quinta-feira, 30 de abril de 2009
Mulheres fortes, inteligentes e espirituosas
Durante minha visita a Nova Iorque, perdi a oportunidade de anotar várias (e é claro que eu não me lembro -- eu nem sei o que comi no almoço hoje...). Mas durante a visista dela a Toronto, eu aproveitei a oportunidade e decidi compartilhar com vocês um pouquinho da espirituosidade e bom humor dela:
- I don't need Yoga, I have New York (no jantar, quando eu tava falando que estava pensando em fazer Yoga).
- I went to therapy because I needed someone looking at me, instead of having a person who got distracted with something else everytime I was complaining (a frase foi seguida de um olhar fulminante em direção ao marido, o N., que apenas sorriu).
- Reality can never be more beautiful than your imagination (a frase é de um livro, não da N., mas foi citada no momento certo, de maneira que ficou sendo quase dela).
- I love meeting strong, inteligent women. (essa foi a frase da N., quando ela conheceu a D., de quem eu falei antes)
Pois é. Acho que mulheres fortes e inteligentes gostam de conhecer mulheres que também sejam fortes e inteligentes. E uma pitada de bom humor não faz mal a ninguém...
Temer não é saber
Na minha resposta eu omiti o fato de que a mesma coisa já tinha acontecido antes, mas da primeira vez eu liguei pra polícia (911). Em cinco minutos, vinte homens armados, com coletes a prova de bala e lanternas no capacete, estavam vasculhando meu quintal. Eles ficaram meia hora lá pra bater na minha porta logo depois (3 da manhã, diga-se de passagem) e me dizer que o barulho eram os guaxinims mexendo no lixo. Achei que minha faxineira ia pensar que eu era muito paranóica se ela soubesse deste precedente. Mas eu me enganei.
Ao invés de me achar paranóica, minha faxineira vira pra mim e fala: - "essa faca aí não vai te proteger de nada. Se o cara entrar aqui, você precisa chegar tão perto pra conseguir esfaquear ele, que provavelmente ele já te nocauteou antes de você começar a mover a faca na direção dele. Aém disso, ainda que você consiga encostar a faca nele, você provavelmente não vai ter força pra fazer nenhum dano significativo. Esfaquear gente não é fácil assim, minha filha.... O que voce precisa mesmo é de um taco de baseball!"
A explicação para o taco, como vocês podem imaginar, segue toda a lógica que ela usou para ridicularizar minha faca: não precisa chegar perto pra acertar o cara e não precisa de tanta força (o peso do taco com a gravidade resolvem o problema). A dica dela foi pra eu mirar na cabeça. Eu resisti à proposta: - mas se eu acertar a cabeça eu mato o sujeito! Ela não titubeou: - tem que matar mesmo. Entrou um sujeito armado na sua casa? É você ou ele."
Perguntei de onde ela tirou toda essa sabedoria sobre como matar sujeitos armados. Ela respondeu que fazia isso na Jamaica, porque ela não tinha uma arma. Lá, segundo ela, muita gente anda armada e as casas são invadidas com frequência.
Mais do que sabedoria sobre como se defender de homens armados, a conversa revela uma coisa muito interessante: nós duas transferimos a percepção de risco que adquirimos nos nossos respectivos países para o Canadá. Para confirmar minha hipótese, pergunto se ela se protege de invasões de casas e homens armados no Canadá. Ela me diz que tem um taco em casa. E explica que quando os netos dela ficam na casa dela, ela coloca todos eles pra dormir no quarto dela e dorme na sala com o marido. Ela tem medo que invadam o apartamento no meio da noite e levem as crianças. E acrescentou: só levam se passarem por cima do meu taco!
A triste conclusão é que é muito difícil racionalizar nossas percepções de risco. Eu me informo sobre as estatísticas de crimes em Toronto (que sào baixas), tenho todas as razões para acreditar que estou bastante segura na minha casa (que tem alarme, vale esclarecer) e, caso eu precise de ajuda, eu sei que a polícia aqui efetivamente faz valer meus impostos. Além disso, eu sei que tem quaxinims no meu quintal. Mas ainda assim, minha percepção de risco é provavelmente similar à que eu teria se estivesse no Brasil e o resultado é que eu fico alerta quando ouço barulhos no quintal as 3 da manhã.
