O dia internacional da mulher foi dia 8 de março e Toronto celebrou a data com uma série de eventos, passeatas, painéis, etc. A mídia passou o dia todo falando sobre o assunto e discutindo questões relacionadas a mulheres. Semana passada, todavia, foi como um "déja vu all over again" do dia internacional das mulheres.
Na terça-feira fui em um seminário para mulheres chamado P.I.N.K. - Protection, investments and the need for knowledge. O seminário era literalmente para mulheres: ganhei uma pastinha rosa, um estojinho rosa, e uma caneta rosa que acende uma luz....rosa. E era apenas para mulheres: um dos organizadores era homem, mas foi obrigado a ficar fora da sala. A palestrante explicou que eles fizeram grupos de controle (experimentos com voluntários) e os tópicos e o tom da discussão era diferente quando havia homens na sala. Achei ótimo, pois sobrava mais queijos e vinhos para mim, já que a mulherada atacou as sobremesas...
A idéia toda do seminário era alertar as mulheres para o fato de que elas vivem mais que os homens, mas em geral investem menos. Os dados (se forem de fato acurados) são assustadores: as mulheres vivem em geral de 5 a 10 anos a mais que os homens, mas investem em geral 30% menos. Ou seja, a mensagem é que mulheres precisam investir mais.
Essa mensagem, claramente, tem muito pouco apelo para alguém como eu, que ainda tem uns trinta e poucos anos pela frente até a aposentadoria, além de ter um plano de aposentadoria da universidade. Mas o pessoal do seminário queria de fato nos persuadir e, para isso, usaram estatísticas assustadoras de mulheres com doenças crônicas, como derrame, ataques do coração e câncer. O argumento aqui é que as mulheres precisam investir pra não ter que depender da bondade alheia (que pode estar lá, ou não) caso algo desse tipo aconteça. E as estatísticas que eles mostraram sugeriam que era bastante provável que ia acontecer alguma coisa com alguém naquela sala, em algum momento.
Neste ponto, estávamos todas assustadas e completamente convencidas de que precisamos ter reservas financeiras para tempos difíceis, aposentadoria, ou caso o fim do mundo chegue (e a probabilidade de que vai chegar logo parece ser alta). Daí a palestrante passa do porquê para o como. Como investir? Primeira coisa: não se precisa de uma fortuna para se fazer fortuna. Para sustentar essa idéia, ela mostrou como um café no starbucks pode virar 1 milhão de dólares. Eu obviamente não vou conseguir reproduzir o argumento, mas era algo do tipo: se você compra café no starbucks todos os dias por cinco dólares, ao final de uma semana você gastou 25 dólares e ao final do ano 1.300 dólares. Se você investir esse dinheiro com juros a X, você vai ganhar tanto em 10 anos, tanto em 20 anos, e em 30 anos você tem um milhão de dólares (graças aos juros compostos, que é juros sobre os rendimentos gerados por juros). Ou seja, pare de tomar café e vire uma milionária! Eu já pensei em vários formas de mostrar como esse argumento é falacioso, mas vou poupar vocês das minhas idiossincrasias acadêmicas.
Qual a conclusão? Se você deixar de tomar seu café todo dia, você pode virar uma milionária, e daí você vai ter dinheiro para custear todas as doenças que você vai ter na vida (por exemplo, você vai ter que contratar uma enfermeira caso você não consiga mais tomar banho sozinha depois do derrame). E daí você pode ficar tranquila. Exceto se você pensar que os estudos mais recentes mostram que café tem vários benefícios para a saúde, incluindo diminuir o risco de diabetes (que é uma doença que aumenta muito o risco de derrame e ataque do coração...) e câncer. Ou seja, eu sai do seminário convencida de que eu deveria continuar tomando meu café, pois prefiro ser uma pessoa saudável e feliz (sim, café melhora meu humor!) a ser uma milionária que precisa de uma enfermeira pra trocar minha fralda.
Na quarta-feira as mulheres recuperaram um pouco sua reputação, depois do "desastre rosa". Na minha aula no curso de desenvolvimento, discuti com meus alunos o programa de microcrédito que foi criado em Bangladesh por um professor de economia chamado Mohammad Yunnus. Graças à invenção, o Yunnus ganhou recentemente o prêmio nobel. E a idéia do microcrédito é genial: o Yunnus criou um banco para pobres. Ele faz empréstimos de 20 a 50 dólares (40 a 100 reais) para pessoas que não tem bens para oferecer como garantia. Muitas dessas pessoas não têm sequer renda.
