Hoje recebi a feliz notícia de que um amigo de Montreal teve seu segundo filho, e uma amiga do Brasil virou tia. Os emails vieram com fotos e tudo. Lindas as crianças e muito sorridentes pais, tios, avós, periquitos e papagaios. Lembrei de uma conversa recente, em que uma amiga minha de Toronto, que recentemente virou mãe, me disse que ter um bebê foi a melhor coisa que ela fez na vida. E não se faça pouco caso, pois ela é uma pessoa que -- ao contrário de muitas que eu conheço -- fez coisas muito interessantes na vida. Só não fiquei mais surpreendida com a afirmação porque há alguns anos li um artigo interessantíssimo de uma feminista que disse que quando ela teve o primeiro filho era ficou muito brava com as feministas. Segundo ela, feminismo fala muito sobre como maternidade é mais um mecanismo de dominação, e fala muito pouco do prazer e da felicidade em ser mãe.
Curiosamente, no fim do dia passei na banca para comprar a The Economist e me deparei com a capa de uma das mais importantes revistas canadenses, a Maclean's, cujo título era Razões para não ter filhos. O principal artigo desta edição (entitulado Sem crianças e sem remorso/perda) fala do crescente número de pessoas, especialmente mulheres, que não querem ser mães. 17% das mulheres canadenses entre 30 e 34 anos não planejam ter filhos. Nos Estados Unidos, 6% das mulheres entre 15 e 44 anos não querem ter crianças.
O artigo mostra como declarar publicamente que você não quer ter filhos deixou de ser um tabu, e passou a ser cada vez mais aceito. Em parte, a revolução se deu por causa da crescente literatura sobre o assunto. O artigo cita uma série de livros interessantes, que eu ainda preciso consultar. Mas o meu preferido, por causa do título é o de uma poeta canadense, que chama Paraíso, pedaço por pedaço. Sugestivo, não?
Isso não quer dizer que as pessoas que tomam essa decisão não enfrentem problemas. Ao contrário. Conheci uma sócia de um escritório de advocacia em São Paulo que tinha decidido não ter filhos e, segundo ela, as pessoas ainda confundem essa decisão com não gostar de crianças. O problema se repete nos Estados Unidos: uma jornalista publicou um artigo no The Guardian discutindo razões para não se ter filhos, e ficou taxada de "baby-hating journalist". Quer dizer que você só ama cachorros se tiver um?
Acho que a pior resposta, todavia, vem daqueles que acreditam que ser mãe é da natureza feminina e toda mulher em algum momento vai sentir "o chamado". Acho que existe gente suficiente por aí pra mostrar que a linha telefônica da mãe natureza anda com defeito... Mas é interessante notar que a tão esperada "ligação" falha mais em alguns casos do que em outros. Por exemplo, as pesquisas mostram que quanto maior o nível educacional, menor a probabilidade de mulheres terem filhos. Renda também é um fator. Alguns sugerem que isso ocorre porque essas mulheres não querem abdicar de suas carreiras, do seu tempo, do seu dinheiro ou da sua liberdade, mas o tópico ainda gera muita controvérsia entre acadêmicos (como quase todo e qualquer tópico...). Outra hipótese é que provavelmente essas mulheres estão super ocupadas e a mãe natureza não quer perder tempo agendando horário com secretárias, ou gastando fortunas em ligações para blackberries.
Apesar da aparente evolução sobre o tópico não ter filhos, ainda há tabus à solta por aí. A campanha anti-aborto nos Estados Unidos reune uma série de mulheres que dizem ter se arrependido de ter feito um aborto, mas o mesmo não acontece do outro lado. Ainda não chegamos no ponto em que se aceita que as pessoas digam que se arrependeram de ter tido filhos. A única pessoa que tentou, uma psicanalista francesa, foi duramente criticada. 40 Razões para Não ter Filhos foi traduzido para o português e eu tive a oportunidade de ler o livro numa das minhas visitas à Livraria da Travessa no ano passado, durante o lançamento do livro mais recente da Danusa Leão. Os fãs da Danusa que me desculpem, mas o livro da psicanalista estava infinitamente mais interessante...
Segundo a autora, não há credibilidade em escrever um livro argumentando que alguém não deve ter filhos, se você não teve filhos. E de fato ela parece ter razão: a feminista poderia ter descrito maternidade em um livro entitulado "Paraíso, pedaço por pedaço", como fez a poeta canadense sem filhos. Ou seja, é muito fácil descrever a sua vida como paraíso, com ou sem filhos. A questão é se alguém tem coragem de dizer que podemos também ser infelizes com eles, depois de termos sido felizes sem eles. Fazer isso requer não só coragem, mas também dinheiro para pagar muitos anos de terapia para seus filhos. Acho que a única coisa que eu criticaria no livro da psicanalista é o título. Ficaria muito melhor -- caso o Vargas Lllosa me permita -- entitulá-lo "Paraíso na outra esquina".
Um comentário:
O filósofo francês Luc Ferry, numa entrevista a veja em 22/10/2008, defende a ideia de que a família (e, em especial, os filhos) é a única coisa que resta de sagrado no mundo:
" ... Praticamente todas as relações familiares da sociedade contemporânea têm origem no casamento por amor, que nasceu com o capitalismo. Antes disso, o casamento se destinava a atender a uma série de interesses. O sentimento era o que menos contava. Casava-se para dar continuidade à família, manter a linhagem e a propriedade. Com o capitalismo e tudo o que é derivado dele, como o salário e o mercado de trabalho, uma nova ordem se estabeleceu. As mulheres, antes confinadas em suas casas, foram para as cidades trabalhar na casa dos burgueses, como empregadas, ou se tornaram operárias nas fábricas. Essa mulher começou a ganhar o seu dinheiro – pouco, mas seu – e a conquistar a independência. Com isso, houve uma grande ruptura. A percepção a respeito dos filhos e das crianças em geral também sofreu grande modificação... "
http://veja.abril.com.br/221008/entrevista.shtml
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