O mais irônico desta história é que eu escrevi uma crônica em 2004 pedindo para meus pais -- e qualquer outro eventual leitor -- serem mais racionais com suas percepções de risco. Acho que meu pedido acaba de perder toda a credibilidade. Bom, fica a crônica original, pra vocês verem como o mundo dá voltas. Enquanto vocês lêem, vou comprar um taco de baseball e já volto.
Cada um acredita no que quer, e teme o quanto pode
A moda agora nos Estado Unidos é o aparelho portátil de música da Apple, chamado Ipod. Em todo lugar que você vai, todas as pessoas com menos de trinta e cinco anos têm um (e algumas acima dessa idade também têm). Para não ficar de fora, comprei o meu e comuniquei minha mais nova aquisição à família e aos amigos. Como todo(a) estudante, não tenho carro, casa própria e minha propriedade de maior valor no momento é o meu computador. Portanto, a aquisição de um Ipod me pareceu um momento merecedor de atenção.
Dois dias depois, recebo do meu pai um e-mail dizendo que saiu na Folha de S. Paulo que o índice de roubo de Ipods no metrô de Nova Iorque aumentou em 50%. Três meses depois, em julho de 2005, minha mãe me manda a notícia de que um jovem havia sido morto no Brooklyn quando se recusou a entregar seu Ipod para um grupo de assaltantes. Enfim, meus pais temiam que minha mais nova aquisição colocasse em risco minha segurança, ou mesmo minha vida....
Depois de investigar as notícias em outras fontes, descubro que o índice de roubo de Ipods em NY de fato aumentou. Em um ano, subiu de zero para cinquenta. Ou seja, no período de um ano, cinquenta Ipods foram roubados em NYC. Dentre esses, um dos roubos gerou uma briga entre a gangue de assaltantes e os moleques que estavam sendo atacados (todos da mesma idade). Essas estatísticas mostram que as chances do meu Ipod ser roubado são mínimas, em especial se você considerar que eu não moro em Nova Iorque, e que provavelmente nenhum incidente desse tipo aconteceu na minha cidade até hoje. Mas como diz o ditado popular, "tudo tem uma primeira vez", e "você pode ser a próxima (e a primeira) vítima". Caso a profecia do ditado se realize, podem ter certeza que eu não vou em envolver em uma briga de chutes e pontapés com moleques de quinze anos.Entrego o Ipod e cada um segue seu destino.
Em contraste com essa realidade, em 2004, morreram 38 mil pessoas a tiros no Brasil. Uma pessoa a cada 15 minutos. Portanto, meus pais precisam tomar muito mais cuidado com pessoas armadas no Brasil, do que eu com assaltantes em busca de Ipods nos Estados Unidos. Na verdade 24 em cada 25 vítimas de armas de fogo no Brasil são homens. (http://www.soudapaz.org). Portanto, meu pai precisa se precaver ainda mais que minha mãe...
O interessante de toda história é que ela mostra algo que acontece com muita frequência. Um amigo meu está escrevendo uma tese sobre como as percepções das pessoas, e não a realidade em si, afetam o comportamento humano. Segundo ele, o comportamento cotidiano de pessoas normais pode ser em grande parte explicado pelo modo como as pessoas processam as informações que elas recebem, e como elas o fazem de maneira bem pouco objetiva. Como resultado, tendem a se proteger de maneira excessiva de riscos que são bastante improváveis, enquanto vivem totalmente desprotegidas de coisas que de fato apresentam ameaçam concretas.
Exemplo: está na moda agora aqui nos Estados Unidos coletar sangue do cordão umbilical dos recém nascidos, para que eles possam ter uma chance de tratamento caso venham a ter leucemia ou alguma outra doença fatal. Semana passada me deparei com um artigo de um médico dizendo que, na véspera do nascimento do seu filho ele se deparou com a questão e resolveu fazer um pouco de pesquisa sobre o assunto. Acabou por descobrir que a probabilidade de seu filho ter alguma das doenças curadas pelo sangue do cordão umbilical (ou as células tronco do mesmo) é ínfima. Apesar disso, milhares de pessoas estão pagando fortunas para manter o cordão umbilical de seus filhos em bancos de células tronco.
