terça-feira, 2 de novembro de 2010

Halloween




Ontem o Canadá celebrou a famosa festa do Halloween, que é comumente traduzido como dias das bruxas. Mas não há nenhuma tradução que pudesse ser mais distante da origem do nome. Halloween vem de All-Hallow-Even, que é o termo escocês para descrever a noite que antecede o dia de todos os santos, uma celebração católica. 


Mas como as demais celebrações católicas, a coisa acabou degringolando. O carnaval, por exemplo, era supostamente um período para consumir bebidas alcóolicas e comidas gordurosas, que era proibidas durante a quaresma. O consumo disso tudo continua, e as peripécias vão muito além, mas pouca gente se lembra que toda essa abundância deveria ser seguida de um período de privação e castidade. 


Da mesma forma, a páscoa virou um momento de consumo de chocolate em massa, quando a celebração original era, na verdade, voltada para celebrar a ressureição de Cristo. Mesmo a figura do coelho, que foi mantida, é um elemento pagão da celebração. O coelho e os ovos pintados eram usados por pagãos na idade média para homenagear a deusa da primavera. Portanto, nem mesmo esse elemento da festa tem algo a ver com as tradições do cristianismo. 


Portanto, o Halloween não está sozinho na longa tradição de celebrações cristãs que foram apropriadas por pagãos e hoje não refletem qualquer valor religioso. Na verdade, em alguns aspectos, o Halloween se parece bastante com o carnaval e com a páscoa, pois há muitas pessoas com fantasias -- em especial muitos homens vestidos de mulher -- e há porcarias para crianças comerem a vontade, incluindo muito chocolate. 




E esse foi o ano em que eu me envolvi pela primeira vez com a festa. Mas isso vai ficar para outro post. Hoje eu preciso contar a complexa relação de uma imigrante brasileira com o halloween ao longos dos últimos anos. 


Em anos anteriores, aterrorisada pela idéia de que crianças fantasiadas iriam bater na minha porta e pedir balas e doces, eu apagava todas as luzes, e fingia que não estava em casa. Fiz isso em New Haven durante muitos anos. Em geral, eu não via o Halloween chegando. Ia de casa para a biblioteca, e da biblioteca de volta pra casa. Não parava, portanto, para prestar atenção na decoração e muito menos na data de celebração. Daí, no fatídico dia, ao caminhar de volta pra casa, eu notava a multidão de crianças andando pela rua, todas fantasiadas, batendo de porta em porta. Imediatamente, eu entrava em pânico. Achava que assim que eu chegasse em casa, elas iriam bater e eu não ia ter nada para oferecer, para desapontamento geral. Mais do que isso, os dizerem são ameaçadores: "treat or trick". Depois de passar pelo trote de caloura da USP, eu não estava preparada para ver qual era o "trick" que esses diabinhos americanos tinham guardado debaixo da manga (ou da máscara, no caso).


Alguns anos depois, descobri que o Halloween tem um código de condutas, ou um manual de boas maneiras. Ninguém vai bater na casa de alguém assim, de supetão, demandando balas, chocolates e quitutes e te ameaçando caso você não provenha o que está sendo demandado.  Acho que isso viola todas as regras de comportamento e os valores dos anglo-saxões. Portanto, há uma série de regras que garantem que a festa vai se conformar com os valores dessa sociedade calculista e individualista. 


Primeiro, as crianças apenas vão nas casas que têm decoração na porta. Portanto, eu não corria qualquer risco de ser atacada por ninguém, já que não tinha sequer uma abobora na minha porta. Portanto, como uma boa sociedade em que se planeja tudo com antecedência e se evita ao máximo surpresas, apenas as pessoas preparadas para dar "treats" recebem a visita dos monstrinhos.