Como ele garante que não haverá calote? De três formas. Primeiro, todos os devedores precisam fazer um curso de educação financeira para aplicar o investimento de forma produtiva. Ou seja, se eles usarem o empréstimo para comprar cinco cafés no starbucks, eles não vão conseguir pagar a dívida. Mas se eles comprarem uma máquina de fazer café, e começarem a vender café, eles vão transformar os 20 dólares em 80 dólares, e vão conseguir pagar o empréstimo e enriquecer. O Yunnus não tenta convencer ninguém que eles vão ficar milionários se não comprarem café, mas pelo menos eles podem conseguir se sustentar e alimentar suas famílias, o que muitas dessas pessoas não conseguia fazer antes do empréstimo.
Segundo, todos os empréstimos são feitos a um grupo. Assim, dentre cinco pessoas, uma pega o empréstimo mas todas as cinco são responsáveis pelo pagamento. Os outros não podem pegar empréstimos até que a dívida do primeiro esteja quitada. E caso o primeiro dê um calote, os outros são obrigados a arcar com a dívida. Portanto, o microcrédito substituti a garantia, contrato, ou qualquer forma legal de cobrar dos devedores, por um sistema de pressão social. E o sistema é muito efetivo: as instituições de microcrédito têm uma taxa de quitação de dívidas em torno de 98%, enquanto os bancos tradicionais ficam com meros 70%.
Terceiro, o Yunnus se utilizou de psicologia básica pra estruturar o sistema de pagamento. Ao invés de emprestar o dinheiro e cobrar o pagamento com juros depois de um ano, ele faz cobranças semanais, de quantias muito pequenas (que são viáveis para os devedores). Isso tira aquela idéia assustadora de que em um determinado mês eles precisam pagar uma bolada, e acaba criando um hábito saúdavel de poupança.
E onde entram as mulheres? As mulheres são as estrelas do show aqui. O Yunnus desenvolveu o programa para mulheres, pois elas eram proibidas de usar bancos comerciais em Bangadlesh. E muitos interpretam os altos indices de quitação das dívidas ao fato de que são mulheres, e não ao fato de que são grupos. Mas ainda que não seja esse o caso, o fato de que o programa foca em mulheres e os índices são tão altos mostra que essas mulheres pobres podem ser empresárias de sucesso, se for dada a elas uma chance (e bons conselhos...).
Na quinta-feira de manhã, a reputação das mulheres dos países desenvolvidos estava de mal a pior. As mulheres supostamente liberadas e "modernas" do Canadá tinham deixado muito a desejar na terça com o desastre rosa, enquanto as mulheres pobres e "atrasadas" de Bangladesh tinham dado um banho nas Canadenses na quarta. Daí na hora do almoço de quinta-feira recebi o anúncio de um projeto muito legal (que recuperou um pouco a reputação das canadenses):
http://www.girlsandwomen.com
Uma fundação canadense está tentando inserir questões relativas a mulheres jovens na reunião dos G-20, que vai acontecer aqui em Toronto dentro de alguns meses. Segundo a página deles, as mulheres representam metade da população mundial, trabalham dois terços do total das horas trabalhadas no mundo (provavelmente contando com trabalho doméstico), e recebem um décimo da renda e possuem apenas um centésimo de toda a propriedade que existe. Ou seja, há um problema de desigualdade na distribuição de recursos.
O projeto foi criado por uma fundação de uma magnata canadense (aposto que ela não ficou rica porque parou de tomar café!) que acredita que investir em jovens mulheres é a melhor forma de promover desenvolvimento. Alguns dados do site:
"Cada dolar que uma mulher ganha, ela investe 80 centavos na família (em contraste com 30 centavos investidos pelos homens)"
Isso pode explicar o dado do P.I.N.K. de que mulheres investem menos que homens: elas ganham menos e gastam mais com a casa e as crianças. Portanto, o problema não é o café que elas compram no caminho pro trabalho....
Um artigo publicado recentemente na Foreign Affairs afirma que investir em mulheres não é apenas ético (por causa das desigualdades), mas é também lucrativo. Quando as mulheres recebem educação e oportunidades econômicas elas não apenas geram renda (o que o Yunnus já tinha mostrado), mas também promovem desenvolvimento econômico. Portanto, investir em mulheres é uma das melhores formas de gastar seu dinheiro e de promover desenvolvimento.