Logo depois, encontrei em outra revista uma estatística assustadora: uma criança que acaba de nascer tem 50% mais chances de morrer afogada na piscina no quintal de sua casa, do que de acidente com uma arma de fogo que seus pais possuam. Apesar disso, alguns estão lutando arduamente para diminuir o número de armas de fogo no Brasil, enquanto continua aumentando o número de piscinas nos quintais (o que ainda cresce em proporções inferiores ao número de cordões umbilicais armazenados...).
Tudo isso é resultado de impressões. As pessoas recebem as informações, se impressionam, ficam com medo, e resolvem tomar medidas contra aquilo sem se perguntar de fato qual o risco que aquilo representa para elas. Sabe-se que há risco de que a criança tenha leucemia, então os pais guardam o cordão umbilical sem se perguntar quanto de risco essa doença de fato representa. Se os pais estivessem tentando pensar objetivamente sobre os riscos de morte de suas crianças, estariam elencando os mais diferentes fatores, analisando estatísticas, e estariam se perguntando também se se eles deveriam estar se livrando do revólver que têm guardado no armário, ou da piscina no quintal.
Entretanto, parece que guardar o cordão umbilical no banco de sangue já traz a paz de espírito necessária para muitas pessoas. Por que? Claro que há um mecanismo cognitivo que parece instrínsico a todo o ser humano. Mas junto com isso, parece também que algumas informações parecem receber mais atenção e destaque que outras. Parece que as pessoas são induzidas a consumir coisas que evitam riscos (como estocar as células tronco), mas parece haver muito menos informação para que elas deixem de consumir coisas que criem riscos (como piscinas e armas). Eu me pergunto até que ponto as informações (sobre as vantagens de estocar condões umbilicais) e a falta de informação (como os riscos de crianças morrerem afogadas em piscinas domésticas) que chegam até as pessoas comuns, que são em sua maioria consumidoras também, não tem alguma ligação com o interesse de algumas indústrias. Ora, se o cordão umbilical for jogado fora, o banco de sangue não ganha dinheiro algum. O mesmo acontece se piscinas não foram contruídas e armas não forem compradas. Não tenho provas contra ninguém. Estou apenas especulando....
Mas não me entendam mal. Não quero que as pessoas deixem de construir piscinas, dirigir carros, usar energia elétrica, etc. Todas essas coisas, além de trazerem riscos, trazem também vantagens e deleites. Ninguém ter por objetivo de vida conseguir respirar o maior número de vezes possíveis. Queremos todos aproveitar a vida, ao máximo. Portanto, à vezes queremos respirar melhor, ainda que isso implique o risco de respirar menos vezes. Não tenho nada contra isso. Minha sugestão, para não dizer súplica, é que as pessoas prestem mais atenção nos fantasmas reais, e se precavejam contra vendedores que estão prontos a fazer você gastar seu dinheiro com fantasmas imaginários: às vezes, aquele mesmo dinheiro poderia estar sendo usado para efetivamente salvar sua vida.
E aqui vai o recado para os meus pais, que motivaram todas essa divagação: os minutos de preocupação que vocês tiveram com meu novo Ipod poderiam ter sido melhor utilizados na apreciação de um bom vinho, de um bom filme, de um lindo por-do-sôl, ou (sem querer ser irônica) de uma boa música. Sabendo que vocês não são tão hedonistas quanto eu gostaria, talvez vocês prefiram continuar se preocupando. Nesse caso, vocês podem usar esses mesmos minutos para se preocupar com o risco de homicídio no Brasil e com maneiras de se proteger. Adotem isso como princípio, e, assim, poderemos ser todos mais tranquilos e felizes apesar dessas mentes traiçoeiras que vieram ao mundo junto conosco, e que foram implantadas dentro dos nosso crânios, e que não podem ser tratadas nem com nossas células-tronco...
quarta-feira, 15 de abril de 2009
NYC com N & N
Esse é o pré-tese (Agosto de 2008):
Esse é o pós-tese (Abril de 2009):

Dá pra ver que as teses não foram o período mais divertido de nossas vidas, mas compensamos tudo com dois cortes de cabelo radicais e um fim de semana memorável.
