domingo, 1 de agosto de 2010

Será que eu cheguei na idade?

Agora que chegamos todos nos trinta e poucos ouço meus amigos dizendo "já passei da idade" com mais frequência do que costumava ouvir. A frase em geral vem acompanhada de alguma ilustração de um momento em que a pessoa perdeu as estribeiras, ou saiu da linha ou foi, no mínimo, indelicada. A desculpa -- até onde entendo -- é que depois de uma certa idade você já engoliu tanto sapo na vida por causa do que é "socialmente aceitável" que você descobre que o custo de mandar tudo às favas é menor que os potenciais benefícios. A essa altura, provavelmente mais de um terço das nossas vidas se passou. Alguns provavelmente já estão na metade dela. Portanto, é melhor começar a aproveitar...

Eu fico me perguntando se eu já cheguei na idade de "passar de idade", ou se, na verdade, eu nem sequer preciso passar da idade pra fazer coisas socialmente inaceitáveis, pois eu nunca na verdade me importei muito com códigos sociais. Alguns exemplos recentes dão margem pra dúvida.

Primeiro, quando eu estava na Itália, eu me via obrigada a andar debaixo de um sol de rachar o dia inteiro. Não tinha chapéu e protetor solar que aguentasse. Decidi então usar o conhecimento milenar que adquiri na minha viagem à China: se o sol tiver muito forte, abra sua sombrinha. Sim, a sombrinha. Quando vi isso na China, achei a solução genial. É como ter uma sombra privada, que fica te seguindo por todo lugar. É como se você contratasse uma árvore pra te seguir, sem a inconveniência de ter que lidar com pessoas estupefadas na rua pelo simples fato de que tem uma árvore te seguindo. E, para meu consolo, todas os asiáticos visitando a Itália, especialmente as mulheres, não hesitavam em abrir suas sombrinhas debaixo do sol. Portanto, eu não tinha sequer que lidar com pessoas estupefadas com uma estrangeira com a sombrinha aberta debaixo daquele solão...


Segundo, ainda quando eu estava na Itália, em um jantar pedi um prato especial com um macarrão "grano duro" e caranguejo. Para minha surpresa, recebi um prato cheio de macarrão com molho de tomate, e metade e uma caranguejo inteiro em cima do macarrão. Quem já comeu caranguejo vai entender o problema: quebrar as patas e o corpo do caranguejo pra comer a carne não é um trabalho fácil. O trabalho torna-se especialmente difícil se você não tem uma tábua e um pauzinho pra martelar a "casca" do caraguejo. Pela fortuna que eles estavam me cobrando pelo prato, achei uma sacanagem que eles transferissem pra mim o trabalho de tirar a carne de dentro do caranguejo. Eu podia, claramente, ter me portado como uma donzela e ter comido meu macarrão civilizadamente, deixando o caranguejo de lado. Mas pelo preço que eu estava pagando, eu achei que eu tinha direito à carne do caranguejo. Por causa disso, decidi catar o caranguejo e quebrar a casca com o dentes, tirando a carne de dentro com as mãos ou a boca. Não preciso dizer que a cena foi especialmente desagradável se você considerar que o caranguejo estava mergulhado em molho de tomate. Mas, pensei, pelo preço que eu tava pagando, eu ia comer aquela carne quer eles quisessem, quer não. No meio do episódio, o garçom se limitou a me trazer uma bacia de água quente com limão, pra eu limpar meus dedos. E eu imagino que o chef deve ter tirado o prato do cardápio depois da minha passagem pelo restaurante. Mas eu não ia ficar sair de lá sem comer minha carne de caranguejo....

Por fim, esses dias um colega meu brincou com o outro falando que nós tinhamos um "date", quando estávamos saindo pra almoçar. O outro respondeu que era provavelmente por isso que eu estava "chique". Respondi que eu não estava chique, mas que meu vestido provavelmente era a peça mais barata no meu armário (vestido de algodão da Marisa...). Quando uma colega minha do clube de corrida disse que eu estava "chique" quando me viu com o mesmo vestido, eu esclareci novamente que era um vestido barato de uma loja vagabunda, e contei a história do meu colega. Eu queria entender porque as pessoas achavam que eu estava chique. Daí minha colega explicou que provavelmente meu colega não estava fazendo um comentário sobre o vestido em si (como ela estava), mas que ele estava brincando comigo. Era como um jogo: um afirmava que era um date, e o outro entrava na brincadeira falando qeu eu estava chique. Para participar da brincadeira, eu devia ter sacaneado meu colega que não estava suficientemente "chique" para o date. Ao invés de fazer isso, eu interpretei literalmente a afirmação e fui contestá-la pra me certificar que todo mundo sabia que aquilo não era um date.

Todos esses exemplos podiam ser explicados pelo famoso "passei da idade". Mas eu tenho também explicações alternativas que acho igualmente plausíveis. No primeiro caso, por exemplo, eu acho que quando alguém viaja muito fica muito mais flexível e aberto ao que é aceitável e o que não. O que vestir, o que falar, e como se portar na rua são coisas que variam muito de país para país. E quanto mais você viaja, mais você vê a relatividade de uma séria de valores que você assumia serem universais e absolutos. Sombrinha na rua é apenas um dos muitos exemplos que eu consigo pensar. 