Conclusão: vou investir em mulheres, a começar por mim mesma. E como minha cabeça funciona melhor com café, meu copinho de café continua a ser meu melhor investimento diário em mim mesma. Além de continuar a tomar café, acho que vou a um seminário para investidores homens da próxima vez. Aposto que ninguém fica falando que eles vão ficar mais ricos se eles pararem de tomar café, ou uísque, ou fumar charutos. E aposto que vão me dar uma caneta que eu posso de fato usar em público...
segunda-feira, 29 de março de 2010
quarta-feira, 24 de março de 2010
Corridas, sociedades secretas e terapias de grupo
No dia 14 de março eu participei pela primeira vez de uma corrida organizada. Imagine uma coisa tipo a São Silvestre: corredores com números na camisa, as ruas fechadas pela polícia para os corredores passarem, os pedestres nas calçadas, dando apoio para os corredores, e tudo mais.
Foi divertido. E eu aprendi algumas coisas interessantes.
A primeira descoberta é que virar corredor é como começar a fazer parte de uma sociedade secreta. Descobri isso quando fui correr com o running club pela primeira vez e os corredores que passavam por nós sempre nos cumprimentavam. Perguntei pro pessoal se eles conheciam todo aquele povo. Elas disseram que não. É só praxe cumprimentar outros corredores, assim como você cumprimenta as pessoas no elevador do seu prédio. Pode ser praxe, mas parece mais um ritual secreto. Parece um sinal que precisamos mandar, uns para os outros, de que nós fazemos parte desse grupo. Tanto que cumprimentamos só os corredores, mas não os transeuntes que calmamente se locomovem com seus cachorros, crianças ou celulares.
A corrida é, portanto, o dia do encontro dessa sociedade secreta. É como se todos aqueles corredores, dispersos pela cidade, que passaram meses mandando sinais uns para os outros, se reunissem em um só lugar. Os momentos que antecederam a corrida foram, portanto, como uma grande celebração, apesar de todas as condições adversas: domingo de manhã, com chuva, temperaturas próxima de zero, um vento inacreditavelmente forte (ou seja, condições sob as quais qualquer pessoa sã iria ficar na cama dormindo, sem qualquer sombra de dúvida). Estávamos todos felizes de estar lá, celebrando o fato de estar juntos e esperando como uma criança espera um doce pela corrida por vir.
A segunda coisa que eu aprendi é que tem uma coisa chamada ritmo de corrida. Antes da corrida, a T. me falou que já tinha corrido 5 Km em 27 minutos. Fiquei impressionada. Nunca consegui correr 5Km em menos de 30 minutos. E achei que durante a corrida ia ser a mesma coisa. Ledo engano. Terminei a corrida em 28 minutos e 36 segundos (para aqueles que estão curiosos pra saber como eu medi, aqui vai uma curiosidade: todos os corredores recebem uma pulseira que eles amarram no pé com um chip - vejas as fotos. Quando você cruza a linha de partida, o chip é acionado, e quando você cruza a linha de chegada o chip é desligado. E os organizadores computam os resultados e disponibilizam na internet. Não é à toa, portanto, que o evento chama-se corrida organizada....)
Fiquei surpresa quando eu vi meu tempo. Não achei que tinha corrido tão rápido (para meu padrão, é claro. Não foi nada rápido se considerarmos que o primeiro lugar chegou em 16 minutos e mais ou menos 400 pessoas chegaram antes de mim). Daí, quando eu refiz na minha cabeça a corrida, eu entendi o que aconteceu. Quando você ouvi o disparo, de repente, minha mente se focou totalmente na corrida. E toda minha competitividade veio a tona. Eu queria ultrapassar pessoas. E eu ficava com raiva quando alguém me ultrapassava. Portanto, eu corri, ainda que sem notar, no limite do meu fôlego. E foi por isso que eu consegui cortar um minuto e meio do meu melhor resultado até então. E não foi tão mal: cheguei na frente de pelo menos 2000 pessoas. Enfim, não é só o coração que tem razões que a própria razão desconhece, mas as pernas também!
A terceira coisa que eu aprendi é que depois da corrida nossa sociedade secreta vira uma grande terapia de grupo. Estamos todos nos cumprimentando pela conquista, qualquer que tenha sido ela. Aqui, toda a competitividade é substituída pelo apoio e suporte de gente que entende quão difícil é conseguir o que você acaba de conseguir. Os corredores mais experientes entendem que completar uma corrida pela primeira vez é uma conquista. E os corredores que estão completando a corrida pela primeira vez, conseguem admirar as pessoas que estão há anos voltando para aquele mesmo lugar para tentar se superar e bater seu próprio record. É como participar do alcóolicos anônimos. Se você está a um dia sem beber, nos aplaudimos. Se você está a seis meses sem beber, nós aplaudimos também. E é diferente compartilhar essas pequenas conquitas com pessoas que não passaram pela experiência. Daí a terapia de grupo.
