of who shot John F. Kennedy
It was just a man with something to prove
Slightly bored and severely confused
He steadied his rifle with his target in the center
And became famous on that day in November

Don't wake me I plan on sleeping
Don't wake me I plan on sleeping in
Don't wake me I plan on sleeping
Don't wake me I plan on sleeping in

Again last night I had that strange dream
Where everything was exactly how it seemed
Where concerns about the world getting warmer
The people thought they were just being rewarded
For treating others as they'd like to be treated
For obeying stop signs and curing diseases
For mailing letters with the address of the sender
Now we can swim any day in November

Don't wake me I plan on sleeping
(now we can swim any day in November)
Don't wake me I plan on sleeping in
Don't wake me I plan on sleeping
Don't wake me I plan on sleeping in

[x3]
Don't wake me I plan on sleeping in
Don't wake me I plan on sleeping
OOo oOo oOo