No segundo caso, eu estava jantando sozinha, no exterior, e a probabilidade de encontrar alguém conhecido era mínima. Obviamente eu não teria feito o que fiz se estivesse jantando com contatos profissionais. Portanto, anonimidade ajuda. Ainda que estivesse sozinha, acho que eu teria dificuldade de fazer o que fiz em Toronto. Saber que não vou ver nenhuma daquelas pessoas de novo na vida também é um grande incentivo.


No terceiro caso, eu podia dizer que já passei da idade de ficar fazendo brincadeiras. Mas acho que a verdade é que eu nunca cheguei na idade. Eu tenho uma tendência a interpretar literalmente tudo que me dizem. As pessoas brincam falando que "eu levo tudo muito a sério". Acho que, na verdade, eu interpreto tudo muito literalmente. Não sei se faço isso por causa da ascedência portuguesa, ou por algum outro tipo de distúrbio. Por exemplo, eu tenho vários sintomas de Asperger, que é uma forma de autismo que não afeta a capacidade cognitiva ou intelectual, mas afeta a interação social. Uma descrição de um dos sintomas bate exatamente com a situação que eu descrevi: "A capacidade cognitiva de crianças com síndrome de asperger frequentemente permite que elas articulem normas sociais e mostrem compreensão teórica de emoções de terceiros, mas essas crianças tem dificuldade de agir com base nesse conhecimento em contextos mais fluídos, em situações reais de interação social. As pessoas com a síndrome normalmente analisam a interações social e transformam suas observações em regras rígidas de interação, que elas aplicam de maneira estrita, criando estranhamento." 

 Acho incrível como essa é uma descrição perfeita do que eu estava fazendo: pegando a explicação da minha colega, quebrando ela a criando regras rígidas de interação social. Minhas tentativas de fazer isso sempre criam posts interessantes para o blog, mas quando eu tento usar isso para guiar meu comportamento, obviamente dá errado e é constrangedor pra todo mundo... E tentando driblar uma outra característica de asperger, que é sair falando sem considerar se o interlocutor está interessado, vou poupar vocês da longa lista de outros sintomas que eu tenho de asperger.
 
Em suma, eu não sei se tudo isso aconteceu porque eu já "passei da idade". Talvez outras circunstâncias expliquem melhor esses episódios. No último exemplo, em especial, acho que talvez eu nunca "passe da idade" de ficar participando de "jogos" sociais simplesmente porque eu nunca aprendi a fazer isso. O problema é quando essa incapacidade se juntar ao tipo de atitude do "já passei da idade". Acho que aí vai ser complicado interagir comigo. Até lá, fica a dica: se eu levar a sério alguma brincadeira, não é nada pessoal...
 

3 comentários:

Theresa Miedema disse...

Dear Dr. Prado,

I have reviewed your file with a view to determining whether you may have Aspergers Syndrome. You have suggested that you may suffer from this Syndrome and point to a number of your "odd" behaviours in support of your theory. I have reviewed the diagnostic criteria for Aspergers Syndrome as set out in DSM-IV. You can find these criteria at this link: http://www.aspergers.ca/index.php?option=com_content&task=view&id=21&Itemid=35.

In my non-professional opinion, you do not suffer from Aspergers Syndrome. You clearly do not meet the criteria related to "Restricted repetitive and stereotyped patterns of behaviour, interests, and activities". I know this because (a) I run with you and (b) I've seen you hit a baseball and throw a baseball with little motor impairment. Also, as I believe your mother has pointed out to you, if you indeed have Aspergers Syndrome, you are a highly functioning Aspergers patient. In fact, your various successes suggest that you do not meet the criteria for Aspergers Syndrome, since one of the diagnostic criteria is "clinically significant impairment in social, occupational, or other important areas of functioning".

Unfortunately, I believe that you suffer from an illness far more serious than Aspergers Syndrome. I believe you may have "Humourous Non Functionus" (HNF), a disorder manifested by a marked inability to comprehend jokes, particularly dry humour, ironic humour, and the like. You may be interested to learn anecdotal evidence suggests that a significant percentage of the population of the United States suffers from HNF. British and Canadian populations, however, appear to be relatively immune to this disorder.

It is possible that you acquired HNF while studying at Yale (an institution known for its lack of humour). However, I believe it is more likely that you have suffered from HNF since birth. You appear to have been born with the temperament of a serious adult.

There is no known cure for HNF. However, with therapy and exposure to high quality Canadian and British humour, you can develop coping skills. With practice, you may be able to develop the capacity to engage in humourous banter and even sarcasm. As a general rule, however, it is necessary to put aside your work periodically to develop the skills related to overcoming the worst effects of HNF. (It is difficult to appreciate humour when one is constantly immersed in the study of human underdevelopment, poverty, misery, and war.)

Please contact me if you want to learn more about programs available to assist people suffering from HNF. There is hope for you! Do not give up.

Yours truly,
(Almost) Dr. T.Miedema

Anônimo disse...

I agree with Dr. T. Miedema that you don't suffer from Aspergers Syndrome. HNF is a possibility. Another one (not mutually exclusive with HNF) might just be that you are a well-adjusted academic. For the sake of being academic about it, let's call it well-adjusted-academic syndrome. \\n

Anônimo disse...

Definitivamente, passou da idade. C'est la vie! Agora é relaxar e gozar!