quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Os taxistas e a globalização

Tive uma semana cheia. Depois de dar minha última aula do semestre, sobre globalização, embarquei para Israel, para uma conferência. Por coincidência, a discussão que tive com os alunos estava diretamente ligada à minha viagem. Discutimos se o fato de que agora o mundo todo bebe coca-cola e come Mc Donald’s – um dos efeitos da famigerada globalização -- é bom ou ruim.

Alguns alunos argumentaram que é péssimo: a homogeneidade cultural acaba com a diversidade e, por consequência, com grande parte da riqueza da humanidade. Não pude deixar de lembrar desse argumento quando me deparei com um café da manhã no hotel em Tel Aviv com croissants, cappucinos e iogurtes danone. Estando no oriente médio, achei que o hotel ia servir Labneh com azeite de oliva e pão sírio no café da manhã. Mas tive que me contentar com uma refeição que eu poderia perfeitamente ter comprado no Starbucks na esquina da minha casa em Toronto.

Durante a aula, alguns alunos argumentaram que a globalização tem aspectos positivos, pois permite que as pessoas compartilhem conhecimento, o que aumenta diversidade, ao invés de diminuí-la. Por exemplo, ao abrir lojas em outros países, o McDonald’s compartilha um método de administração que é inovador. A mesma coisa pode ser dita sobre o Starbucks. Portanto, quando o franchise se espalha pelo mundo, leva consigo estratégias de administração de empresas que podem ser úteis para empreendedores em outros países. De fato, esses alunos têm um ponto. Quando chego no hotel em Tel Aviv e o pessoal da recepção segue o mesmo procedimento seguido em todos os hotéis ao redor do mundo, minha vida fica mais fácil. Imagina eu tendo que negociar o preço de um quarto, se essa fosse a tradição deles por aqui (e note-se que ainda é a tradição para vendedores ambulantes). Com certeza não ia ser uma experiência agradável…

A propósito, essa idéia (de que os métodos de administração de empresas são tão importantes quanto o produto em si) explica porque o Brasil não tem um Starbucks, apesar de produzir um dos melhores cafés do mundo. O Clóvis Rossi escreveu uma coluna sobre o assunto, perguntando porque a gente não tinha criado a Starbucks brasileira. Minha resposta seria: porque não se trata só de café de qualidade, que o Brasil de fato tem, mas sim de métodos inovadores de administração de empresas, que não abundam no país. Para ter esse tipo de inovação, precisamos investir em educação. Ou seja o café sozinho não cria redes mundialmente famosas de cafeterias. Precisamos aprender a cultivar empreendedores. E pra isso a gente precisa muito mais do que sol e terra fértil. 

Mas voltemos ao ponto do post. Todas essas considerações sobre globalização não me ajudaram a analisar o que acontece com os motoristas de táxi. Da última vez que estive em Israel, em 2008, um taxista me deixou em uma rua com o mesmo nome da rua que eu procurava, exceto que ela ficava em outro município. Como o preço da corrida de Jerusalém para Tel Aviv tinha sido pré-negociado por um amigo israelense (que é a norma aqui), o motorista saiu ganhando com o calote.

Dessa vez, outro motorista tentou me engambelar. Depois de um jantar, eu e dois colegas  entramos em um táxi pra voltar para o hotel. Começamos a negociação pra fechar um preço, mas o taxista queria muito. Eu e meus colegas decidimos então pedir pra ele ligar o taximetro. Ele ligou e imediatamente – e previsivelmente -- entrou em uma rua que ia na direção oposta à do nosso hotel. Mandamos ele voltar e ele falou que ele ia cobrar uma taxa extra porque nós éramos três pessoas no táxi. Nesse momento, a gente devia ter descido do táxi. Descobrimos depois que os três tinham pensado que essa era a melhor solução, mas por alguma razão ninguém fez a proposta. Seguimos para o hotel. Quando chegamos no hotel, não deu outra. O taxista apertou três botões e o valor da corrida duplicou de preço. Nos recusamos a pagar e descemos do carro, dando pra ele o que achávamos justo. Não foi uma cena bonita: nós gritávamos com o taxista enquanto ele gritava de volta conosco. Como ele se recusou a pegar as notas, a gente jogou todo o dinheiro no banco da frente, antes de descer do carro. Provavelmente a noite teria sido muito mais agradável se tivéssemos simplesmente caminhado de volta pra o hotel. Enfim.

