O workshop é onde pesquisadores apresentam as pesquisas em andamento, e recebem perguntas e questionamentos que podem ser úteis no futuro. A idéia básica é que se você está errado sobre algo (o que ocorre frequentemente com pessoas que ficam tentando criar teorias sobre tudo, tipo acadêmicos), você deveria saber disso antes publicar seu artigo. Para evitar o problema, os acadêmicos apresentam seus rascunhos em workshops e em conferências. A idéia é que nessas apresentações você pode receber críticas e evitar quase todo tipo de situação embaraçosa depois da publicação.
Pois bem. Na terça-feira o workshop foi sobre medicamentos genéricos. O pesquisador, um professor da Universidade de Columbia nos Estados Unidos, está fazendo uma pesquisa super interessante sobre a disputa por patentes entre fabricantes de medicantos genéricos. O argumento central do artigo é que as disputas sobre patentes está fundamentalmente relacionada a dois fatores: (i) volume de venda do medicamento; (ii) “qualidade” da patente. Ou seja, quanto mais um medicamento vende, maior a probabilidade de que os fabricantes de genéricos questionem a patente. Além disso, quanto mais “fraca” a patente, maior a probabilidade da patente ser questionada também.
O argumento do artigo é um pouco mais complexo que isso, mas o importante é que no meio do seminário um professor do departamento de economia levantou a mão e perguntou quanto dinheiro estava sendo gasto nessas disputas judiciais. A resposta do pesquisador foi: provavelmente dois bilhões de dólares ao ano (note que isso é apenas o dinheiro gasto com custas judiciais das disputas). O professor questionou, então, porque estávamos gastando tanto nessas disputas ao invés de financiar vacinas contra malária e infrasestrutura para fornecer água potável para as pessoas na África. O comentário gerou um intenso e acalorado debate. A primeira reação foi de um outro economista, que argumentou que a expectativa de vida atual na América do Norte era em grande parte resultado desses medicamentos. A resposta cética do primeiro foi: eu conheço várias pessoas que estão sendo mantidas vivas graças às maravilhas de medicina atual, mas sinceramente acho que elas estariam melhor a sete palmos abaixo da terra.
A resposta me lembrou de um comentário no meu blog, quando eu coloquei um post sobre a reforma do sistema de saúde nos Estados Unidos. Meu primo, que é médico, disse:
[Sobre a reforma da saúde norte-americana]
A medicina tal como praticada nos EUA é um motor de conhecimento, um colosso, gera e incorpora tecnologia quase instantaneamente. Mas está ficando impagável, em boa parte pelo dispêndio no cuidado especializado do final da vida, largamente irrelevante. A questão não é apenas estender a cobertura para os que não podem pagar (ampliar o medicaid, por exemplo), mas como desacelerar esse motor, de maneira moralmente aceitável para a sociedade norte-americana.
Isso sugere que deixar de gastar dinheiro com essas disputas poderia não apenas salvar vidas na África, mas poderia custear assistência médica para muita gente nos Estados Unidos que atualmente não tem acesso ao benefício...
O debate foi animado, como vocês podem imaginar, mas em um certo momento decidimos voltar ao artigo e a questão ficou no ar.
Daí na quinta-feira eu fui no dentista fazer uma limpeza nos dentes. O que era para ser uma visita de rotina acabou se tornado uma conversa muito interessantes sobre diabetes e higiene bucal. A técnica que fez a limpeza me perguntou se eu estava passando fio dental todos os dias. Como uma boa advogada, eu evitei a questão.
Ela perguntou então se eu sabia da correlação entre higiene bucal e diabetes. E me disse que recentemente tinha saído um artigo em uma revista renomada ligando higiene bucal com diabetes. O argumento, segundo ela, era que falta de higiene bucal agravava os sintomas da diabetes. Minha resposta foi: se isso for verdade, você pode ter certeza que eu vou passar fio dental todos os dias. Eu não tomo muito cuidado com meus dentes, mas eu tomo MUITO cuidado com minha diabetes!
O problema foi que o incentivo para passar fio dental todo dia se esvaiu no momento em que eu fui ler o referido artigo. É verdade que as pesquisas mais recentes têm achado correlações entre falta de higiene bucal e doenças coronárias e diabetes. O problema é que correlação não implica causalidade. Ou seja, os estudos indicam que pessoas com pouca higiene bucal são mais propensas a terem infartos ou desenvolverem diabetes. Mas isso não significa que essas pessoas têm infartos ou diabetes porque elas não passam fio dental.
Até o momento, a literatura médica apenas provou que havia uma correlação. Mas correlações podem significar muito pouca coisa. Por exemplo: existe um estudo mostrando que a maioria dos países que ganharam as taças da copa do mundo de futebol são países com um sistema legal chamado civil law. Esse sistema é baseado em leis, diferentemente do sistema da common law, que é baseado em casos decididos pelos tribunais. Exemplos de países que tem civil law: Alemanha, Argentina, Brasil, França e Itália. Exemplos de países que tem common law: Austrália, Canadá (exceto Quebec) e Estados Unidos. Essa correlação, todavia, nao significa que um sistema jurídico produz melhores jogadores de futebol do que o outro. Ou seja, correlação não prova causalidade.
Portanto, o fato de que pessoas que tem pouca higiene bucal estão mais propensas a sofrerem infarto ou desenvolverem diabetes pode ser simplesmente consequência do fato de que essas pessoas não cuidam bem da saúde em geral. Mas isso não significa que elas desenvolveram essas doenças porque não passaram fio dental. Ou seja, os estudos provam correlação, mas não causalidade.
Espero que seja só o pessoal do consultório onde eu fui que esteja cometendo esse erro de confundir correlação com causalidade. Senão, daqui a pouco as pessoas vão estar argumentando que ao invés de investir em remédios para tratar de Parkinson’s nos Estados Unidos, ou malária na África, a gente devia estar distribuindo fio dental pelo mundo…
Um comentário:
New research on flossing shows that you do not have to floss between every single tooth...just between the teeth you want to keep. :)
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