Estou lendo um livro de um escritor japonês que corre. Ele é um escritor de ficção, mas decidiu publicar um diário das corridas dele, com algumas reflexões sobre a vida. E em uma passagem ele diz o seguinte:
"As pessoas às vezes tiram sarro de quem corre todos os dias, falando que eles percorreriam qualquer distância para ter uma vida mais longa. Mas eu não acho que é essa a razão pela qual as pessoas correm. Acho que a maioria dos corredores não corre para viver mais tempo, mas sim para viver mais intensamente. Se você vai ter que viver esses anos, é melhor viver eles com objetivos claros e completamente vivo, ao invés de passar esse tempo semi-acordado. E eu acho que correr te ajudar a fazer isso. Exigir o máximo de si mesmo dentro dos seus limites: essa é a essência de correr (e para mim, de escrever também), e uma metáfora da vida." Haruki Murakami.
Acho que isso resume bem as três lições da corrida, em especial a última.
É isso aí pessoal. Como diz uma das meninas do clube de corrida: see you on the roads!
Foi divertido. E eu aprendi algumas coisas interessantes.
A primeira descoberta é que virar corredor é como começar a fazer parte de uma sociedade secreta. Descobri isso quando fui correr com o running club pela primeira vez e os corredores que passavam por nós sempre nos cumprimentavam. Perguntei pro pessoal se eles conheciam todo aquele povo. Elas disseram que não. É só praxe cumprimentar outros corredores, assim como você cumprimenta as pessoas no elevador do seu prédio. Pode ser praxe, mas parece mais um ritual secreto. Parece um sinal que precisamos mandar, uns para os outros, de que nós fazemos parte desse grupo. Tanto que cumprimentamos só os corredores, mas não os transeuntes que calmamente se locomovem com seus cachorros, crianças ou celulares.
A corrida é, portanto, o dia do encontro dessa sociedade secreta. É como se todos aqueles corredores, dispersos pela cidade, que passaram meses mandando sinais uns para os outros, se reunissem em um só lugar. Os momentos que antecederam a corrida foram, portanto, como uma grande celebração, apesar de todas as condições adversas: domingo de manhã, com chuva, temperaturas próxima de zero, um vento inacreditavelmente forte (ou seja, condições sob as quais qualquer pessoa sã iria ficar na cama dormindo, sem qualquer sombra de dúvida). Estávamos todos felizes de estar lá, celebrando o fato de estar juntos e esperando como uma criança espera um doce pela corrida por vir.
A segunda coisa que eu aprendi é que tem uma coisa chamada ritmo de corrida. Antes da corrida, a T. me falou que já tinha corrido 5 Km em 27 minutos. Fiquei impressionada. Nunca consegui correr 5Km em menos de 30 minutos. E achei que durante a corrida ia ser a mesma coisa. Ledo engano. Terminei a corrida em 28 minutos e 36 segundos (para aqueles que estão curiosos pra saber como eu medi, aqui vai uma curiosidade: todos os corredores recebem uma pulseira que eles amarram no pé com um chip - vejas as fotos. Quando você cruza a linha de partida, o chip é acionado, e quando você cruza a linha de chegada o chip é desligado. E os organizadores computam os resultados e disponibilizam na internet. Não é à toa, portanto, que o evento chama-se corrida organizada....)
Fiquei surpresa quando eu vi meu tempo. Não achei que tinha corrido tão rápido (para meu padrão, é claro. Não foi nada rápido se considerarmos que o primeiro lugar chegou em 16 minutos e mais ou menos 400 pessoas chegaram antes de mim). Daí, quando eu refiz na minha cabeça a corrida, eu entendi o que aconteceu. Quando você ouvi o disparo, de repente, minha mente se focou totalmente na corrida. E toda minha competitividade veio a tona. Eu queria ultrapassar pessoas. E eu ficava com raiva quando alguém me ultrapassava. Portanto, eu corri, ainda que sem notar, no limite do meu fôlego. E foi por isso que eu consegui cortar um minuto e meio do meu melhor resultado até então. E não foi tão mal: cheguei na frente de pelo menos 2000 pessoas. Enfim, não é só o coração que tem razões que a própria razão desconhece, mas as pernas também!
A terceira coisa que eu aprendi é que depois da corrida nossa sociedade secreta vira uma grande terapia de grupo. Estamos todos nos cumprimentando pela conquista, qualquer que tenha sido ela. Aqui, toda a competitividade é substituída pelo apoio e suporte de gente que entende quão difícil é conseguir o que você acaba de conseguir. Os corredores mais experientes entendem que completar uma corrida pela primeira vez é uma conquista. E os corredores que estão completando a corrida pela primeira vez, conseguem admirar as pessoas que estão há anos voltando para aquele mesmo lugar para tentar se superar e bater seu próprio record. É como participar do alcóolicos anônimos. Se você está a um dia sem beber, nos aplaudimos. Se você está a seis meses sem beber, nós aplaudimos também. E é diferente compartilhar essas pequenas conquitas com pessoas que não passaram pela experiência. Daí a terapia de grupo.