O fim de semana, na verdade, começou na sexta-feira, com turismo intelectual. N. estava se preparando para uma job talk (que é a entrevista que vc faz quando quer viram professor aqui) e eu tive o privilégio de assistir a apresentação dela na New School. A tese dela é sobre a guerra no Iraque e é uma das coisas mais interessantes e bem escritas que eu li esse ano. E não sou só eu que acho isso: ela acabou de ganhar o prêmio de melhor tese de doutorado escrita por um estudante estrangeiro da New School. E o debate depois da apresentação foi muito legal.
A viagem teve também, como não poderia deixar de ter, turismo gastronômico. N &N não só conhecem restaurantes ótimos, mas também cozinham maravilhosamente bem. Todas as refeições foram, portanto, inesquecíveis. Na sexta-feira, por exemplo, depois da apresentação da N., nós compramos sanduíches asiáticos e comemos na Madison Square. Mas o destaque, sem dúvida, vai para o brunch no domingo, no Public, um restaurante todo modernoso no Soho. O chef combinou duas coisas que eu adoro e como aos montes: sanduíche de banana com french toast. Foi tão inesquecível que eu nem tive tempo pra me aborrecer com o café horrível que eles servem...
Além disso, tivemos uma manhã frutífera de turismo consumerista: Apple (só pra olhar, e futucar, e admirar, e ficar com vontade de comprar tudo...), Banana Republic (pra procurar uma meia calça porque eu tava morrendo de frio...), e Mango, a loja da Penélope Cruz (pra gente achar que é chique e moderna). Acabei comprando só uma medalinha de cerâmica que você coloca no jarro de açúcar mascavo pra ele não endurecer. Estou agora monitorando meu pote de açúcar diariamente pra ver se funciona. Em suma, o veredito é que de chique e moderna eu tenho muito pouco, mas minha neurose com a qualidade do meu café e o açúcar que eu ponho nele é imbatível.
E já que era eu, uma professora, visitando um professor e uma quase professora, a viagem incluiu um pouco de turismo educativo: N. me levou para um tour na Alphabet City, que era uma parte da cidade que eu não conhecia. O tour contou com um histórico da vizinhança, que foi super interessante, e culminou com uma experiência gastronômica genuinamente japonesa: miojo. Não aquele pronto que a gente compra no supermercado, mas sim o prato que inspirou a versão instantânea que a maioria de nós conhece. A base é a mesma, com a diferença que a massa é fresca e o prato tem ingredientes de verdade (tipo pedaços de carne de porco) ao invés de um pó com gosto de ingredientes. O N. morou no Japão e me deu uma aula de culinária japonesa -- que para minha surpresa vai muito além de sushi. Para quem estiver passando por NYC, e quiser experimentar coisas novas, essa certamente é uma experiência diferente.
E, como pessoas interessantes atraem mais pessoas interessantes, teve também turismo social. Os amigos de N & N são tão legais, inteligente e engraçados quanto os dois. E eu me diverti muito na noite em que N & N deram uma "dinner party" na casa deles. Além de conversas boas e de vinho bom, N. preparou um spaghetti com berinjela para os vegans e vegetarianos que tava tão bom que eu até esqueci do peixe.
Mas ao invés de ficar enfatizando as qualidades de N & N como anfitriões, acho que o que melhor resume o espírito da viagem é dizer que o N. prepara um café latte divino todas as manhãs e a N. usa all star!
terça-feira, 14 de abril de 2009
Teses, dissertações, mudanças e outros processos de enlouquecimento precoce
E por falar em partidas, tem mais uma a caminho: meus pais decidiram voltar para Santos. Eles mandaram fotos da mudança e deles, junto com a minha irmã, encaixotando tudo, inclusive os meus livros que eu pedi para eles guardarem quando fui fazer o mestrado nos EUA em 2001, e nunca mais voltei pra buscar...
