sexta-feira, 18 de julho de 2014

A liberdade é azul

Assisti esse filme quando ainda estava no segundo grau. Ele me marcou tanto, que voltei a vê-lo inúmeras vezes desde então. Por muito tempo, achei que era a cinematografia que me encantava. A fotografia do filme é belíssima, especialmente a predominância da cor azul. Recentemente, todavia, comecei a desconfiar que o que me atraia tanto no filme era o enredo.

A história, basicamente, é de uma mulher que perde o filho e o marido em um acidente de carro e começa a tentar cortar todos os laços que tem com outras pessoas. Ela tenta se isolar do mundo, por mais difícil que pareça a tarefa. Há várias cenas marcantes da protagonista em uma piscina vazia, buscando uma solidão que parece difícil encontrar em qualquer outro lugar. 

A fotografia do filme é tão impressionante, que levamos algum tempo até voltar a racionalizar o filme. Eu, pessoalmente, levei duas décadas. Mas assim que consegui elaborar algo mais analítico, a primeira pergunta foi: o que essa história tem a ver com liberdade? Liberdade, lembremos, é o título do filme. E ao olhar para o roteiro ficamos um pouco atormentados com a idéia de que uma mulher que acaba de perder sua família em um acidente de carro possa ser descrita, a partir daí, como um ser livre. 

Como a liberdade imposta parece algo que não deve ser celebrado, ou sequer contemplado, temos uma tendência natural a focar na liberdade escolhida ou desejada. Ou seja, a busca da protagonista por uma libertação de todo e qualquer vínculo com terceiros. É um desejo de se ver livre de sociedade e de todo e qualquer contato com outros seres humanos. Por que? Porque qualquer vínculo que se cria é uma potencial fonte de dor e sofrimento, porque é uma potencial perda. 

Uma outra interpretação é o desejo da protagonista de se livrar de toda e qualquer memória da sua vida anterior. A cena em que ela destrói a última peça na qual seu marido, um compositor, estava trabalhando, sustenta essa hipótese: ela não quer se libertar da sociedade, mas sim do seu passado. Ela quer se livrar das memórias da vida que tinha, e que perdeu. Essa é a liberdade que busca.

Eu estava trabalhando com essas hipóteses (todas aventadas em diferentes críticas do filme) quando me deparei com uma frase bastante curiosa. 

"Liberdade depois do confinamento é diferente da simples liberdade. Ainda que a liberdade em si possa ser uma forma de confinamento". 

O livro de onde veio a frase não é bom, e não faz referência alguma ao filme, mas para mim a frase ofereceu uma interpretação interessante sobre o filme: a busca por isolamento da protagonista, que pode ser lida como uma busca por confinamento, é, ao mesmo tempo, uma busca por liberdade. É um ato de liberdade porque a liberdade imposta, igualmente, é um confinamento. 

É quase como se ela estivesse protestando por ter sobrevivido ao acidente: se ela não podia ter o confinamento que escolheu (seu vínculo com o marido e o filho), ela também não quer desfrutar da liberdade imposta, que nada mais era que ser confinada a viver uma vida que ela não escolheu. Daí seu isolamento social: enquanto aquilo pode ser lido como um confinamento auto-imposto, ao mesmo tempo parece ser a forma mais robusta através da qual a protagonista consegue expressar sua escolha, e portanto afirmar sua liberdade. 

Enfim, azul não é necessariamente a cor mais quente.


P.S. - Esse post é dedicado a T., que passou por mais perdas que qualquer pessoa poderia humanamente suportar nos últimos meses.  

Um comentário:

cláudio disse...

Segundo o budismo, a causa de todo sofrimento está no desejo e no apego.
Grande abraço à T.