Estou lendo um livro de um escritor japonês que corre. Ele é um escritor de ficção, mas decidiu publicar um diário das corridas dele, com algumas reflexões sobre a vida. E em uma passagem ele diz o seguinte:
"As pessoas às vezes tiram sarro de quem corre todos os dias, falando que eles percorreriam qualquer distância para ter uma vida mais longa. Mas eu não acho que é essa a razão pela qual as pessoas correm. Acho que a maioria dos corredores não corre para viver mais tempo, mas sim para viver mais intensamente. Se você vai ter que viver esses anos, é melhor viver eles com objetivos claros e completamente vivo, ao invés de passar esse tempo semi-acordado. E eu acho que correr te ajudar a fazer isso. Exigir o máximo de si mesmo dentro dos seus limites: essa é a essência de correr (e para mim, de escrever também), e uma metáfora da vida." Haruki Murakami.
Acho que isso resume bem as três lições da corrida, em especial a última.
É isso aí pessoal. Como diz uma das meninas do clube de corrida: see you on the roads!
terça-feira, 16 de março de 2010
Piada do dia
(é uma conversa real, mas achei muito engraçada)
- Você assistiu aquele filme, Julie and Julia?
- Não.
- Uma delas fala que tudo que é bom na vida tem manteiga.
- Só se você for o Marlon Brando....
- Você assistiu aquele filme, Julie and Julia?
- Não.
- Uma delas fala que tudo que é bom na vida tem manteiga.
- Só se você for o Marlon Brando....
sábado, 6 de março de 2010
Ofensas, ofensas e mais ofensas
Ultimamente tenho simpatizado um pouco mais com o Diogo Mainardi, da Revista Veja. O sujeito está longe de ser brilhante e frequentemente escreve coisas inacuradas, mas inevitavelmente suas colunas geram debates e, principalmente, o tornam alvo de críticas. Meu blog tem gerado esse mesmo efeito ultimamente.
Hoje o pessoal do clube de corrida passou alguns quilômetros discutindo a elegância do uniforme do time de hóquei. O debate foi iniciado pela T., que de tão ofendida pelo meu post deixou dois comentários no blog, além de me mandar mais alguns e-mails. Resolvi perguntar a opinião da nossa fashion designer (sim, temos uma estilista de verdade no clube!). Para meu desapontamento, ela afirma veementemente que sim, as camisas do time canadense (não as do time americano) são atualmente elegantes no Canadá. Ressalva ela que não seriam se o time tivesse perdido a final. Mas, dada a vitória, o uniforme não apenas se torna elegante, mas deve assim permanecer por pelo menos dois anos. A próxima a ser consultada foi uma enfermeira. Informei a ela que estávamos tendo um debate sobre a elegância do uniforme, e ela respondeu prontamente:
- Claro que não é elegante!
A resposta encontrou um olhar fuzilante de T., e foi imediatamente remediada:
- Sim, claro que o uniforme é elegante.
T. está atualmente exigindo uma retratação minha, no blog, de preferência. Eu, como o Diogo Mainardi, continuo insistindo no meu ponto. Acho que apesar do uniforme ter se tornado um símbolo de vitória, e um motivo de orgulho, isso não muda as regras de estética da sociedade civilizada. Pode ser legal, cool ou "in", como definiu a designer. Mas bonito não é.
A segunda crítica veio da minha irmã. Diz ela, em resposta à minha aclamação por uma "revolução da classe média no Brasil":
Apesar de toda a coereência da sua teoria, acho que estudar um assunto é bem diferente de vivenciá-lo. E por isso tendo a concordar com a Regina. Afinal, que tipo de recursos temos a mais num país onde a corrupção impera? Não é comodismo; é uma sucessão de tentativas frustradas.
Faz sentido. A classe média está fazendo uma análise de custo-benefício: tentar mudar o rumo das coisas exige tempo e dinheiro. Quem vai largar seus empregos e afazeres e investir seu próprio dinheiro para tentar mudar a política no país? Talvez alguns poucos altruistas topassem, se houvesse alguma garantia de sucesso. Mas não há. O custo pessoal é muito alto, para um resultado coletivo não só incerto, mas provavelmente muito pequeno. Mas eu não sei quem tentou, quanto tentou, e quantas vezes tentou. Eu não consigo ver a sucessão de tentativas frustadas nos alunos que sentam no meu curso de direito na FGV. Na verdade, eu não consigo ver tentativa nenhuma: consigo ver um bando de meninos e meninas que querem um emprego bem pago. Só isso. Portanto, eu acho que tem muito comodismo, e acho que não é resultado da uma sucessão de tentativas frustradas.