Depois que eu descobri isso, resolvi tentar participar da festa quando mudei para Toronto. Coloquei um pequeno enfeite na porta (para que as crianças não criassem muita expectativa...) e comprei um saco de chocolates e outro de balas. Basicamente, foi um desastre. Duas famílias com três crianças bateram na porta. Eu abri a porta tão animada que as crianças ficaram meio assustadas com a minha empolgação, em especial as mais novas que tinham 2 e 3 anos. O rapazinho de 5 anos não se deixou vencer pela "tia louca" que tinha aberto a porta, e bravamente esticou o chapéu dele. Como já era tarde, e como eu tinha um saco cheio de chocolate, comecei a despejar o saco dentro do chapéu do menino. A mãe desesperada me pede para parar. A "tia louca" imediatamente interrompe a cachoeira de chocolate que estava caindo no chapéu do menino, e se depara com um chilique. 


- Quero mais! E ele apontava acusadoramente para o saco cheio de chocolate, enquanto berrava a plenos pulmões. 
- Não, filho. A "tia" já te deu muito. Agradeça a ela. 
- Quero mais! E o menino ameaçou chorar.


Nesse momento, as meninas assustadas se desinibiram. Acho que elas perceberam que a "tia louca" podia potencialmente ser uma fonte quase infindável de chocolate e estenderam seus chapéus. Achei que as meninas mereciam receber algo, já que o menino era o único que tinha ganhado. Porém, para evitar o erro inicial, dei apenas um punhado pra cada. Foi a gota d'água. As meninas começaram a chorar porque o menino tinha ganhado mais. O menino respondeu chorando, gritando com a mãe que as meninas estavam ganhando e ele merecia também. Eu adoraria me livrar daquele chocolate todo -- de baixíssima qualidade, diga-se de passagem -- e daquelas crianças choronas. Estava pronta para dar todo o saco ali mesmo. Todavia, resolvi aguardar instruções dos pais, já que claramente eu e as crianças éramos os seres inimputáveis naquela história toda, e certamente não deveríamos ser os encarregados de tomar alguma decisão. Resultado? Os pais decidiram que eles não estavam se comportando e não iam ganhar mais nada. Recolheram as três crianças aos berros, eu não recebi mais visitas, graças à decoração discreta que arranjei. Acabei me empanturrando de chocolate ruim por duas semanas. 


Apesar de desastrosa, nesse episódio aprendi a segunda regra do halloween: os pais usam o Halloween como uma oportunidade para educar os filhos. Ou seja, as crianças passam uma noite inteira em um intensivão do processo que outras crianças apenas experimentam no dia do aniversário. Ganhou presente, filho? Agradece a "tia"? Como se diz? Imagina as crianças de três anos fazendo isso em trinta casas em uma única noite. Aos cinco anos elas estão treinadas que nem robôs para receber presentes e agradecer, como manda a ordem a os bons costumes. É óbvio que ajuda bastante se a pessoa dando as balas é anglo-saxã, moderada, ponderada e contida. Mas infelizmente eu não sabia disso naquela época....

Eu ponderei participar do halloween no ano seguinte, mas uma história de uma amiga me desencorajou. Disse ela que umas crianças de sete e oito anos bateram na porta. Ao gritarem "trick or treat" o cachorro se assustou e latiu. Uma das meninas se assustou com o cachorro e minha amiga foi tentar acalmá-la. Virou pra menina e disse que o animal era um gato, disfarçado de cachorro. A menina virou pra mãe e falou: - mãe, essa mulher louca acha que o cachorro dela é um gato! Mais uma oportunidade para a mãe ensinar boas maneiras para a filha. Depois de ouvir a história, decidi que ser cobaia da educação das crianças alheias não fazia muito meu perfil. 


Por isso que esse ano decidi participar de versão adulta da festa. Nessa versão, o halloween perde as características comuns com a páscoa, e passa a compartilhar mais características com o carnaval. Exceto que está frio e a cultura WASP não deixa as pessoas muito a vontade para sair peladas na rua. Além disso, é proibido beber em local público aqui. Isso reduz bastante o número de pessoas bêbadas. Portanto, há menos nudismo e menos álcoolismo, mas os anglo-saxões compensam isso com muita criatividade. Aguardem as fotos!












Um comentário:

Anônimo disse...

adorei as histórias! estou aguardando as fotos...
beijos da sua irmã