São livros da época da faculdade, quando eu comecei a comprar muitos livros. Eram tantos, que minha família chegava a ficar preocupada. Minha vó uma vez me disse que no final dos cinco anos de faculdade eu provavelmente ia ter gastado o equivalente a um carro zero quilômetro em livros. Esse pensamento me assombra até hoje. E para piorar as coisas agora a cifra vem com juros e correção monetária: toda vez que eu estou no caixa de uma livraria eu penso - lá se foi meu apartamento...
Os meus pais, por outro lado, perguntavam se eu tinha tempo para ler os livros que eu comprava. Claro que não, eu respondia. Livro é como um fetiche -- vc precisa ter o negócio impresso, na sua frente, pra folhear, cheirar, guardar na estante, etc. Meu pai desconfiou durante muito tempo dessa tese, mas um dia ele achou um artigo no caderno Mais! da Folha de S. Paulo que dizia a mesma coisa e se acalmou um pouco. Afinal, se ele tinha uma filha louca, ao menos ela estava bem acompanhada...
E as fotos revelam mais uma coisa da minha época de faculdade: eu era uma pessoa dividida entre o mundo da vida e o mundo das idéias. Meu tempo era dividido entre direito tributário e a Fundamentação da Metafísica dos Costumes de Kant (foto acima). Ou entre títulos de crédito e ética, ou o conceito de norma jurídica (foto abaixo).
E assim ficava eu, tentando acreditar que alguém ia me pagar para viver no mundo das idéias, mas por precaução eu me preparava para o mundo da vida (i.e. arranjar um emprego como advogada). Afinal, não é todo dia que carreiras acadêmicas dão certo...
A boa notícia é que a carreira acadêmica deu certo (até agora pelo menos), mas a má notícia é que meus pais vão ter que carregar o peso da minha indecisão. Fico devendo mais uma pra vocês, pessoal!
E toda essa conversa sobre, partidas, mudanças e mundo das idéias, me lembrou de uma crônica que escrevi quando saí da New Haven e me mudei para o Canadá. Já que o blog era pra ser, supostamente, sobre minha vida canadense, achei mais do que apropriado dividir a crônica com vocês. O título original virou o título do post. Espero que gostem.
Teses, dissertações, mudanças e outros processos de enlouquecimento precoce
Pois é. Minha estadia nos E.U.A. finalmente se encerrou. Agora vem a mudança. Penso: -“Vou levar só livros e roupas. Vai ser tranquilo.” Reservo uma tarde de sábado para encaixotar as coisas, achando que é mais do que suficiente. Quarta-feira, cinco dias depois, encontro-me no meio de 44 caixas e o processo de encaixotamento ainda está longe de terminar…
Não consigo imaginar como um período de cinco anos escrevendo uma tese de doutorado poderia terminar de forma mais irônica. O processo de mudança é tão similar ao processo de escrever uma tese que eu estou quase acreditando que existe uma força divina que nos rege e que certamente está, nesse exato momento, se divertindo às minhas custas.
Tudo começa com o planejamento. Sempre mais otimista do que deveria. Tanto na tese quanto na mudança você calcula que tem que fazer menos do que de fato acaba sendo necessário, e consequentemente você acha que será necessário menos tempo do que de fato acaba precisando.
Daí vem a execução. Mais cedo do que qualquer lei de Murphy poderia prever, seu planejamento vai direto para a lata do lixo, pois você vê que não vai servir para nada. As caixas que você comprou são ou grandes ou pequenas demais. A distribuição das coisas nas caixas precisa ser feita e refeita inúmeras vezes, e se perde um tempo danado tentando lembrar onde se colocou isso, ou aquilo, ou qualquer coisa que de repente se torna imprescindível e sumiu no meio da confusão, como a tesoura para abrir as caixas. Para quem nunca escreveu um doutorado, pense nas caixas como capítulos, e nas roupas e livros que você tem que distribuir nelas como o conteúdo dos mesmos, o que inclui milhares de artigos, livros e outros papéis, que se perdem com a mesma facilidade que a tesoura na mudança. Em algum lugar eu li um cara falando disso… Onde foi mesmo?