Mas ainda que alguém consiga me mostrar que a apatia é resultado de tentativas frustradas, a questão central, pra mim, é como quebrar esse ciclo. Portanto, não discordo da minha irmã quando ela apresenta a atitude da classe média como perfeitamente racional (ainda que a gente discorde da possível causa: comodismo ou frustação). Talvez o meu post seja mais um pedido veemente do que um prognóstico, pois eu acredito que se a classe média de fato se mobilizar algo pode mudar. Mas na medida em que a mobilização não é numerosa e significativa, ela acaba sendo frustrada,e gera ainda mais apatia, reforçando o ciclo. Portanto, meu único ponto é que se todo mundo começar a acreditar e começar a agir, a mudança acontece. Estou quase usando a famosa frase da campanha do Obama, "Yes, we can". Portanto, ainda que eu esteja errada nas causas da apatia, mantenho minha conclamação para que a classe média mude de atitude.
Enfim, decidi manter minhas posições controversas, no melhor estilo Diogo Mainardi. Isso me torna um ser ainda mais desprezível do que o atual governo canadense, que tem tendências claramente antidemocráticas. Esse mesmo governo declarou na semana passada (em pronunciamento oficial para a nação) que mudaria a letra do hino nacional. Uma das frases do hino se refere as "teus filhos" ("all thy sons command"), e o primeiro ministro declarou que o governo queria tornar o hino mais neutro. As feministas do país adoraram, mas a maioria do pessoal odiou a idéia. E a pressão foi tanta que o partido conservador teve que se retratar publicamente, o que ficou marcado como a retratação mais rápida do governo deste primeiro ministro, Harper.
Se a pressão continuar, talvez eu até me retrate. Antes isso do que ser processada pelos meus leitores, como o Diogo Mainardi. Mas devo avisar que antes de me retratar vou utilizar uma artimanha do Harper pra acalmar os ânimos e tentar abafar as críticas: vou fazer algo completamente inesperado, como tocar uma música dos Beattles, numa apariçao surpresa em um concerto de um dos violoncelistas mais famosos do mundo, Yo Yo Ma.
No Canadá, a estratégia "amaciou" a percepção que a população tinha do governo de maneira bastante efetiva e favoreceu o partido do Harper, que havia pisado na bola algumas vezes durante o ano. Se funcionou com o eleitorado canadense, deve funcionar também pra "amaciar" os leitores do meu blog. Há, portanto, pelo menos uma coisa que me diferencia do Diogo Mainardi: eu sei usar um pouco de elegância pra manter as coisas em ordem.
Hoje o pessoal do clube de corrida passou alguns quilômetros discutindo a elegância do uniforme do time de hóquei. O debate foi iniciado pela T., que de tão ofendida pelo meu post deixou dois comentários no blog, além de me mandar mais alguns e-mails. Resolvi perguntar a opinião da nossa fashion designer (sim, temos uma estilista de verdade no clube!). Para meu desapontamento, ela afirma veementemente que sim, as camisas do time canadense (não as do time americano) são atualmente elegantes no Canadá. Ressalva ela que não seriam se o time tivesse perdido a final. Mas, dada a vitória, o uniforme não apenas se torna elegante, mas deve assim permanecer por pelo menos dois anos. A próxima a ser consultada foi uma enfermeira. Informei a ela que estávamos tendo um debate sobre a elegância do uniforme, e ela respondeu prontamente:
- Claro que não é elegante!
A resposta encontrou um olhar fuzilante de T., e foi imediatamente remediada:
- Sim, claro que o uniforme é elegante.
T. está atualmente exigindo uma retratação minha, no blog, de preferência. Eu, como o Diogo Mainardi, continuo insistindo no meu ponto. Acho que apesar do uniforme ter se tornado um símbolo de vitória, e um motivo de orgulho, isso não muda as regras de estética da sociedade civilizada. Pode ser legal, cool ou "in", como definiu a designer. Mas bonito não é.
A segunda crítica veio da minha irmã. Diz ela, em resposta à minha aclamação por uma "revolução da classe média no Brasil":
Apesar de toda a coereência da sua teoria, acho que estudar um assunto é bem diferente de vivenciá-lo. E por isso tendo a concordar com a Regina. Afinal, que tipo de recursos temos a mais num país onde a corrupção impera? Não é comodismo; é uma sucessão de tentativas frustradas.