O triste da história é que ela acontece com mais frequência na minha vida do que eu gostaria. A cena do motorista apertando três botões no taximetro pra triplicar os valor total da corrida não foi nova pra mim. Em 2009, em Palermo na Itália, aconteceu a mesma coisa. Eu e dois colegas tínhamos pegado um táxi do aeroporto para o hotel. Depois de ver o sujeito apertar três botões e triplicar o preço, protestamos, e ele concordou em reduzir o preço. Mas nossa vitória durou pouco: assim que descemos do táxi o recepcionista do hotel nos informou que tinha um preço fixo para viagens saindo do aeroporto para o centro da cidade. Obviamente, tínhamos pagado muito mais do que devíamos. A decisão do governo de fixar o preço da corrida tinha sido, na verdade, uma tentativa de reduzir esse tipo de calote. Mas não há nada que salve turistas mal informados como nós…

Tenho a sensação de que esse tipo de comportamento é típico de motoristas de táxi em todo mundo, não só no mediterrâneo. Acho que não sofri com esse problema no Rio ou em São Paulo porque não sou uma turista mal informada, mas conheço pessoas que passaram por mal bocados nas duas cidades, tanto brasileiros quanto estrangeiros. E Toronto também não se salva. Experiência própria. E em Toronto, assim como na Itália, o preço da corrida saindo do aeroporto é fixo. Não me surpreende.

Já que culturas variam de lugar para lugar, seria de se esperar que a honestidade dos taxistas também variasse um pouco. Mas isso parece não acontecer com muita frequência. Por que? Parece estranho pensar que isso é efeito da globalização. Afinal, os serviços de táxi ao redor do mundo não são controlados por corporações multinacionais. Além disso, não existe franchise no setor – um McTaxi’s – que estaria espalhando para os quatro cantos do globo um método inovador de administração de negócios, o calote. O que explica, portanto, que você pode contar com um salafrário quase todas as vezes que entra em um táxi, não importa onde esteja?

Talvez, ainda que indiretamente, isso tenha a ver com a globalização. Há uma coisa em comum entre todos os taxistas: o taxímetro. Ainda que as empresas de táxi não sejam globalizadas, a maquininha com certeza é. E daí é só combinar a globalização do taximetro com a natureza humana: o taximetro gera um incentivo para que os motoristas enganem os passageiros. Quanto mais ele roda, mais ele ganha. Portanto, ao globalizar o taximetro, nós globalizamos também o incentivo para o calote. 

Qual a solução? Uma alternativa é negociar o preço. Com isso, as chances dos motoristas ficarem rodando em vão diminuem. O problema é que turistas mal informados também saem em desvantagem, pois a gente não sabe qual seria mais ou menos o valor da corrida. Então não sabemos qual preço é exorbitante. Além disso, quando há duas ruas com o mesmo nome em locais distintos, nem o preço negociado protege o turista mal-informado. Experiência própria…

Acho que precisamos, na verdade, globalizar outras coisas além do taxímetro. Por exemplo, em Toronto, no banco de trás, há um cartaz com a foto e o nome do motorista. Uma vez reclamei com um taxista que ele tinha feito um caminho mais longo do que o necessário, e ele imediatamente deu um desconto no valor final da corrida. Ela sabia que eu podia facilmente descer do táxi e ligar para a empresa para reclamar sobre o comportamento dele, dando o nome dele e tudo. Acho que esse tipo de identificação precisa ser globalizado, ainda que eu provavelmente não vá conseguir decifrar o nome dos motoristas escrito em outro alfabeto, como o hebraico ou árabe. Portanto, sugiro que haja também o número do carro, que é um pouco mais universal.

Minha única dúvida é o que acontece com os motoristas chineses. Quando estive lá em 2009, tive uma dificuldade imensa de achar um táxi que conseguia ler o alfabeto ocidental. Ou seja, eles não conseguiam entender pra qual hotel eu queria ir ou sequer ler o endereço. Mas fora isso, não tive qualquer problema na China, tanto com taxímetros quanto com corridas com preço pré-arranjado. E não tinha identificação do motorista em nenhum lugar (e ainda que tivesse, eu não ia conseguir decifrar o alfabeto). Ainda assim, eles se comportam impecavelmente. Talvez seja o fato de o governo tenha punições severas para várias coisas. Por exemplo, corrupção é punida com pena de morte. Talvez o modelo chinês sugira algo como chibatadas ou choque elétrico para os motoristas que derem o calote em passageiros. Se for esse o caso, não proporia a expansão desse modelo ao redor do mundo. Mas se for qualquer coisa mais aceitável, acho que os chineses deveriam estar vendendo a expertise deles na forma de franchises. Eu adoria encontrar, sempre que chegasse em um país novo, o Ching-ling Taxi, minha garantia de uma corrida sem calote!

Um comentário:

Marcelo disse...

também fui engabelado no Rio e em Buenos Aires. uma boa que ouvi da boca do próprio perpetrador, veja se te conforta, foi a de um jovem oficial da marinha à paisana, nordestino, baixotinho, aparentemente inofensivo, que deixou o taxista passear bastante no Rio e fazer o caminho mais mirabolante, mas pediu que o motorista adentrasse a zona militar, e lhe deu voz de prisão. não ficou preso, mas tomou um belo chá de cadeira, teve os antecedentes checados, etc