A sua relação com o processo também evolui da mesma forma. No início, tudo é feito com um cuidado que beira a perfeição. Tudo é colocado dentro das caixas na mais perfeita ordem, as coisas estão sendo distribuídas nas caixas de acordo com um critério pré-estabelecido (livros de culinária aqui, livros de viagem ali, roupas de frio acolá) e tudo é pacientemente refletido à exaustão. Depois de desfazer a primeira caixa (porque era muito grande ou ficou pesada demais) se começa a ser mais pragmático. Tem espaço aqui, então enfia. Critério? Algum, mas sem muito rigor. Livros com livros e roupas com roupas. Depois de cinco dias nessa tortura, você só quer ver tudo dentro das caixas, não interessa como, não interessa em que caixa. Roupas com livros, qual o problema?
A tese é a mesma coisa. O primeiro capítulo que se tenta escrever é tão cuidadoso que parece que vai ser uma obra-prima da literatura acadêmica. Depois de refazê-lo umas três vezes, você começa a perceber que não adianta se ater aos cuidados, pois nada -- absolutamente nada -- do que você está escrevendo nesse momento vai ficar na versão final. Então você começa a escrever de uma maneira, digamos, “mais solta”, na esperança de que um quinto daquilo que vocês está dizendo seja aproveitado no final. Depois de cinco anos, você só quer ver aquele monstrengo que você criou virar uma caixa, com tudo que você precisa dentro. Só isso. Sem rompantes de genialidade, sem uma linguagem de fazer inveja, sem firula. Desnecessário dizer que tanto na mudança quanto na tese você acaba jogando metade das coisas fora.
Infelizmente, acho que essas semelhanças não são peculiares ao meu caso. Quantas pessoas você conhece que adoraram o processo da mudança, ou adoraram o período em que elas estava escrevendo o mestrado, o doutorado, ou qualquer monografia? Ninguém. Absolutamente ninguém consegue descrever esses processos com prazer. É claro que o produto final, às vezes, compensa. A mudança pode ser para um lugar onde a vida é melhor. Algumas teses viram livros famosos e trazem uma importante contribuição para a humanidade. Talvez nesses casos as pessoas relevem quão doloroso foi o processo, mas o fato é: ninguém está imune. No início parece uma grande idéia. Todo mundo empolgado. Do meio para o final, a coisa só degringola. Não há exceções.
Bom, no meu caso o processo de encaixotamento foi fechado com chave de ouro. Depois de finalizado, contactei a empresa de mudança, que me enviou instruções por e-mail. O primeiro conselho deles: não encaixote nada sozinho. O encaixotamento deve ser feito por profissionais, sob o risco de se prejudicar o processo de mudança (com caixas muito pesadas ou mal acondicionadas), e de se danificar seus bens.
Acho que as teses e dissertações também deviam vir com um aviso desses: deixe para os profissionais… Ou talvez as pessoas que pretendem escrever uma tese devessem passar um período intensivo de treinamento em uma empresa de mudanças. Com certeza elas estariam mais preparadas para enfrentar esse processo sem perder muito da sua sanidade mental. Eu, em contrapartida, vou sair da mudança direto para um psiquiatra, antes que eu decida fazer outra tese…ou outra mudança…
segunda-feira, 13 de abril de 2009
Partidas e partidas

D. entende de muitas coisas, mas uma das quais eu mais me beneficiava era o conhecimento de vinho. Jantar na casa dela era garantia de vinho bom. E o lema da casa era (e espero que continue sendo o mesmo em Vancouver):

Depois da partida da D., foi minha vez de partir. Ao invés de comer ovo de páscoa, decidi dar uma mordidinha na big apple no fim de semana (prometo um post com os highlights da viagem em breve). Próximo destino? Ainda não sei, mas Vancouver não é uma má idéia...
sábado, 11 de abril de 2009
Blog não é só cultura
Mas ainda temos uma longo caminho a percorrer. Os abusos cometidos e a quantidade de gente morta pela polícia brasileira ainda são alarmantes, como atesta um relatório da ONU de 2008. Tanto os blogs dos próprios policiais quanto o reality show que tenta mostrar o lado bom da polícia provavelmente vão contribuir muito pouco para denunciar e coibir esses abusos.