Faz sentido. A classe média está fazendo uma análise de custo-benefício: tentar mudar o rumo das coisas exige tempo e dinheiro. Quem vai largar seus empregos e afazeres e investir seu próprio dinheiro para tentar mudar a política no país? Talvez alguns poucos altruistas topassem, se houvesse alguma garantia de sucesso. Mas não há. O custo pessoal é muito alto, para um resultado coletivo não só incerto, mas provavelmente muito pequeno. Mas eu não sei quem tentou, quanto tentou, e quantas vezes tentou. Eu não consigo ver a sucessão de tentativas frustadas nos alunos que sentam no meu curso de direito na FGV. Na verdade, eu não consigo ver tentativa nenhuma: consigo ver um bando de meninos e meninas que querem um emprego bem pago. Só isso. Portanto, eu acho que tem muito comodismo, e acho que não é resultado da uma sucessão de tentativas frustradas.
Mas ainda que alguém consiga me mostrar que a apatia é resultado de tentativas frustradas, a questão central, pra mim, é como quebrar esse ciclo. Portanto, não discordo da minha irmã quando ela apresenta a atitude da classe média como perfeitamente racional (ainda que a gente discorde da possível causa: comodismo ou frustação). Talvez o meu post seja mais um pedido veemente do que um prognóstico, pois eu acredito que se a classe média de fato se mobilizar algo pode mudar. Mas na medida em que a mobilização não é numerosa e significativa, ela acaba sendo frustrada,e gera ainda mais apatia, reforçando o ciclo. Portanto, meu único ponto é que se todo mundo começar a acreditar e começar a agir, a mudança acontece. Estou quase usando a famosa frase da campanha do Obama, "Yes, we can". Portanto, ainda que eu esteja errada nas causas da apatia, mantenho minha conclamação para que a classe média mude de atitude.
Enfim, decidi manter minhas posições controversas, no melhor estilo Diogo Mainardi. Isso me torna um ser ainda mais desprezível do que o atual governo canadense, que tem tendências claramente antidemocráticas. Esse mesmo governo declarou na semana passada (em pronunciamento oficial para a nação) que mudaria a letra do hino nacional. Uma das frases do hino se refere as "teus filhos" ("all thy sons command"), e o primeiro ministro declarou que o governo queria tornar o hino mais neutro. As feministas do país adoraram, mas a maioria do pessoal odiou a idéia. E a pressão foi tanta que o partido conservador teve que se retratar publicamente, o que ficou marcado como a retratação mais rápida do governo deste primeiro ministro, Harper.
Se a pressão continuar, talvez eu até me retrate. Antes isso do que ser processada pelos meus leitores, como o Diogo Mainardi. Mas devo avisar que antes de me retratar vou utilizar uma artimanha do Harper pra acalmar os ânimos e tentar abafar as críticas: vou fazer algo completamente inesperado, como tocar uma música dos Beattles, numa apariçao surpresa em um concerto de um dos violoncelistas mais famosos do mundo, Yo Yo Ma.
No Canadá, a estratégia "amaciou" a percepção que a população tinha do governo de maneira bastante efetiva e favoreceu o partido do Harper, que havia pisado na bola algumas vezes durante o ano. Se funcionou com o eleitorado canadense, deve funcionar também pra "amaciar" os leitores do meu blog. Há, portanto, pelo menos uma coisa que me diferencia do Diogo Mainardi: eu sei usar um pouco de elegância pra manter as coisas em ordem.
quarta-feira, 3 de março de 2010
Ordem e elegância
Existe um livro sobre a faculdade de direito de Yale chamado Anarquia e Elegância, que capta de maneira brilhante o espírito da escola. Não tomo o espírito de Yale como representativo da sociedade americana, mas como eu sai de Yale direto para o Canada o contraste que ficou na minha cabeça foi que eu havia saído da "Anarquia e Elegância" e tinha entrado na "Ordem e Elegância". Mas meu sentimento durou apenas até domingo passado, quando aconteceu a final do hóquei masculino nas olimpíadas de inverno. Nesse dia, o Canadá perdeu toda sua ordem e elegância e virou o Brasil em dia de final de copa do mundo.
