quarta-feira, 1 de julho de 2009

Pobreza e personas non-grata na America Latina

Nesse verão visitei dois dos países mais pobres daAmérica Latina: Cuba e o Paraguai. Ver pobreza não é chocante pra quem vem do Brasil, afinal vemos isso por todos os lados por aqui. O chocante foi ver tipos de pobreza tão diferentes da brasileira.

No Paraguai, por exemplo, mesmo as áreas mais ricas e sofisticadas tem rédios, lojas e carros que não considerariamos de luxo aqui no Brasil. Os bairros mais ricos e as pessoas mais afoturnadas por lá parecem ter o nivel de vida da classe média-baixa brasileira. E a pobreza não está presente somente na vida privada. Ao visitar o Congresso paraguaio, vi que prédio tinha sido financiado pelo governo de Taiwan (sabe-se la em troca do que…) e ao sair pela porta da frente do Congresso, me deparei com uma favela do outro lado da rua. Literalmente, havia porcos comendo lixo na frente do Congresso nacional.

Cuba, por outro lado, tem uma pobreza de infraestrutura. Na parte mais antiga da cidade, os prédios da década de 50 não foram reformados desde então. A mesmo coisa para ruas e calçadas. Varios carros dessa época ainda estão circulando. Fora dos locais turísticos, não há ar condicionado, e mesmo no museu de arte cubana o ar condicionado estava quebrado há três meses. Não havia previsão de concerto (fiquei com medo dos quadros e dos vigias do museu derreterem naquele calor infernal das salas de exposição). Outras tecnologias como computadores e internet também não são de fácil acesso (nem para turistas). Os celulares chegaram a pouco tempo na ilha e faz alguns meses que os Cubanos foram autorizados a comprá-los.

A pobreza material de Cuba, todavia, contrasta com a pobreza humana do Paraguai (e do Brasil em grande parte) . Os pobres do Paraguai moram mal, se vestem mal, se alimentam mal, têm baixa escolaridade, têm doencas, são privados de assistência médica e sofrem muito com tudo isso. Em contraste, o povo de Cuba mora mal, e não tem roupas sofisticadas, mas eles têm o que vestir, o que comer e -- o que mais impressiona -- têm altíssima escolaridade e muita saúde. De fato, os níveis de escolaridade e saúde de Cuba são tão altos quanto os dos Estados Unidos, que é a maior economia mundial e investe bilhões de dólares na população para conseguir esses resultados. Minha conclusao foi que em Cuba está tudo caindo aos pedaços, menos as pessoas.

Ninguém sai de uma experiência dessa sem questionar um pouco o que é pobreza. O Banco Mundial classifica os países pela renda per capita, o que torna Cuba um dos paises mais pobres do globo. O Paraguai também não se sai muito bem nesse quesito. A ONU, por sua vez, considera além da renda os níveis de saúde e educação, e aí Cuba não fica tão mal. Ia ficar melhor ainda se a ONU não considerasse renda... Mas tem um pessoal que desenvolveu um índice de felicidade nacional e apesar deles não terem medido Cuba ou o Paraguai eu tenho impressão que as pessoas são mais felizes com saúde e podendo ler, do que com acesso a bens materiais de todo tipo. Mas ainda que a gente abdique da idéia de felicidade, acho que todo mundo concorda que ter saúde, comida e acesso a informação é mais importante que ter camisetas da moda, tênis de marca e carro do ano.

O mais interessante da experiência, todavia, foi descobrir as causas da pobreza nesses dois países. O embargo norte-americano teve um impacto negativo considerável na economia cubana. E o discurso anti-americano é muito forte na ilha, desde a época da revolução (uma visita ao museu da revolução foi bastante reveladora nesse sentido). Mas encontrar gente no mundo que odeie os americanos não é novidade. O que foi revelador foi descobrir que o grande causador da pobreza no Paraguai foi o Brasil. Pouco antes da Guerra do Paraguai, Francisco Solanos Lopez estava promovendo uma política agressiva de desenvolvimento, financiando a industrialização no país e fazendo investimentos pesados em educação. Uma aliança de países liderada pelo Brasil decidiu entrar em guerra para "garantir sua hegemonia na região" (i.e. para impedir que o Paraguai se desenvolvesse e se tornasse um império). O resultado foi desastroso para o Paraguai: metade da população foi morta, o país viveu dez anos sobre ocupação militar, perdeu uma parte significativa de seu território, e ainda teve que pagar uma pesada indenização. O resultado? Hoje eles são um dos países mais pobres da América Latina. E os culpados? Somos nós, brasileiros.

Enfim, ao visitar o Paraguai eu me senti como um Americano em Cuba. E, devo confessar, não foi uma sensação agradável. Afinal, ver pobreza e se preocupar com pessoas pobres é uma coisa, mas ser o causador de todos esses males é algo completamente diferente. Além disso, assim como os Cubanos os Paraguaios não se acanham em dizer que nós somos os culpados or grande parte dos problemas deles hoje. Nesse sentido, a pobreza nesses dois países é muito diferente da pobreza no Brasil, já que os pobres por aqui não parecem estar procurando culpados. Afinal, "Deus quis assim". Isso não quer dizer que não sejamos (nós, classes média e alta) culpados também na nossa própria terra. Basta ver o histórico das políticas desenvolvimentistas no Brasil, desde o primeiro governo de Getúlio até o fim da ditadura militar, para ver quem saiu ganhando. Como diz um economista indiano famoso, chamado Amartya Sen: "there is much evidence in history that acute inequalities often survive precisely by making allies out of the deprived (...) It can be a serious error to take the absence of protests and questioning of inequality as evidence of the absence of that inequality (or of the nonviability of that question)".

Como eu digo para meus alunos no Rio: os pobres nas favelas estão armados e poderiam a qualquer momento descer do morro e matar todos nós, promovendo o equivalente da revolução cubana. E o fato de que não haja riscos disso ocorrer agora, não significa que isso nunca vai acontecer. E ainda que não aconteça, pode ainda chegar o dia em que eles vão perceber quem ganha e quem perde nessa sociedade desigual em que vivemos, e deixem transparecer em toda e qualquer conversa nossa responsabilidade pela miséria alheia, como fazem os Paraguaios. Nesse dia, vamos descobrir que somos diferentes do Cubanos e dos Paraguaios em pelo menos uma coisa: nosso maior problema somos nós mesmos.













In history class, in seventh grade (or as we like to say in Canada, grade seven) we learned the story of the American Revolution — from the British perspective. Turns out you were all a bunch of ungrateful tax cheats. And you weren’t very nice to the Loyalists. What I miss most about Canada is getting the truth about the United States.

— MALCOLM GLADWELL, a staff writer for The New Yorker and the author, most recently, of “Outliers: The Story of Success”

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