segunda-feira, 29 de março de 2010

Mulheres, mulheres e mulheres

O dia internacional da mulher foi dia 8 de março e Toronto celebrou a data com uma série de eventos, passeatas, painéis, etc. A mídia passou o dia todo falando sobre o assunto e discutindo questões relacionadas a mulheres. Semana passada, todavia, foi como um "déja vu all over again" do dia internacional das mulheres.

Na terça-feira fui em um seminário para mulheres chamado P.I.N.K. - Protection, investments and the need for knowledge. O seminário era literalmente para mulheres: ganhei uma pastinha rosa, um estojinho rosa, e uma caneta rosa que acende uma luz....rosa. E era apenas para mulheres: um dos organizadores era homem, mas foi obrigado a ficar fora da sala. A palestrante explicou que eles fizeram grupos de controle (experimentos com voluntários) e os tópicos e o tom da discussão era diferente quando havia homens na sala. Achei ótimo, pois sobrava mais queijos e vinhos para mim, já que a mulherada atacou as sobremesas...

A idéia toda do seminário era alertar as mulheres para o fato de que elas vivem mais que os homens, mas em geral investem menos. Os dados (se forem de fato acurados) são assustadores: as mulheres vivem em geral de 5 a 10 anos a mais que os homens, mas investem em geral 30% menos. Ou seja, a mensagem é que mulheres precisam investir mais.

Essa mensagem, claramente, tem muito pouco apelo para alguém como eu, que ainda tem uns trinta e poucos anos pela frente até a aposentadoria, além de ter um plano de aposentadoria da universidade. Mas o pessoal do seminário queria de fato nos persuadir e, para isso, usaram estatísticas assustadoras de mulheres com doenças crônicas, como derrame, ataques do coração e câncer. O argumento aqui é que as mulheres precisam investir pra não ter que depender da bondade alheia (que pode estar lá, ou não) caso algo desse tipo aconteça. E as estatísticas que eles mostraram sugeriam que era bastante provável que ia acontecer alguma coisa com alguém naquela sala, em algum momento.

Neste ponto, estávamos todas assustadas e completamente convencidas de que precisamos ter reservas financeiras para tempos difíceis, aposentadoria, ou caso o fim do mundo chegue (e a probabilidade de que vai chegar logo parece ser alta). Daí a palestrante passa do porquê para o como. Como investir? Primeira coisa: não se precisa de uma fortuna para se fazer fortuna. Para sustentar essa idéia, ela mostrou como um café no starbucks pode virar 1 milhão de dólares. Eu obviamente não vou conseguir reproduzir o argumento, mas era algo do tipo: se você compra café no starbucks todos os dias por cinco dólares, ao final de uma semana você gastou 25 dólares e ao final do ano 1.300 dólares. Se você investir esse dinheiro com juros a X, você vai ganhar tanto em 10 anos, tanto em 20 anos, e em 30 anos você tem um milhão de dólares (graças aos juros compostos, que é juros sobre os rendimentos gerados por juros). Ou seja, pare de tomar café e vire uma milionária! Eu já pensei em vários formas de mostrar como esse argumento é falacioso, mas vou poupar vocês das minhas idiossincrasias acadêmicas.

Qual a conclusão? Se você deixar de tomar seu café todo dia, você pode virar uma milionária, e daí você vai ter dinheiro para custear todas as doenças que você vai ter na vida (por exemplo, você vai ter que contratar uma enfermeira caso você não consiga mais tomar banho sozinha depois do derrame). E daí você pode ficar tranquila. Exceto se você pensar que os estudos mais recentes mostram que café tem vários benefícios para a saúde, incluindo diminuir o risco de diabetes (que é uma doença que aumenta muito o risco de derrame e ataque do coração...) e câncer. Ou seja, eu sai do seminário convencida de que eu deveria continuar tomando meu café, pois prefiro ser uma pessoa saudável e feliz (sim, café melhora meu humor!) a ser uma milionária que precisa de uma enfermeira pra trocar minha fralda.

Na quarta-feira as mulheres recuperaram um pouco sua reputação, depois do "desastre rosa". Na minha aula no curso de desenvolvimento, discuti com meus alunos o programa de microcrédito que foi criado em Bangladesh por um professor de economia chamado Mohammad Yunnus. Graças à invenção, o Yunnus ganhou recentemente o prêmio nobel. E a idéia do microcrédito é genial: o Yunnus criou um banco para pobres. Ele faz empréstimos de 20 a 50 dólares (40 a 100 reais) para pessoas que não tem bens para oferecer como garantia. Muitas dessas pessoas não têm sequer renda.

Como ele garante que não haverá calote? De três formas. Primeiro, todos os devedores precisam fazer um curso de educação financeira para aplicar o investimento de forma produtiva. Ou seja, se eles usarem o empréstimo para comprar cinco cafés no starbucks, eles não vão conseguir pagar a dívida. Mas se eles comprarem uma máquina de fazer café, e começarem a vender café, eles vão transformar os 20 dólares em 80 dólares, e vão conseguir pagar o empréstimo e enriquecer. O Yunnus não tenta convencer ninguém que eles vão ficar milionários se não comprarem café, mas pelo menos eles podem conseguir se sustentar e alimentar suas famílias, o que muitas dessas pessoas não conseguia fazer antes do empréstimo.

