No dia seguinte, meu amigo deixou na minha porta uma cópia da edição esgotada de um livro de Jerzy Kosinski chamado Being There (a tradução do título para o português deixa a desejar: O Vidiota). Terminei de ler o livro esse fim de semana. É quase como se o escritor tivesse ouvido minha história e escrito um livro inspirado nela.
Um jardineiro passa a vida inteira trancado dentro de uma mansão. Suas duas atividades são apenas cuidar do jardim e assistir TV. Ele não sabe ler, não tem família ou amigos, e raramente conversa com os demais serventes que trabalham na casa. Quando o dono da mansão morre, o jardineiro encontra-se, pela primeira vez na sua vida, fora da casa e longe do jardim, em um mundo que ele não entende bem como funciona.
Poucas horas depois de sair da mansão, ele é atropelado pelo carro de um milionário e é levado para a casa do mesmo, para se recuperar. O fato de que ele usa ternos feitos sob medida (que eram na verdade do dono da mansão onde ele trabalhava) faz com que o milionário e sua esposa assumam que ele é um respeitado homem de negócios. Isso, por sua vez, faz com que interpretem suas frases lacônicas e sem sentido como expressões de grande sabedoria. Em poucos dias, ele está frequentando os mais altos círculos dos Estados Unidos, altamente recomendado pelo seu atropelador. Graças a essa recomendação todas suas frases sem sentido são interpretadas como grande cultura e inteligência. Quando pessoas influentes começam a citar suas frases na mídia, todos jornais e revistas querem marcar entrevistas com ele. E ele se torna uma grande personalidade, sendo inclusive cotado para concorrer a um cargo político.
As semelhanças são evidentes. Eu e muitas outras pessoas dentro e fora do Brasil estamos trancados em blbiotecas fazendo pesquisa há anos e a imprensa raramente se dá ao trabalho de tentar saber o que estamos estudando. Mas quando uma entidade com muito dinheiro e bastante influência política (a federação das indústrias) organiza um evento e me convida para fazer uma apresentação, a imprensa de repente se interessa por aquilo que eu tenho a dizer.
Enquanto o jardineiro foi atropelado por um homem rico, meu evento foi bem menos traumático: conheci por acaso uma professora brasileira que, por sua vez, me apresentou ao seu marido em um jantar. Anos depois, o marido dela, que estava organizando o evento, sugere meu nome e eu termino na mídia, como o jardineiro. O fato de que sou professora em uma faculdade de ponta no exterior dá credibilidade à minha pessoa, assim como os ternos do jardineiro. Mas fora esse atestado de credibilidade, ninguém sabe ao certo o que eu faço, e ninguém ousa perguntar -- nem a mim, nem ao jardineiro.
A pergunta que fica é se alguém de fato entendeu o que eu estava falando. No livro, todo mundo assume que o jardineiro está dizendo algo muito profundo, mas o pressuposto é mais baseado em quem eles pensam que ele é, do que naquilo que ele disse. Há um grande risco de que o mesmo tenha acontecido comigo.
Depois de tantas similaridades, não surpreende que o fim da história seja o mesmo: eu e o jardineiro, depois de experimentar toda essa esquizofrenia, apenas queremos voltar para a paz e sensatez dos nossos respectivos jardins.
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