Quando estive no Brasil conversei com um professor de direito penal que fez uma sugestão interessante: ele disse que se pudéssemos colocar câmeras no capecete ou cap de todos os policiais, de maneira que todos seus passos fossem filmados, provavelmente os abusos diminuiriam. A execução de um inocente em um posto de gasolina filmada por cameras de segurança é um exemplo disso: os policiais cometeram os abusos sem saber que estavam sendo filmados. O BOPE decidiu recentemente adotar a prática, e com câmera baratas tipo essas que usamos nos computadores provavelmente não ia custar muito dinheiro pra implementar isso na polícia civil e militar. O problema, eu acho, é conseguir vencer a resistência dos próprios policiais à proposta.
De qualquer forma, uma coisa é certa: tecnologia às vezes pode dar uma mãozinha na solução de problemas sociais que parecem insolúveis...
quinta-feira, 9 de abril de 2009
Ele é o cara
Em resposta à vulgaridade e inutilidade da piada, Kennedy Alencar publicou uma coluna magistral na Folha. Vale a pena ler o texto todo, que além de extremamente elegante é bastante informativo. Para os que estão com o tempo curto, seguem dois parágrafos que chamaram minha atenção:
"Corretamente, bastante já foi dito sobre Obama ser o primeiro presidente americano a não se relacionar com o resto do mundo com aquele ar de imperador romano. Os sinais cordiais para as nações islâmicas, a abertura para se relacionar com Cuba e o evidente gesto de apreço por Lula [no encontro do G-20] mostram que ele pode, sim, liderar uma mudança positiva no planeta.
Dá esperança de que um outro mundo é realmente possível. E vale a pena torcer por isso, sem ingenuidade e ciente de que grandes transformações podem levar tempo. Mais: os desafios do presidente americano são enormes, da crise econômica mundial a duas guerras complicadas. Apesar do necessário ceticismo em relação à capacidade de uma só pessoa fazer a diferença, Obama é o cara certo no lugar certo na hora certa."
quarta-feira, 8 de abril de 2009
Açougue Cultural
Eu vi esse projeto quando estive em Brasília no semestre passado. Minha mãe cansou de ouvir minhas infindáveis perguntas sobre o projeto e minha admiração pelo autor toda vez que a gente passava por um ponto de ônibus. Ela que me mandou o link hoje de manhã. Ainda não sei se a intenção é alimentar minha curiosidade e me fazer falar ainda mais incessamente do assunto na mesa de jantar, ou sanar as minhas dúvidas de uma vez por todas e diversificar um pouco as conversas familiares... De qualquer forma, fica meu agradecimento!
terça-feira, 7 de abril de 2009
segunda-feira, 6 de abril de 2009
HIV/AIDS: qual é o melhor remédio?
Alguns argumentam que esse tipo de decisão servirá de incentivo para coibir esse tipo de atitude. Outros (em especial organizações de direitos humanos) alegam que esse tipo de decisão não ajuda em nada: criminalização só gera preconceito e exclusão, aumentando ainda mais o problema.
Para apimentar o debate, uma professora de economia de Chicago (Emily Oster) está desenvolvendo uma pesquisa sobre HIV/AIDS na Africa na qual ela alega que as pessoas assumem comportamento de risco (ter relações sexuais sem proteção) por causa de um cálculo econômico. Segundo ela, nas populações em que a expectativa de vida já é baixa (por causa de outras doenças, como malária, ou falta de assistência médica) não há incentivos para tentar proteger sua vida. Você vai morrer cedo mesmo, então não tem razão para tentar evitar risco de morte. A solução, portanto, não seria criar incentivos ou sanções para que as pessoas usem camisinha. Ao invés disso, as políticas de prevenção deveriam estar tratando de doenças que são facilmente tratáveis, aumentando a expectativa de vida da população e gerando, a partir daí, incentivos para que as próprias pessoas tentem preservar suas vidas.