Segundo, todos os empréstimos são feitos a um grupo. Assim, dentre cinco pessoas, uma pega o empréstimo mas todas as cinco são responsáveis pelo pagamento. Os outros não podem pegar empréstimos até que a dívida do primeiro esteja quitada. E caso o primeiro dê um calote, os outros são obrigados a arcar com a dívida. Portanto, o microcrédito substituti a garantia, contrato, ou qualquer forma legal de cobrar dos devedores, por um sistema de pressão social. E o sistema é muito efetivo: as instituições de microcrédito têm uma taxa de quitação de dívidas em torno de 98%, enquanto os bancos tradicionais ficam com meros 70%.

Terceiro, o Yunnus se utilizou de psicologia básica pra estruturar o sistema de pagamento. Ao invés de emprestar o dinheiro e cobrar o pagamento com juros depois de um ano, ele faz cobranças semanais, de quantias muito pequenas (que são viáveis para os devedores). Isso tira aquela idéia assustadora de que em um determinado mês eles precisam pagar uma bolada, e acaba criando um hábito saúdavel de poupança.

E onde entram as mulheres? As mulheres são as estrelas do show aqui. O Yunnus desenvolveu o programa para mulheres, pois elas eram proibidas de usar bancos comerciais em Bangadlesh. E muitos interpretam os altos indices de quitação das dívidas ao fato de que são mulheres, e não ao fato de que são grupos. Mas ainda que não seja esse o caso, o fato de que o programa foca em mulheres e os índices são tão altos mostra que essas mulheres pobres podem ser empresárias de sucesso, se for dada a elas uma chance (e bons conselhos...).

Na quinta-feira de manhã, a reputação das mulheres dos países desenvolvidos estava de mal a pior. As mulheres supostamente liberadas e "modernas" do Canadá tinham deixado muito a desejar na terça com o desastre rosa, enquanto as mulheres pobres e "atrasadas" de Bangladesh tinham dado um banho nas Canadenses na quarta. Daí na hora do almoço de quinta-feira recebi o anúncio de um projeto muito legal (que recuperou um pouco a reputação das canadenses):

http://www.girlsandwomen.com

Uma fundação canadense está tentando inserir questões relativas a mulheres jovens na reunião dos G-20, que vai acontecer aqui em Toronto dentro de alguns meses. Segundo a página deles, as mulheres representam metade da população mundial, trabalham dois terços do total das horas trabalhadas no mundo (provavelmente contando com trabalho doméstico), e recebem um décimo da renda e possuem apenas um centésimo de toda a propriedade que existe. Ou seja, há um problema de desigualdade na distribuição de recursos.

O projeto foi criado por uma fundação de uma magnata canadense (aposto que ela não ficou rica porque parou de tomar café!) que acredita que investir em jovens mulheres é a melhor forma de promover desenvolvimento. Alguns dados do site:

"Cada dolar que uma mulher ganha, ela investe 80 centavos na família (em contraste com 30 centavos investidos pelos homens)"

Isso pode explicar o dado do P.I.N.K. de que mulheres investem menos que homens: elas ganham menos e gastam mais com a casa e as crianças. Portanto, o problema não é o café que elas compram no caminho pro trabalho....

Um artigo publicado recentemente na Foreign Affairs afirma que investir em mulheres não é apenas ético (por causa das desigualdades), mas é também lucrativo. Quando as mulheres recebem educação e oportunidades econômicas elas não apenas geram renda (o que o Yunnus já tinha mostrado), mas também promovem desenvolvimento econômico. Portanto, investir em mulheres é uma das melhores formas de gastar seu dinheiro e de promover desenvolvimento.

Conclusão: vou investir em mulheres, a começar por mim mesma. E como minha cabeça funciona melhor com café, meu copinho de café continua a ser meu melhor investimento diário em mim mesma.
Além de continuar a tomar café, acho que vou a um seminário para investidores homens da próxima vez. Aposto que ninguém fica falando que eles vão ficar mais ricos se eles pararem de tomar café, ou uísque, ou fumar charutos. E aposto que vão me dar uma caneta que eu posso de fato usar em público...

Um comentário:

Theresa Miedema disse...

Very interesting post and observations. So it is my coffee addiction that keeps me poor. Personally, I am more inclined to blame the cats' addiction to cat nip.

I also liked the reference to Yogi Berra ("it's deja vu all over again"). Of course, good old Yogi also once commented, "I never said most the things I said". I agree with this Yogi comment: "You can observe a lot just by watching." Yogi was a great character in baseball. My own problem with him is that he played for the Yankees. In any case, I appreciate the incorporation of baseball references into your blog, even if they are minor references and even if they do come from former Yankees.