domingo, 24 de novembro de 2013

O jardineiro, a acadêmica e a mídia

Quando cheguei do Brasil, saí para jantar com um amigo que é escritor. Ele me perguntou como tinha sido a visita. Falei para ele que eu tinha dado entrevistas para rádio, TV e jornais e que eu era uma grande personalidade agora. Ele, ironicamente, me perguntou: porque só agora? Minha resposta: porque dessa vez alguém que tinha muito dinheiro organizou o evento, chamou a imprensa, e falou para eles prestarem atenção em mim.

No dia seguinte, meu amigo deixou na minha porta uma cópia da edição esgotada de um livro de Jerzy Kosinski chamado Being There (a tradução do título para o português deixa a desejar: O Vidiota). Terminei de ler o livro esse fim de semana. É quase como se o escritor tivesse ouvido minha história e escrito um livro inspirado nela. 

Um jardineiro passa a vida inteira trancado dentro de uma mansão. Suas duas atividades são apenas cuidar do jardim e assistir TV. Ele não sabe ler, não tem família ou amigos, e raramente conversa com os demais serventes que trabalham na casa. Quando o dono da mansão morre, o jardineiro encontra-se, pela primeira vez na sua vida, fora da casa e longe do jardim, em um mundo que ele não entende bem como funciona. 

Poucas horas depois de sair da mansão, ele é atropelado pelo carro de um milionário e é levado para a casa do mesmo, para se recuperar. O fato de que ele usa ternos feitos sob medida (que eram na verdade do dono da mansão onde ele trabalhava) faz com que o milionário e sua esposa assumam que ele é um respeitado homem de negócios. Isso, por sua vez, faz com que interpretem suas frases lacônicas e sem sentido como expressões de grande sabedoria. Em poucos dias, ele está frequentando os mais altos círculos dos Estados Unidos, altamente recomendado pelo seu atropelador. Graças a essa recomendação todas suas frases sem sentido são interpretadas como grande cultura e inteligência. Quando pessoas influentes começam a citar suas frases na mídia, todos jornais e revistas querem marcar entrevistas com ele. E ele se torna uma grande personalidade, sendo inclusive cotado para concorrer a um cargo político. 

As semelhanças são evidentes. Eu e muitas outras pessoas dentro e fora do Brasil estamos trancados em blbiotecas fazendo pesquisa há anos e a imprensa raramente se dá ao trabalho de tentar saber o que estamos estudando. Mas quando uma entidade com muito dinheiro e bastante influência política (a federação das indústrias) organiza um evento e me convida para fazer uma apresentação, a imprensa de repente se interessa por aquilo que eu tenho a dizer. 

Enquanto o jardineiro foi atropelado por um homem rico, meu evento foi bem menos traumático: conheci por acaso uma professora brasileira que, por sua vez, me apresentou ao seu marido em um jantar. Anos depois, o marido dela, que estava organizando o evento, sugere meu nome e eu termino na mídia, como o jardineiro. O fato de que sou professora em uma faculdade de ponta no exterior dá credibilidade à minha pessoa, assim como os ternos do jardineiro. Mas fora esse atestado de credibilidade, ninguém sabe ao certo o que eu faço, e ninguém ousa perguntar -- nem a mim, nem ao jardineiro. 

A pergunta que fica é se alguém de fato entendeu o que eu estava falando. No livro, todo mundo assume que o jardineiro está dizendo algo muito profundo, mas o pressuposto é mais baseado em quem eles pensam que ele é, do que naquilo que ele disse. Há um grande risco de que o mesmo tenha acontecido comigo. 

Depois de tantas similaridades, não surpreende que o fim da história seja o mesmo: eu e o jardineiro, depois de experimentar toda essa esquizofrenia, apenas queremos voltar para a paz e sensatez dos nossos respectivos jardins.


 

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