Os dois pontos de vista (o da Oster e do pessoal que apóia a decisão da corte canadense) tem algo em comum: acreditam que as pessoas respondem a incentivos e estão determinando suas ações por um cálculo racional de custos e benefícios. Ambas se contraprõe àqueles que acreditam que grande parte do problema é cultural. As teorias culturais sustentam que ainda que se mude o ambiente, e mudem os incentivos, os valores que incorporamos por crescer numa determinada cultura continuam guiando nosso comportamento. Dois economistas da universidade de Columbia, em Nova Iorque, deram sustentação empírica para a teoria cultural analisando o comportamento dos diplomatas da ONU. Todos os diplomatas tem imunidade, e portanto não tem que pagar multas de trânsito. Os diplomatas de países corruptos aproveitam da imunidade para violar todo tipo de leis de trânsito e não pagar as multas que recebem. Em contrapartida, os diplomatas de países não corruptos, não apenas tinham uma quantidade significativamente menor de multas (ou seja obedeciam mais as leis), mas pagavam -- ainda que não fosse obrigados a fazê-lo -- todas as poucas multas que recebiam. Segundo essa teoria, a decisão canadense provavelmente não vai servir de incentivo para mudar comportamentos culturalmente determinados.
Para os interessados no assunto, vai ter um debate televisionado sobre a decisão canadense na quarta-feira, dia 8 de abril das 4:10 as 5:15 aqui (17hrs as 18:15 no Brasil).
Segue abaixo um resumo do caso.
Abstract: Johnson Aziga, a Ugandan immigrant, is believed to be the first person to be charged and tried for first degree murder in Canada for allegedly transmitting the HIV virus to two women who subsequently died. Increasingly HIV positive Canadians are being brought before the courts on charges of Assault, Aggravated Assault, Aggravated Sexual Assault and Murder by prosecutors claiming that such charges are necessary in order to deter risky behaviour and protect the public from exposure to HIV by irresponsible people. However there exists a broad consensus among human rights organizations, public health advocates and HIV\AIDS advocacy groups that the criminalization of HIV exposure and transmission is not the appropriate vehicle for changing behaviours and attitudes or for preventing the spread of HIV\AIDS. These groups advocate for a “Graduated Response” toward those who are unwilling or unable to disclose their HIV status. This presentation will explore the rationale behind the laying of such charges, the opinion of the courts in such matters and the views of relevant stakeholders. In addition the ethical obligation to disclose on the one hand and the matter of personal responsibility for ones actions on the other will be considered.
Também há boas políticas públicas no Rio!
"A Prefeitura do Rio está criando em 150 de suas escolas localizadas em regiões conflagradas a atividade de mãe comunitária. Essa é daquelas ideias para ser acompanhada em todo o Brasil, já que pode se converter num recurso para melhorar, ao mesmo tempo, o ensino e combater a violência. Cada escola terá três mães todas com uma ajuda de custo mensal. Seu papel será fazer a ponte entre a escola e as famílias, ajudando a reduzir a evasão, atrasos e até problemas de indisciplina. Cria-se uma ponte com os professores através de uma figura popular no bairro. Essa mãe terá o apoio de um educador comunitário, que deverá ser um professor que, de preferência, more na comunidade. Essa duas figuras a mãe e o professor terão como missão criar uma rede de apoio entre a escola e seu entorno., fazendo alianças com lideranças e espaços locais."
Folha Online 06/04/2009 - 16h53
Dois comentários. Os paulistas precisam dar o braço a torcer, pois os cariocas são muito mais criativos com nomes (mães comunitárias, xixi no ralo, etc). Acho que a primeira tarefas das mães comunitárias deveria ser ensinar os meninos a não fazer xixi na rua.
sexta-feira, 3 de abril de 2009
O melhor emprego do mundo?
É verdade que eu só dou aula seis meses por ano (três meses em cada semestre). Mas quando as aulas acabam a vida continua, e a pressão para produzir artigos e publicações é maior que nunca. Portanto, ao contrário do que muitos pensam, eu não entrei de férias e estou em casa assistindo TV. Muito pelo contrário.
Além disso, tem pelo menos 16 pessoas que tem um emprego melhor que o meu...