Pouco antes do jogo começar, sai para fazer compras e as ruas estavam desertas. Pouquíssimos carros (provavelmente apressados para chegar ao local onde se assistiria o jogo) e quase nenhuma pessoa na rua. No supermercado, um telão mantinha os empregados entretidos e tranquilos, afinal queriam garantia de que não perderiam a final ainda que tivessem que trabalhar. E o jogo foi sofrido, como finais da copa do mundo no Brasil. Canadá começou ganhando, mas os Estados Unidos empatou faltando 27 segundos pra terminar o jogo. Foi para a morte súbida. Quando o Canadá marcou o gol da vitória, foram gritos, fogos, buzinas, tudo. Sair na rua, depois disso, foi uma experiência antropológica. Pessoas com as cabeças para fora do carro gritavam, buzinavam e acenavam, enquanto as que estavam na calçada dançavam e acenavam de volta. O país todo em festa, sem qualquer resquício de toda a ordem com a qual eu estou acostumada.
A falta de elegância vem do uniforme de hóquei. O jogo exige tanto equipamento de proteção, que as as camisas são verdadeiras mostruosidades. Parecem uma camisola de uma tia com obesidade mórbida quando usadas sem o equipamento por baixo. E era assim que estavam vestidos a maioria dos Canadenses na rua. Um contraste radical com o que eu vi no dia seguinte, segunda-feira, quando a temperatura subiu para 1 grau positivo e as pessoas estava não apenas andando ordenadamente na rua, mas estavam elegantemente vestidas com seus sobretudos de outono, que são significativamente mais elegantes que os casacos de inverno (como vocês já devem ter notado nas minhas fotos).
Estamos, portanto, de volta à ordem e elegância característica da sociedade canadense (especialmente porque o inverno tem sido generoso e as temperaturas estão acima de zero essa semana), que contrasta muito com a realidade brasileira. E não posso deixar de especular se a causa desses constrastes é um problema de foco. Nossa bandeira diz "ordem e progresso". A constituição canadense diz "paz, ordem e bom governo". Talvez se o Brasil tivesse menos preocupado com progresso a qualquer custo e mais preocupado em ter um bom governo nós deixássemos de ser o eterno "país do futuro". Ou seja, falta um pouco de elegância nas instituições políticas brasileiras. E, como mostra o Canadá, ter instituições políticas elegantes garante ordem, gera progresso, e não tira nosso direito de celebrar desordenadamente (ou eu deveria dizer desgovernadamente?) nossas vitórias nas copas do mundo...
Pouco antes do jogo começar, sai para fazer compras e as ruas estavam desertas. Pouquíssimos carros (provavelmente apressados para chegar ao local onde se assistiria o jogo) e quase nenhuma pessoa na rua. No supermercado, um telão mantinha os empregados entretidos e tranquilos, afinal queriam garantia de que não perderiam a final ainda que tivessem que trabalhar. E o jogo foi sofrido, como finais da copa do mundo no Brasil. Canadá começou ganhando, mas os Estados Unidos empatou faltando 27 segundos pra terminar o jogo. Foi para a morte súbida. Quando o Canadá marcou o gol da vitória, foram gritos, fogos, buzinas, tudo. Sair na rua, depois disso, foi uma experiência antropológica. Pessoas com as cabeças para fora do carro gritavam, buzinavam e acenavam, enquanto as que estavam na calçada dançavam e acenavam de volta. O país todo em festa, sem qualquer resquício de toda a ordem com a qual eu estou acostumada.
A falta de elegância vem do uniforme de hóquei. O jogo exige tanto equipamento de proteção, que as as camisas são verdadeiras mostruosidades. Parecem uma camisola de uma tia com obesidade mórbida quando usadas sem o equipamento por baixo. E era assim que estavam vestidos a maioria dos Canadenses na rua. Um contraste radical com o que eu vi no dia seguinte, segunda-feira, quando a temperatura subiu para 1 grau positivo e as pessoas estava não apenas andando ordenadamente na rua, mas estavam elegantemente vestidas com seus sobretudos de outono, que são significativamente mais elegantes que os casacos de inverno (como vocês já devem ter notado nas minhas fotos).
Estamos, portanto, de volta à ordem e elegância característica da sociedade canadense (especialmente porque o inverno tem sido generoso e as temperaturas estão acima de zero essa semana), que contrasta muito com a realidade brasileira. E não posso deixar de especular se a causa desses constrastes é um problema de foco. Nossa bandeira diz "ordem e progresso". A constituição canadense diz "paz, ordem e bom governo". Talvez se o Brasil tivesse menos preocupado com progresso a qualquer custo e mais preocupado em ter um bom governo nós deixássemos de ser o eterno "país do futuro". Ou seja, falta um pouco de elegância nas instituições políticas brasileiras. E, como mostra o Canadá, ter instituições políticas elegantes garante ordem, gera progresso, e não tira nosso direito de celebrar desordenadamente (ou eu deveria dizer desgovernadamente?) nossas vitórias nas copas do mundo...
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